Empresas abusam da paciência
Igor Sperotto
Com a economia aquecida e o poder aquisitivo em alta, os gaúchos vão às compras. Porém, muitas vezes a satisfação de ter aquele desejado produto em mãos dura muito pouco. Também na contratação de um serviço, a sensação de ter sido enganado de alguma forma é praticamente a mesma. A única diferença é que a decepção não é tão imediata, as decepções vêm surgindo com o tempo. Para quem duvida, os órgãos de defesa do consumidor estão aí para comprovar o fato. Este ano o número de atendimentos no Procon Municipal de Porto Alegre chegou a 10.644. Em 2011, a soma foi de 10.079. Na estatística realizada pelo Procon, de 1º de janeiro a 13 de novembro deste ano, nos meios de consumo o item Estabelecimento Comercial braparece em primeiro lugar, com 6.381 atendimentos, equivalente a 59,95%. Em segundo vem Telefone, com 1.067 atendimentos (15,10%). Quanto ao tipo de área, os Produtos saem em disparada com 3.653 (34,2%); seguidos de Assuntos Financeiros com 2.661 (25%) e Serviços Privados, com 2.200 (20,67%). Na lista estão ainda os Serviços Essenciais, no montante de 1.863 (17,50%), Saúde, Habitação e Alimentos, mas estes em menor número.
Neste universo de reclamações, as mais comuns são a Telefonia e a TV por Assinatura. Ambas com problemas de cobrança abusiva, e o não cancelamento de contratos, quando os consumidores não conseguem anular a compra de um serviço. Em seguida vem dívidas com o cartão de crédito e bancos. E aqueles produtos com defeito que a loja se nega a trocar, mandando direto para a assistência técnica. Diz a lei que o certo é a devolução do valor gasto com a compra, ou até o abatimento proporcional do preço. Isto na teoria.
A prática é bem diferente.
Segundo Flávia do Canto Pereira, diretora executiva do Procon Porto Alegre, continua acontecendo uma infringência em relação à Lei do Call Center, que tem como regra atender o consumidor em até 1 minuto. “As pessoas ficam até meia hora ao telefone e, muitas vezes, não resolvem o seu problema. Elas querem falar com uma pessoa em uma loja”, diz ela. A diretora alerta para o desconhecimento da população em relação aos seus direitos. “O fornecedor sabe disto e se prevalece da dificuldade das pessoas em negociar, e não cumpre com as regras”, complementa.
Flávia revela que as grandes empresas lucram com o descumprimento, porque a parcela de consumidores que procura o Procon e o poder Judiciário ainda é muito baixa em relação ao todo. “Na verdade, os estabelecimentos faturam muito mais cobrando abusivamente porque são poucas as pessoas dispostas a procurar seus direitos”, revela. Muita gente prefere não se incomodar fazendo a reclamação e levando o caso adiante. “Se a postura fosse outra, seríamos respeitados pelos fornecedores e ninguém seria enganado”.
APLICAÇÃO DE MULTAS – Ao se dirigir ao Procon, o consumidor deve ter em mãos um documento comprovando que ele procurou o fornecedor para resolver o seu problema. Uma nota fiscal ou protocolo de atendimento são suficientes. No órgão é preenchida uma ficha relatando a demanda do consumidor e o dado da empresa, e, na sequência, feita uma mediação entre as partes, pelo telefone. Outros órgãos de defesa no restante do Brasil promovem uma audiência. Não conseguindo resultado, abre-se um processo administrativo com prazo de defesa e depois é aplicada uma multa.
Em 2011, o contingente de processos gerou um montante equivalente a R$ 227.761,00, sob a forma de compromisso de ajustamento de conduta, após a impossibilidade de êxito na conciliação no setor de atendimento. Já para as empresas reincidentes são aplicadas multas maiores ainda, e há possibilidade de suspensão de alvará de funcionamentos na venda de produtos e serviços, uma medida de caráter punitivo. Mesmo assim, existem aquelas que persistem na prática de ignorar os direitos de quem compra, nomes como Claro, Tim e redes de supermercado Wal Mart e Carrefour.
APELO À JUSTIÇA – Muitos porto-alegrenses estão apelando diretamente para os Juizados Especiais Cíveis ou nas Varas normais antes de passar pelo Procon, atitude válida perante a lei. Na Justiça, o trâmite é ágil. Ao receber o pedido, a audiência de conciliação acontece em menos de 30 dias, e em 60 dias o autor terá a solução em primeiro grau do problema. O objetivo passa a ser o de trabalhar com causas menos complexas e de menor valor econômico. Por esta e outras razões, houve um incremento da demanda de massa, as ditas reclamações repetitivas, que atingem a população como um todo.
“Somos o segundo estado que mais tem recursos junto ao STJ, uma característica nossa”, avalia a juíza Gladis de Fátima Piccini, do 2º Juizado Especial Cível. Assim como o Procon, a maioria das audiências de conciliação acontece contra réus já conhecidos do grande público, empresas de grande porte ligadas às prestações de serviços: Claro, Tim, Net, Brasil Telecom e supermercados. “A gente julga e determina, e, às vezes, os problemas dos consumidores não são atendidos mesmo com uma sentença. E não é por não querer cumprir a ordem judicial”, diz ela.
Na opinião da magistrada, fica evidente que o sistema está grande demais, tem gente desorganizada e os sistemas não estão funcionando. Ela relata um fato corriqueiro. Pessoas com prestações atrasadas fazem acordo para pagar a dívida parcelada, em 12 meses, por exemplo. Há aqueles que em determinado momento decidem quitar tudo. “Mesmo com a conta em dia, os fornecedores continuam mandando boletos de cobrança e colocando o consumidor no cadastro de devedores. “Daí é ação procedente e, nos Juizados Especiais, a Mesquinhariasmulta é de dez salários mínimos”.
A juíza, assim como a diretora executiva do Procon, acredita que as irregularidades praticadas compensam e ainda trazem lucros para as empresas, levando em consideração a quantidade ainda pequena de pessoas que se dirigem a juízo. “Pelo tempo indisponível, a quantidade de trabalho e as obrigações diárias, nas reclamações pequenas, os consumidores não vão atrás de seus direitos”, confirma Gladis. E o Judiciário, em suas palavras, deveria atuar como exceção. “A solução está no Executivo e nas agências reguladoras, que têm de começar a funcionar”.
Sônia Amaro, supervisora institucional da Proteste, de São Paulo, afirma que muitas vezes as empresas adotam uma postura de somente resolver os problemas com o surgimento de reclamações no Procon ou nos Juizados Especiais Cíveis. “Mas os fornecedores não contam com o prejuízo de ter a sua imagem comprometida e o fato de que possivelmente perderão o cliente e muitos outros, pois a insatisfação de um sem dúvida gera efeitos bastante negativos”, argumenta. “Por esse motivo é que os órgãos reguladores e fiscalizadores devem ter uma atuação efetiva constante e rápida”, alerta.
Sônia salienta que as empresas gastam altas somas em publicidade, se esforçam em captar clientes, mas não em mantê-los. O call center, afirma a supervisora, é outro problema grave. A prestação deste serviço geralmente é terceirizado. Um atendente costuma trabalhar para vários fornecedores concomitantemente. “Todos seguem o roteiro. Não sabem tirar as dúvidas, e muito menos responder a uma simples pergunta. Isto sem falar que passam informações diferentes para o consumidor sobre o mesmo assunto. Com a cobrança é a mesma coisa”, diz.
Muitas reclamações chegam à Proteste relatando também sobre publicidade enganosa. “Você tem um negócio e oferece um serviço, mas não se preocupa em tratar bem o cliente. Que tipo de treinamento será dado a outras pessoas”?, indaga Amaro. Seja como for, ela adianta que as pessoas não podem ficar esperando uma solução. “O Ministério Público terá de entrar em ação. As multas são uma forma de cutucar. As ações somente serão tomadas quando o bolso sofrer. Temos de fazer como o europeu, simplesmente boicotar totalmente determinado produto. E funciona”.
Descumprimento nos prazos de entrega
Com a aproximação do Natal, muitas pessoas resolvem comprar os presentes pela internet e acabam recebendo o produto depois das festas. As reclamações se proliferam contra endereços eletrônicos especializados, como Peixe Urbano e Groupon. A oferta, neste caso, é muito maior do que o fornecedor pode suportar. Flávia Canto alerta para a importância de se ter um endereço físico no site. “Precisamos saber onde fica esta empresa, pois necessitamos localizar o fornecedor. Muitas vezes o consumidor perde dinheiro nesta transação já que não vai poder reclamar”, avisa ela. A analista administrativa, Patrícia Telma Goellner, de 34 anos, resolveu comprar pela internet em fevereiro deste ano duas calculadoras HP e um celular. “Até hoje não recebi as mercadorias. Eles alegam que não possuem o produto no estoque, mas continuam anunciando no site”, diz ela. Depois de cinco meses, o fornecedor da web entrou em contato para oferecer uma troca por um item semelhante. Com recibos em mãos, Patrícia foi ao Procon e espera ter seu dinheiro de volta. “Antes de comprar, pesquise a idoneidade da empresa”, avisa.