O déficit do Brasil na educação dos jovens
Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
Honrado com o convite, começo minha participação no jornal Extra Classe escrevendo sobre educação e juventudes no Brasil. Parto da premissa que esta questão, em consonância com a desigualdade social, é nosso maior desafio educacional e, também, nossa maior oportunidade de transformar o país numa nação desenvolvida, justa e digna de se viver.
O Brasil possui 50 milhões de jovens. O aumento da população nessa faixa etária começou no início da década de 2010 e terá seu auge em 2020. Este “bônus demográfico” é nossa maior riqueza e oportunidade que poderá fazer a diferença, inclusive, alavancando o crescimento econômico, gerando riquezas, pois os jovens são portadores de utopias, ideais, enorme capacidade de criação, inovação e vontade de construir um espaço melhor para viverem.
Porém, ao contrário do que fez a maioria dos países asiáticos – como a China, o Japão, Correia do Sul e Cingapura –, que aproveitou o bônus demográfico e experimentou elevado desenvolvimento, a partir de um investimento massivo em educação, o Brasil teima em fazer o oposto, o caminho inverso, concebendo a educação como gasto público excessivo e os jovens como um problema.
Nosso país tem 10 milhões de jovens que não estudam nem trabalham, geração “nem nem”. Quase 30% deles não completou o ensino fundamental e a taxa líquida de conclusão do ensino médio é de apenas 50%. Dos aproximadamente 10,6 milhões de jovens entre 15 e 17 anos 3,6 milhões estão retidos no ensino fundamental, outros 1,6 milhões sequer estão na escola cursando o ensino médio e, os demais, estão matriculados num ensino médio de baixa qualidade, a grande maioria em escolas públicas precarizadas, sem infraestrutura e professores mal remunerados. Já entre 18 e 24 anos, apenas 16% dos jovens conseguem ingressar no ensino superior, cuja oferta é majoritariamente privada e noturna.
Os jovens brasileiros são, também, as primeiras e maiores vítimas do desemprego, do trabalho informal e temporário, da violência urbana e policial, das mortes de trânsito, do crime organizado e são a maioria da população carcerária de um sistema prisional desumano e degradante.
Este tratamento irresponsável que o Brasil oferece aos seus jovens ao longo da história não é uma causalidade, mas sim um projeto e uma estratégia de manipulação da “elite” econômica e política que domina e usurpa nossas riquezas naturais e humanas. Jovens com baixa escolaridade, informados e manipulados através de mídias e redes sociais, sem o desenvolvimento de conhecimentos científicos, tecnológicos, humanos e filosóficos, sem capacidade de leitura e discernimento do mundo, serão jovens alienados, ignorantes, manipuláveis e medíocres, presas fáceis tanto do sistema de dominação quanto do mundo organizado do crime.
O descaso histórico e a negação do acesso dos jovens aos direitos básicos – como saúde, educação, cultura, entretenimento, transporte, trabalho –, agravadas pelas recentes medidas de contingenciamento do orçamento da educação (PEC 55), as reformas do ensino médio em curso, redução de políticas públicas de inclusão (Prouni, Fies, Planfor), reformas trabalhista e previdenciária, configuram e consolidam estratégias que afetam a vida presente destes jovens e comprometem o seu futuro num país sem perspectivas.
Inspirado nas ideias de Noam Chomsky, o francês Sylvain Timsit elaborou as “dez estratégias mais comuns de manipulação em massa através dos meios de comunicação”. Uma delas, a sétima, é manter o público na ignorância e na mediocridade através da oferta de uma educação o mais medíocre possível para que a distância entre classes inferiores e classes superiores permaneça impossível de ser revertida, naturalizando as desigualdades e diferenças.
Diferente de um estado totalitário que não se importa com o que as pessoas pensam desde que possa controlá-las pela força, atualmente, a maneira típica de fazer isso, segundo Chomsky, é através da propaganda (fabricação de consentimento, criação de ilusões necessárias), da manipulação e da apatia. Tais estratégias reforçam a auto-culpabilidade dos jovens que passam a acreditar que somente eles sãos os únicos responsáveis pela sua própria desgraça, por causa da insuficiência de sua inteligência.
Nosso bônus demográfico é uma oportunidade única na história de um país com tanta riqueza natural e potencial humano. Jovens, em qualquer sociedade, representam o novo, consistindo em si próprios a principal fonte das transformações. Enquanto uma parcela de jovens envolve-se com a violência e marginalização, a grande maioria busca soluções inovadoras e positivas. No mundo das informações são eles os principais atores e fomentadores das inovações. Nesta área, são os jovens que experimentam uma escolaridade mais elevada, que crescem em meio ao desenvolvimento da microeletrônica, da informatização e que podem se adaptar às mudanças decorrentes destes processos. As novas tecnologias, ao mesmo tempo em que os excluem do mercado de trabalho, abrem-lhes novas portas com a democratização e a globalização do conhecimento.
A constituição Federal do Brasil (art. 227, PEC 65/2010) é contundente quando afirma ser “dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. Preparar as bases do futuro do Brasil requer cuidar dos jovens, priorizar investimentos substanciais em políticas públicas e oportunizar uma educação de excelência para eles hoje, JÁ!
Gabriel Graboswiski | Filósofo, doutor em Educação, professor e pesquisador.