CULTURA

O século da animação brasileira

Por Gilson Camargo / Publicado em 9 de março de 2017

Ilustração: Frame do filme Castillo y el Armado/ Divulgação

Ilustração: Frame do filme Castillo y el Armado/ Divulgação

Ilustração: Frame do filme Castillo y el Armado/ Divulgação

Marco zero do cinema de animação, o desenho O Kaiser, do caricaturista fluminense Álvaro Marins, o Seth, está completando cem anos. Estreou nos cinemas em 1917, sintetizando o contexto geopolítico da época – a Primeira Guerra deflagrada em 1914 terminaria em novembro do ano seguinte. Um século depois, por falta de preservação, o que restou dessa charge animada foi um único fotograma. Em 2013, o documentário Luz Anima Ação, produzido pelo estúdio Ideograph, com direção de Eduardo Calvet, reuniu oito grandes nomes da animação brasileira para recriar a obra pioneira a partir desse fragmento, em um trabalho coletivo que alterna diferentes técnicas de animação e virou um ícone da diversidade da animação produzida no país. A celebração do centenário de O Kaiser coincide com um período de profissionalização, aprimoramento técnico, grandes produções e a projeção de profissionais brasileiros da animação na indústria do cinema, o que se traduz em indicações e prêmios em festivais internacionais de cinema.

O curta-metragem Castillo y el Armado, dirigido, roteirizado e editado por Pedro Harres, por exemplo, conquistou 55 prêmios e menções desde o seu lançamento em 2014 e foi selecionado em mais de 200 festivais – entre os quais o 71º Festival de Veneza. Entre as premiações, o de Melhor Curta no FICG30 Guadalajara, México e de Direção de Arte no Anima Mundi Brasil. A produção da Otto Desenhos Animados, de Porto Alegre, reconstitui fatos vivenciados pelo uruguaio Ruben Castillo, diretor de arte e protagonista do filme. Falado em um dialeto fronteiriço do Plata, conta a história de “um homem que encontra sua própria brutalidade na linha do anzol em uma noite de ventania”. Castillo explica que o êxito da produção se deve ao rompimento do desenho com a animação tradicional: “é todo feito à mão, com uma estética que abdica de técnicas rebuscadas”.

Não é por acaso que ele empresta o nome ao personagem central da trama: “passei boa parte da infância dentro da água, com muita liberdade, inclusive para conviver com o perigo”, relata o artista, que é natural de Colônia de Sacramento, às margens do Prata.

Muito do prestígio do cinema brasileiro de animação é atribuído a um feito inédito: a conquista de dois prêmios no Festival de Annecy, na França, considerado pelos profissionais da animação como o Cannes do desenho animado. Em 2014, Uma história de amor e fúria, de Luiz Bolognesi, conquistou o prêmio de melhor longa-metragem. No ano seguinte, O Menino e o Mundo, dirigido por Alê Abreu, foi premiado como melhor longa pelo público e pelo júri. Chancelado pelo prêmio no mais importante festival do gênero, o filme foi vendido para mais de 20 países, entre os quais Estados Unidos, França e Bélgica.

Mais recentemente, Leo Matsuda ficou entre os dez pré-classificados na categoria melhor curta-metragem de animação do Oscar 2017, com Trabalho interno, (Inner Workings), produzido pela Disney. No ano passado, O Menino e o Mundo foi um dos cinco selecionados para a categoria Melhor Animação do Oscar. Ainda que não tenham conquistado as estatuetas da Academia, as produções brasileiras ganharam o mundo. O filme de Abreu foi vendido para 80 países e, na França, levou 100 mil pessoas aos cinemas.

Álvaro Marins, pioneiro da animação

Arquivo Ancine

Marins, pioneiro da animação

Arquivo Ancine

Frame de O Kaiser, de 1917: marco zero da animação brasileira

Ilustração: Ancine/ Divulgação

Frame de O Kaiser, de 1917: marco zero da animação brasileira

Ilustração: Ancine/ Divulgação

 

Transplantes, patrimônio público, piratas e bruxarias

Curta inédito de Guazzelli, aborda a doação de orgãos

Divulgação

Curta inédito de Guazzelli, aborda a doação de orgãos

Divulgação

“Eu que vivi os anos 1980 teria sido internado se dissesse naquela época que um curta gaúcho um dia chegaria entre os 20 indicados ao Oscar, que foi o caso do Castillo y El Armado. Nosso horizonte era, no máximo, o Festival de Gramado”, compara o ilustrador e quadrinista gaúcho Eloar Guazzelli Filho, o Alemão Guazzelli, que atualmente leciona composição de personagens no bacharelado em Animação da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap), em São Paulo. “Se antes a saída para quem trabalhava com animação era migrar, hoje o momento não podia ser melhor. Os produtores vêm ao país em busca das nossas histórias e profissionais. Claro que há um falso humanismo dos países ricos, que não querem ver a gente competindo e a má vontade da mídia local. A imprensa trata o cinema de animação com um certo desprezo, como coisa menor e menos séria. Cultivam um preconceito fofo ao dizerem assim: tá, já falamos do desenho animado, agora vamos falar de coisa séria”, critica Guazzelli.

Ele revela que está produzindo dois curtas, um autoral, Esperanto, que aborda o tema da doação de órgãos “no qual gostaria de ter a colaboração de Os 3 Plantados” (banda formada pelos músicos Bebeto Alves, Jimi Joe e King Jim); e Sapucaia, que denuncia a destruição do patrimônio público e a extinção de fundações no Rio Grande do Sul.

“No audiovisual, em que a animação está inserida, o Brasil está numa situação que não pensei que fosse ver em vida. Basta com parar o número de produções em andamento. Até 1972, eram dois longas de animação em produção em todo o país. Nos anos 1980 tínhamos cinco e, atualmente, são 23. É a terceira maior indústria, com produções para cinema, tevê, web e jogos. Em 2016, movimentou R$ 24,5 bilhões”, avalia o cineasta e animador gaúcho Otto Guerra, da Otto Desenhos Animados, que está produzindo os longa-metragens Bruxarias, coprodução Brasil-Espanha, e A cidade dos piratas, da cartunista Laerte Coutinho, além da série Os Filosofinhos, com base no trabalho da Tomo Editorial, entre outras animações.

Otto Guerra, na ativa desde 1977, vai lançar A cidade dos piratas, com desenhos de Laerte Coutinho

Foto: Igor Sperotto

Otto Guerra, na ativa desde 1977, vai lançar A cidade dos piratas, com desenhos de Laerte Coutinho

Foto: Igor Sperotto

Lançado em 2013, o terceiro longa da Otto, Até Que a Sbórnia nos Separe, é outro exemplo de produção bem-sucedida: foi convidado pela curadoria a participar da 37ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, uma das principais vitrines de tendências, temáticas, narrativas e estéticas produzidas em todo o mundo. A animação conquistou já no lançamento o prêmio de Melhor Filme (júri popular) na Mostra de São Paulo e em Gramado, onde também foi premiado com o kikito de Melhor Filme. Totalmente digital, custou cerca de US$ 1 milhão e foi produzido com patrocínio e financiamento de diversas instâncias governamentais. “O Brasil é um dos países onde as leis de incentivo à cultura estão muito avança das. O Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) tem sido até agora a fonte de recursos do nosso cinema”, destaca Guerra.

 

QUADRINHOS

 “É preguiça mesmo!”

Rafael Corrêa passa a publicar a série Rato Falho no Extra Classe

Foto: Igor Sperotto

Rafael Corrêa passa a publicar a série Rato Falho no Extra Classe

Foto: Igor Sperotto

Aos 41 anos, a partir desta edição, o quadrinista rosariense radicado em Porto Alegre, Rafael Corrêa, passa a publicar suas tiras mensalmente no Extra Classe. Segundo ele, um sonho antigo, pois admirava o EC há tempos e relembra que visitava a redação do jornal com seu portfólio já no início dos anos 2000, quando ainda era estudante de Comunicação Social na PUCRS. “É uma honra e uma responsabilidade estar ao lado de mestres como Santiago e Edgar Vasques, além de ocupar um espaço que já foi do grande Canini”, diz.

Rafael, aos poucos, obteve reconhecimento dentro e fora do Brasil e já foi premiado em salões internacionais de países como a Argentina, Alemanha, Turquia e Armênia. Conhecido por sua capacidade de síntese e leveza no humor, utiliza pouco ou nenhum diálogo, o que dispensa aos seus quadrinhos, muitas vezes, a necessidade de tradução para outros idiomas. Característica, aliás, das tiras exclusivas que passam a ser produzidas para o EC – a série Rato Falho, publicada a partir desta edição, na página 27. Mas quando se toca no assunto da economia de texto nas tiras, ele brinca: “Não é capacidade de síntese, é preguiça mesmo!” – um tema que por ironia já virou até mesmo uma tira autobiográfica de um só quadrinho.

Formado em Comunicação Social pela PUCRS, é um dos fundadores do Coletivo Catarse de Porto Alegre onde atua como ilustrador e designer. É autor do personagem de tirinhas Artur, o Arteiro com o qual tem dois livros publicados: Direto pro SOE! (2006) e Piolhos Invaders (2007), ambos pela Razão Bureau Editorial. Em 2014 escreveu, desenhou e editou Criatura, e em 2015 o livro Sapatiras, sua última publicação em quadrinhos. Em 2010 foi diagnosticado com esclerose múltipla e desde julho de 2015 mantém um site, Memórias de um esclerosado (memoriasdeumesclerosado.tumblr.com), no qual conta, em forma de quadrinhos autobiográficos, sua experiência com a doença. Rafael também participa de diversos concursos de cartuns pelo mundo, tendo sido premiado em 33 deles. (por César Fraga)

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