Minha terra aniversariou: 245 outonos. E a estação, pelo menos ela, se vestiu pra ocasião, com suas outonalidades.
Já a Cidade, em vez de se enganalar, se enganou: a data tanto podia ser 2 de novembro quanto 4ª feira de cinzas – nenhum vestígio festivo à vista. Ô, crise dupla – de money e imaginação.
Ilustração: Sica
Ilustração: Sica
Pensei em cortejar a Capital, guardar selfie nossa, eu em primeiro plano, ela atrás, clichê visual porém sincero. Onde seria a pose? Peraí, Fraga: antes, convém decidir onde não deve ser o clic.
Em primeiro lugar, nunca, jamais, never, junto ao Monumento do Expedicionário. Quem disse que esse arco militaresco representa Porto Alegre? Por que tantos postais, capas de jornais, imagens turísticas sempre centradas nele? Não é caso de anular a pétrea homenagem aos heróis, só de pôr no devido lugar: fora da foto.
No entorno da Usina do Gasômetro, acesso negado por obras, que mantêm a orla tão longe, de mim distante. No Cais Mauá, uma fragata da Marinha atravancava horizonte e ilhas. Tudo com apoio rude e duro do Muro da Mauá, esse eterno bunker na retina.
Me neguei incluir num porta retrato a Ponte do Guaíba, animal cinzento com quatro patas viradas pra cima. Ali no aeroporto, o Paixão Côrtes de bronze oferecia sua autenticidade à câmera do celular. E a Ponte de Pedra também acenava. Queria eu, nessa vez, lembrança atualizada, nada passadista.
Parei pra refletir: quanta carência de arte pública cabe em Poa? Por que sua geografia e topografia, singulares, não podem ser ornadas com monumentos surpreendentes e arquitetura inovadora? Nada de cair o queixo aqui se ergue. Nenhuma ousadia na paisagem ou outra cota de criatividade concreta como a Fundação Iberê.
E ao redor, argueiros visuais como o Anfiteatro do Pôr-do-Sol, aquele conjunto de tetas pra chimarrão, e trocentos brutais viadutos, um dos quais “homenageia” um homem campeiro, o poeta Jayme Caetano Braun. Nada acrescentam ao imaginário da cidade nem rendem selfies espetaculares.
Resta valorizar e fotografar o verde que nos cerca, as colinas com ângulos sensacionais, a natureza que até agora resistiu à mesmice urbana.
Minha terra tem palmeiras – na Oswaldo, Getúlio e João Pessoa – onde cansa o sabiá: ele prefere outras copas. Minha terra tem paineiras, por todo lado o chão rosado, logo o ar algodoado. Minha terra tinha roseiras, que se renderam na Redenção. Minha terra tem doideiras que nos Açores não há.
Fraga é escritor, humorista, publicitário. Escreve mensalmente para o jornal Extra Classe.