POLÍTICA

Fragmentada e oportunista

Os parlamentares da bancada gaúcha que ajudaram a derrubar Dilma Rousseff agora ameaçam abandonar Michel Temer fragilizado por denúncias por corrupção
Por Flavia Bemfica / Publicado em 12 de julho de 2017
Votação do processo de impeachment de Dilma Rousseff no Senado, em 2016

Foto: Edilson Rodrigues/ Agência Senado

Votação do processo de impeachment de Dilma Rousseff no Senado, em 2016

Foto: Edilson Rodrigues/ Agência Senado

As votações de projetos de interesse do governo a partir do segundo semestre de 2016, após a consolidação do golpe que derrubou Dilma Rousseff e levou Michel Temer e seus aliados ao poder, são reveladoras sobre o comportamento dos parlamentares gaúchos. Salvo as exceções de praxe, a assim denominada bancada gaúcha se mostra inclinada a alianças de ocasião, acordos oportunistas e posições fragmentadas. Com o desgaste do discurso de reformas e recuperação econômica, agora muitos começam a abandonar o peemedebista, primeiro presidente denunciado por corrupção a responder por crime durante mandato.

Grupo fragmentado, marcado pela atuação de um número considerável de suplentes e por alianças de ocasião e na qual se observa o desgaste crescente da gestão Michel Temer (PMDB). Assim se comporta a bancada federal gaúcha nas votações dos projetos mais polêmicos defendidos pelo governo no Congresso.

No ano passado, logo após a derrocada da então presidente Dilma Rousseff (PT), a bancada gaúcha na Câmara, composta por 31 parlamentares, mostrava a mesma inclinação pró-Temer do restante do Congresso, e o Executivo aprovou com folga entre os representantes do Rio Grande do Sul tanto o projeto que retirou a exigência da participação da Petrobras na exploração do Pré-sal como a polêmica PEC do Teto dos Gastos. O primeiro passou entre os deputados gaúchos com 14 votos favoráveis e nove contrários. A segunda, na qual apenas um parlamentar do RS não votou, passou por 18 votos a 12.

A situação mudou em 2017, na mesma velocidade em que o governo começou a desmoronar. Em março, o desgaste ficou evidente. Aprovado no plenário, o projeto da terceirização foi rejeitado pela maioria dos deputados gaúchos, por 15 votos a 11. O governo perdeu votos dentro do PP, do PTB e até do próprio PMDB, com a dissidência de José Fogaça. Na tentativa de reverter o placar do Estado, na votação da reforma trabalhista, em abril, o governo se mobilizou em relação ao RS assim como fez com outros estados: colocou o ministro do Trabalho e Emprego, Ronaldo Nogueira, de volta à Câmara, e contou com as participações de Covatti Filho (PP) e Onyx Lorenzoni (DEM). Diminuiu a diferença, mas, de novo, entre gaúchos, o projeto foi rejeitado por 15 votos a 14. No plenário, foi aprovado.

Senador Paulo Paim (PT/RS) voto favorável ao Plano de Recuperação Fiscal dos Estados, que tem privatizações como contrapartida

Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

Senador Paulo Paim (PT/RS) voto favorável ao Plano de Recuperação Fiscal dos Estados, que tem privatizações como contrapartida

Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

“Nossa bancada é extremamente fragmentada. A separação mais simples seria a de governo versus oposição, mas, sozinha, ela não se sustenta. Em relação ao apoio ao governo, inclusive o do PMDB, é de oportunidade. Temer assumiu com um discurso de reformas e recuperação econômica que era interessante para alguns, mas, com o ‘andar da carruagem’ muitos começaram a ‘pular fora’. O PP, por exemplo, faz o jogo do ‘é governo mas não é’. E o PSB já foi embora.  Talvez o elemento-padrão da bancada gaúcha seja o de que é conservadora em termos de comportamento social, com pouca clareza em relação a questões como direitos humanos e de minorias”, elenca o cientista político e professor do Programa de Pós-graduação em Ciência Política da Ufrgs, Rodrigo González.

Os interesses diversos ficaram evidentes nas votações do Plano de Recuperação Fiscal dos Estados, também em abril. O projeto foi aprovado pelo plenário na Câmara. Mas, entre os gaúchos que votaram, acabou em empate. Foram 13 votos a favor, 10 contrários e três obstruções. Os petistas Dionilso Marcon e Marco Maia não votaram, apesar de o projeto ter privatizações como contrapartidas e ser apontado pela oposição como extremamente danoso para as contas do RS. No Senado, o texto também passou, e com o voto favorável dos três senadores gaúchos, inclusive o petista Paulo Paim.

Senadora do PP gaúcho Ana Amélia Lemos, aliada de Temer, foi relatora do Plano de recuperação fiscal dos estados

Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

Senadora do PP gaúcho Ana Amélia Lemos, aliada de Temer, foi relatora do Plano de recuperação fiscal dos estados

Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

Fim da obrigatoriedade da Petrobras na exploração do pré-sal

Após ser alvo de muitos embates no Congresso, e de tramitar por cerca de um ano e meio sem que a maior parte da população tenha conhecimento do que estabelece, o fim da obrigatoriedade da Petrobras na exploração do pré-sal foi aprovado em 5 de outubro de 2016 na Câmara dos Deputados por 292 votos a 101; e sancionado por Michel Temer (PMDB) em 29 de novembro. A votação das emendas que previam a manutenção da participação da Petrobras só terminou no início de novembro, mas elas foram todas rejeitadas. O idealizador da mudança é o senador paulista José Serra (PSDB), que apresentou o projeto no Senado em 2015.

Com a mudança, comemorada pelas gigantes multinacionais do petróleo, a Petrobras deixa de ser necessariamente a operadora de todos os blocos de exploração do pré-sal no regime de partilha da produção. A nova regra altera a Lei 12.351/10, que previa a participação da companhia com pelo menos 30% em todos os consórcios licitados, e na qualidade de operadora. A operadora executa direta ou indiretamente as atividades de exploração, avaliação, desenvolvimento e produção. O projeto passou mesmo após dois estudos elaborados pela Consultoria Legislativa da Câmara listarem uma série de riscos da mudança: perda do controle sobre as quantidades de petróleo e gás extraídas da camada de pré-sal em função do alto risco de fraude; menor arrecadação de receitas pelo Estado brasileiro; redução do conteúdo nacional e da geração de empregos diretos e indiretos; comprometimento do desenvolvimento tecnológico do país; aumento da exportação de petróleo bruto; e aumento das importações de derivados. Antes de passar na Câmara, o projeto já havia, em fevereiro, sido aprovado no Senado em primeiro turno, por 40 votos a 26.

PEC do teto dos gastos

A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241/2016 foi uma das primeiras medidas do governo Michel Temer (PMDB), enviada ao Congresso quando ele ainda era interino, em junho do ano passado. Seu relator na Câmara dos Deputados foi o gaúcho Darcísio Perondi (PMDB), vice-líder do governo na Casa desde maio de 2016 e apontado como um dos mais fiéis defensores de Temer no Congresso. Vendida como uma das mudanças fundamentais que equilibraria as contas do país e traria de volta os índices de confiança, a matéria estabeleceu um limite para os gastos federais pelos próximos 20 anos. Na prática, determinou um congelamento e atingiu a destinação dos recursos para áreas como saúde e educação. Depois de uma espécie de regra de transição em 2017, quando as despesas totais poderão crescer até 7,2%, a partir de 2018 os limites serão sempre os gastos do ano anterior, corrigidos pelo IPCA. Ficaram de fora algumas despesas, como os gastos para as eleições e as transferências a estados e municípios. A PEC passou com folga na Câmara dos Deputados, em dois turnos. No primeiro, em 11 de outubro, por 366 votos a 111. No segundo, em 26 de outubro, por 359 a 116. O plenário rejeitou todos os destaques apresentados pela oposição, que pretendiam suprimir itens como os que impactam a saúde e a educação e, ainda, aumentos salariais. No Senado, a matéria (já PEC 55/2016) foi aprovada em primeiro turno em 30 de novembro e em segundo turno em 13 de dezembro. No primeiro por 61 votos a 14 e, no segundo, por 53 a 16. De novo, os destaques da oposição foram todos rejeitados. Promulgada em 15 de dezembro, se transformou na Emenda Constitucional 95.

Bancada gaúcha no Congresso em reunião de articulação com Michel Temer

Foto: Divulgação

Bancada gaúcha no Congresso em reunião de articulação com Michel Temer

Foto: Divulgação

Terceirização e a herança de FHC

A permissão para que a terceirização seja utilizada em todas as áreas (fins e meios) das empresas foi aprovada na Câmara dos Deputados em 22 de março, por 231 votos a 188.

A aprovação aconteceu após a base aliada de Temer ressuscitar, no final do ano passado, um projeto apresentado na Casa em 1998 (PL 4.302/98), durante o governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), que já havia sido aprovado na Câmara e no Senado (onde sofreu alterações, renomeado de PLC 3/2001) e, de volta à Câmara, aguardava desde 2002 para análise final dos parlamentares.

A retomada do texto aconteceu após a Câmara, em 2015, ter aprovado um outro projeto, enviado ao Senado (o PLC 30/15), onde ainda não foi apreciado. O texto do Senado restringe a possibilidade de terceirização às atividades-meio (conhecidas como de suporte, ou secundárias, tais como as de limpeza e segurança).

Temer sancionou o projeto aprovado na Câmara em 31 de março, com três vetos, mas foram mantidos os temas centrais, como a possibilidade de as empresas terceirizarem sua atividade principal, sem restrições, inclusive na administração pública; a possibilidade de as terceirizadas subcontratarem outras empresas para realização de serviços; e, em casos de ações trabalhistas, a terceirizada pagar os direitos questionados na Justiça, se houver condenação. Apesar da sanção presidencial ao projeto de 1998, o PLC 30/2015 segue em tramitação no Senado.

Affonso Hamm, José Otávio Germano, Jerônimo Goergen, Luís Carlos Heinze, Renato Molling, Wilson Covatti: bancada gaúcha do PP é investigada na Lava Jato

Fotos: Divulgação AL/RS e PP/RS

Affonso Hamm, José Otávio Germano, Jerônimo Goergen, Luís Carlos Heinze, Renato Molling, Wilson Covatti: bancada gaúcha do PP é investigada na Lava Jato

Fotos: Divulgação AL/RS e PP/RS

Plano de recuperação fiscal dos estados

Em fevereiro, o governo federal enviou ao Congresso o Plano de Recuperação Fiscal dos Estados (PLP 343/17). Anunciado tanto pela administração Michel Temer (PMDB) como pelo governador José Ivo Sartori (PMDB) como solução para os problemas de caixa do RS, o projeto prevê moratória de três anos no pagamento das parcelas das dívidas dos estados com a União, renováveis por mais três anos, mas não alivia as contas. Os valores não pagos serão corrigidos pelos encargos financeiros previstos originariamente nos contratos e acrescentados aos saldos devedores. Projeções iniciais apontam que, no RS, a adesão ao acordo elevará a dívida em cerca de R$ 30 bilhões.  Além disso, o texto estabelece uma série de contrapartidas, como a privatização dos setores de saneamento, financeiro e de energia. A adesão possibilita que os estados contraiam novos empréstimos, e o governo gaúcho chegou a informar que ela permitiria o pagamento em dia dos salários dos servidores, mas o projeto é claro: o dinheiro só poderá ser usado para planos de demissão voluntária de servidores, reestruturação da dívida, modernização da máquina fazendária e antecipação de receita de privatizações. Na Câmara, o texto-base foi aprovado em 18 de abril, por 301 votos a 127. O texto passou no Senado, com relatoria da senadora gaúcha Ana Amélia Lemos (PP), em 17 de maio, por 56 votos a 9. Dois dias depois, foi sancionado por Temer. Sua implantação está paralisada em função da enxurrada de denúncias envolvendo o governo federal e devido à necessidade de que os estados, primeiro, aprovem os planos individuais da adesão em suas assembleias legislativas.

Reforma trabalhista

O polêmico projeto da reforma trabalhista, que altera mais de 100 pontos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), enviado pelo governo à Câmara dos Deputados em dezembro, foi aprovado no Plenário da Casa na madrugada do dia 27 de abril, por 296 votos a 177. Para garantir votos, o governo chegou a exonerar temporariamente quatro ministros oriundos da Câmara, entre eles o gaúcho Ronaldo Nogueira (PTB), do Trabalho e Emprego. Entre as principais mudanças previstas, está a prevalência dos acordos entre patrões e empregados sobre a lei em 16 pontos, sendo que o estabelecido em acordo coletivo prevalece sobre o firmado em convenção. Os 16 itens incluem plano de cargos, salários e funções; jornada de trabalho; banco de horas; representante dos trabalhadores no local de trabalho; troca do dia de feriado; enquadramento do grau de insalubridade e prorrogação de jornada em ambientes insalubres sem licença prévia das autoridades competentes do Ministério do Trabalho e Emprego. Além disso, a reforma estabelece o fim da contribuição sindical obrigatória; tenta diminuir a atuação da Justiça do Trabalho; reconhece o trabalho intermitente (contratação por jornadas, horas, dias ou meses, e de forma não contínua, cabendo ao empregado o pagamento das horas efetivamente trabalhadas) e o teletrabalho, sem, contudo, estabelecer regras claras para este último.  Defendido por grandes entidades empresariais, como a Fiesp, e apontado por entidades e movimentos de defesa dos direitos dos trabalhadores como de retirada de direitos, o projeto agora tramita no Senado.

Como votam os senadores gaúchos

*O senador Lasier Martins se elegeu pelo PDT em 2014, mas saiu do partido em dezembro do ano passado e foi para o PSD. Quando votou os projetos do fim da obrigatoriedade da Petrobras no pré-sal e da PEC do Teto, ainda estava no PDT

Arte: Bold Comunicação

*O senador Lasier Martins se elegeu pelo PDT em 2014, mas saiu do partido em dezembro do ano passado e foi para o PSD. Quando votou os projetos do fim da obrigatoriedade da Petrobras no pré-sal e da PEC do Teto, ainda estava no PDT

Arte: Bold Comunicação

Como votam os deputados gaúchos

O deputado Cherini se elegeu pelo PDT em 2014, mas foi expulso do partido no ano passado, após votar pelo impeachment da então presidente Dilma Rousseff (PT), e ingressou no PR em julho. **O deputado João Derly se elegeu pelo PCdoB em 2014, mas migrou para a Rede em 2015.

Arte: Bold Comunicação

O deputado Cherini se elegeu pelo PDT em 2014, mas foi expulso do partido no ano passado, após votar pelo impeachment da então presidente Dilma Rousseff (PT), e ingressou no PR em julho. **O deputado João Derly se elegeu pelo PCdoB em 2014, mas migrou para a Rede em 2015.

Arte: Bold Comunicação

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