Muita fé no “Santo” Google
Foto: Igor Sperotto
Que a internet é um meio rápido e fácil de acesso à informação, é inegável. De curiosidades a pesquisas estudantis e acadêmicas, não há tema que os sites de busca, em especial o Google (que acaba de completar 14 anos), não encontrem. Para os estudantes, na hora de fazer consultas para os trabalhos escolares, essa ferramenta se consolida cada vez mais, tomando espaço inclusive de enciclopédias e de dicionários em papel. Com isso, a web já ameaça ocupar também o lugar de pais e professores. É o que aponta pesquisa recente realizada pelo Birminghan Science City, instituto britânico que ouviu 500 crianças com idades entre 6 e 15 anos.
Do total de entrevistados, 54% preferem consultar o Google do que recorrer a pais e professores. Quase metade dos entrevistados admite que usa a ferramenta pelo menos cinco vezes por dia. Apenas um quarto dos jovens iria perguntar aos pais. Quanto aos docentes, só 3% mencionaram que pediriam a ajuda deles. A situação provoca a reflexão de todas as partes e desafia pais, professores e escolas a repensar os seus papéis em plena era digital.
No Brasil, a situação não é diferente. A primeira pesquisa TIC Kids Online Brasil, realizada aos moldes de estudos já iniciados em 25 países da Europa, revela que a frequência de uso da internet é elevada na faixa etária entre 9 e 16 anos: 47% utilizam a web todos ou quase todos os dias. Entre as atividades mais citadas, o uso da ferramenta como fonte de pesquisa de trabalhos escolares foi citado por 82% dos estudantes ouvidos, superando o acesso às redes sociais, que foi de 68%. A consulta é resultado de um acordo entre o Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação (Cetic.br) e a London School of Economics (LSE).
A professora Patrícia Alejandra Behar, da Faculdade de Educação da Ufrgs, avalia que a nova geração, conectada e digital, é rápida nas pesquisas e sabe tudo de internet, entretanto, tem dificuldades para fazer um simples resumo. “Eles copiam e colam as informações, o famoso ctrl C + ctrl V. Apesar deles irem para o Google pesquisar, não sabem escrever, resumir, nem selecionar a informação”, diz Patrícia. Ela acredita que o papel do professor é cada vez mais fundamental nesse processo. “São eles que devem orientar como os alunos vão selecionar as informações. Nem sempre os dados encontrados estão corretos”, acrescenta.
A docente também defende que a escrita deve ser trabalhada em sala de aula, já que a comunicação dos jovens ganhou codificação própria. “Consultar a internet não está errado. Mas a gente precisa Por Janine Souza extraclasse@sinprors.org.brensiná-los a escrever com as próprias palavras. Por exemplo, fazer exercícios onde os alunos destaquem da notícia os aspectos mais importantes. Tentar trazer da pesquisa aspectos que os alunos identifiquem por conta deles”, explica Patrícia, que também atua nos cursos de pós-graduação em Informação na Educação da Ufrgs.
Para a professora da Faculdade de Educação da PUCRS, Helena Côrtes, se o docente antes levava a informação para a sala de aula, hoje é sua tarefa filtrar os conteúdos e transformar o que realmente é importante em conhecimento. “Ele até é a principal fonte em algumas áreas, como Física, Química e Matemática. Nas demais, é ele quem vai mediar e encaminhar a busca dessa informação para transformá-la em conhecimento”.
Dicionários impressos e enciclopédias perdem espaço
Na pesquisa britânica, um dos pontos que chamou mais atenção foi o fato de que só 19% das crianças e adolescentes consultados afirmaram ter usado um dicionário impresso uma vez na vida. As enciclopédias vieram em último lugar no relatório, quando um quarto das crianças admitiu que nunca viu e nem sabia o que é. “Isso porque elas preferem consultar a internet. Geralmente, elas se satisfazem logo com a primeira página que encontram falando sobre o assunto. Aí entra também o papel do professor: fazê-las discutir e comparar a informação, mais do que nunca, é necessário e é um dos múltiplos desafios atuais da docência”.
A especialista acredita que a internet é veloz, mas também superficial. “Desde a busca pela informação até as relações humanas. A fruição, a contemplação também são importantes, mas, atualmente, ninguém mais tem tempo para isso. Essa inversão de valores é preocupante”, avalia Helena. Mais uma vez, devem entrar em ação os professores e também a família. “As pessoas precisam escrever, desenhar, andar de bicicleta, ler um livro, ficar em silêncio. Desenvolver a sensibilidade. Cabe à família e aos professores resgatarem esses valores. Educar o gosto dos filhos e dos alunos”, ressalta.
Questão de hábito
Para os pais, também não é tarefa fácil concorrer com o Google, que “tudo sabe”. Mas na casa dos Santana Rodrigues, em Gravataí, Região Metropolitana da capital, os pais de Thayse, de 12 anos, garantem que, na dúvida, a filha ainda recorre primeiro a eles. “Ela sempre pergunta para mim primeiro. Esses dias, até procuramos na internet a fórmula de um cálculo matemático. Até acho que ela poderia consultar mais a internet. Isso ajudaria a tirar dúvidas”, afirma o pai, o sargento Carlos Alberto Santana Rodrigues, de 46 anos.
Thayse explica que acessa a web para fazer alguns trabalhos, mas que não usa mais a ferramenta porque os professores não incentivam o seu uso. De acordo com a pesquisa TIC Educação, também realizada pelo Cetic.br, a observação da menina faz sentido. A consulta, realizada no ano passado, analisou 650 estabelecimentos educacionais (497 escolas públicas e 153 particulares) do país. O resultado apontou que as tecnologias ainda não têm presença significativa na prática pedagógica. Na rede pública, apenas 21% dos professores usam recursos tecnológicos nas aulas práticas. Em contrapartida, o relatório demonstra que 65% dos docentes estão conectados à internet.
O número insuficiente de computadores, a baixa velocidade de conexão e o local de instalação dos equipamentos tecnológicos das escolas são alguns dos principais fatores apontados pelos professores entrevistados como barreiras que limitam o uso das ferramentais digitais nas atividades pedagógicas.
Entre os professores das escolas particulares, observa-se comportamento similar considerando as atividades desenvolvidas com os alunos quando comparado com as escolas públicas. As atividades mais comuns são exercícios para prática, aula expositiva e interpretação de texto. Entretanto, o uso de computador e internet é maior entre os que atuam na rede privada. Nas aulas expositivas, 36% dos docentes utilizam as tecnologias da informação, enquanto que entre seus colegas da rede pública são 24%. Em interpretação de texto a diferença é de dez pontos percentuais entre escolas privadas e públicas, com 26% e 16%, respectivamente.
Equilíbrio distante
A infraestrutura nos estabelecimentos de ensino particular possivelmente contribui para o maior uso das novas tecnologias. Além disso, os professores utilizam mais computadores nas atividades em sala de aula. Aproximadamente metade deles (48%) usam computador e internet nesse ambiente, sendo o local mais frequente para realização das atividades com os alunos para 34% dos educadores. Nas escolas públicas, esses números são 22% e 13%, respectivamente. Os dados indicam ainda que 21% das escolas particulares possuem computadores instalados em sala de aula, proporção cinco vezes maior que os 4% das escolas públicas.
“Percebe-se que mais de 80% dos alunos entrevistados usam a internet para as pesquisas escolares. Mas em sala de aula, o recurso ainda é pouco utilizado. Os professores visitam a web com frequência. Aliás, nesse item, eles têm um perfil destacado perante o resto da população brasileira. Mas nas atividades pedagógicas ainda é explorado de forma tímida”, compara o coordenador de Pesquisas do Cetic.br, Juliano Cappi.
A evolução das tecnologias da informação transformou a vida de alunos, professores e escolas e corre a passos largos. Nesse percurso, os especialistas avaliam que as instituições ainda estão em desvantagem. “A escola está correndo atrás de uma geração conectada com o mundo. Ela foi forçada a se adaptar a essa realidade de fora para dentro e, por isso, está sempre um passo atrás. É preciso projetos pedagógicos desafiadores para tornar o ensino interessante”, sugere a professora Patrícia Behar. Já Helena Côrtes deixa no ar a reflexão: “Precisamos avaliar até que ponto a escola tem que correr atrás da internet , e até que ponto os nossos estudantes precisam retomar as relações humanas. Nesse caminho, precisamos encontrar o equilíbrio”.
<< Visite também – Fies cresce 120% em nove meses >>