ECONOMIA

A ressaca de um polo naval abandonado

Alavancada por investimentos bilionários, a construção de plataformas da Petrobras no superporto de Rio Grande acalentou sonhos e investimentos que foram abandonados
por Renato Dalto | Em Rio Grande. Fotografia: Guga Volks / Publicado em 10 de abril de 2018
Animada com a ocupação de 90% dos 550 leitos no auge da construção das plataformas, rede hoteleira investiu R$ 15 milhões na construção de um hotel executivo, mas a obra ficou inacabada

Foto: Guga Volks

Animada com a ocupação de 90% dos 550 leitos no auge da construção das plataformas, rede hoteleira investiu R$ 15 milhões na construção de um hotel executivo, mas a obra ficou inacabada

Foto: Guga Volks

Após um ciclo de euforia gerado em todos os setores da economia pelos investimentos na construção de plataformas de exploração de petróleo pela Petrobras, o porto de Rio Grande vê os investimentos minguarem. Com a transferência da construção das estruturas para a China, a expectativa de crescimento alavancada pelo polo naval e as aspirações de um “superporto” deram lugar à frustração e ao desemprego, empreendimentos abandonados, comércio e indústrias em recessão.

É um monumento ao abandono. Nos oito andares divididos em blocos, onde totalizam 180 apartamentos, havia a previsão de abrigar hóspedes que trabalhariam nos estaleiros, nas plataformas e em outras obras. O hotel, situado em um terreno com 5 mil metros quadrados em São José do Norte, está com 90% das suas obras concluídas. “Não há previsão de abertura. Este projeto só será retomado quando voltarem as atividades do polo naval”, assegura Fabiana Schwan, diretora administrativa da Rede Swan Hotéis. Na frente da obra, um campo deserto e um estaleiro com poucos funcionários. Um cartaz colado no vidro da porta fechada da Imobiliária JP, no centro da cidade, avisa: Atendimento apenas com hora marcada – a falta de clientes indica que não vale a pena manter as portas abertas. Na cidade vizinha, Rio Grande, em alguns dias da semana trabalhadores disputam lugar na fila do Sistema Nacional de Emprego (Sine) e dormem ali esperando a entrevista na manhã seguinte. Investem agora na sobrevivência. As duas cidades vivem a ressaca de uma euforia econômica provocada pela construção de plataformas e ativação de um polo naval.

Atraídos pela promessa do superporto, trabalhadores de diversos estados agora passam a noite na fila do Sine, em Rio Grande

Foto: Guga Volks

Atraídos pela promessa do superporto, trabalhadores de diversos estados
agora passam a noite na fila do Sine, em Rio Grande

Foto: Guga Volks

Há por trás disso uma decisão política. “O Conselho Nacional de Política Energética estabeleceu que apenas um percentual de 25% dessas obras tem que ter conteúdo local. Isso é muito pouco. Nos governos anteriores estava entre 70% e 80%. Esta indústria é estratégica para o país, é uma questão de soberania”, afirma Danilo Giroldo, vice-reitor da Fundação Universidade de Rio Grande (Furg) e presidente do Arranjo Produtivo Local (APL) Polo Naval e Energia, um fórum que congrega empresas, universidades, sindicatos e representações da sociedade civil. O último ato de desaceleração das obras foi no início de março, quando a Petrobras anunciou oficialmente a desativação da construção do casco da Plataforma P-71, que será feita pela empresa chinesa CIMC Raffles, e os módulos montados no Espírito Santo. Foi o desfecho de uma ruptura judicial com a empresa Ecovix, que tocava o projeto. Ficou ali, no dique seco, uma estrutura quase pronta abandonada, que poderia ainda empregar cerca de mil trabalhadores. Virou ferro-velho.

Sadi Pereira Machado, vice-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos, calcula que, no auge da operação, o número de trabalhadores contratados chegou a mais de 22 mil empregos diretos e mais 50 mil indiretos. “Veio gente do Rio de Janeiro, Pernambuco, Bahia e outros estados e de municípios da Região Sul, como Bagé, São Lourenço do Sul e Canguçu.  São pessoas que se qualificaram e agora não têm onde trabalhar”, lamenta Machado.

Na última semana de março, Vander Correia Almeida, soldador e mecânico ajustador, nascido em Rio Grande, tentou uma solução. Ao ouvir o anúncio que uma empresa de fertilizantes estava contratando, pegou a cadeira de praia e se dirigiu à sede do Sine, no centro da cidade. Chegou pouco depois das 20h, dormiu ali, e 12 horas depois fez a entrevista. “Eu caí de uma renda de R$ 3 mil para quase zero. Fui pra construção civil, trabalho de pedreiro, mas tá muito difícil”, revela. A saída desses metalúrgicos tem sido, em geral, buscar algo na construção civil. Luiz Carlos Pinho dos Santos, soldador, é baiano, de Candeias. Está no Rio Grande do Sul desde 2010 com a esposa e o filho de quatro anos. Trabalhou em várias empresas do polo – a última foi a EBR – e está há cinco meses desempregado. Diz que acabou o dinheiro da indenização e do seguro-desemprego. Faz “bico” de auxiliar de pedreiro. Está à espera, e indignado. “Não sei por que desativaram essa obra, se o custo de reconstruir em outro lugar será bem mais caro. Estão fazendo uma injustiça”, constata.

Contabilidade das perdas 

Após uma década de investimentos bilionários, o polo naval de Rio Grande foi abandonado

Foto: Guga Volks

Após uma década de investimentos bilionários, o polo naval de Rio Grande foi abandonado

Foto: Guga Volks

Foram investimentos superlativos, feitos a partir de 2006, com a construção da plataforma P-53. Só a Petrobras investiu, em nove anos, R$ 13 bilhões. A ativação do polo naval incluiu obras no dique seco, no estaleiro, na duplicação do cais e em outros serviços. Cidades quase siamesas, separadas apenas pelas águas da península, Rio Grande e São José do Norte tiveram geração de empregos, renda, aceleraram o comércio e os investimentos privados. E a arrecadação pública, na cidade rio-grandina, quase triplicou entre os anos de 2006 e 2017, passando de R$ 83 milhões para R$ 210 milhões. Em São José do Norte, duplicou a partir de 2012, saltando de R$ 35 milhões para R$ 69 milhões em 2017. A pequena São José do Norte, que vive da pesca, do cultivo de cebola e de plantação de pinus, tinha nessas obras o grande impulso para o aumento da arrecadação. A prefeita Fabiany Zogbi fala agora em buscar compensação com outras atividades. “Estamos tomando medidas de readequação de despesas e investindo no turismo na região. E temos também empresas de produção de pinus”, ameniza.

“Rio Grande se preparou para o polo naval. Foram construídos hotéis, alojamentos, imóveis, estruturas comerciais, transportes, prestadores de serviços se qualificaram. Só uma empresa local de transporte colocou uma frota de mais de 100 ônibus, que hoje estão parados”, contabiliza Antônio Carlos Bacchieri Duarte, presidente da Câmara de Comércio de Rio Grande. O empresário Luiz Carlos Hilário, da rede Villa Moura, investiu R$ 15 milhões na construção de um hotel executivo com 88 apartamentos. Entusiasmado com a demanda na época do polo, quando chegou a ter uma ocupação de 90% dos 550 leitos que a rede oferecia, apostou na nova unidade. Hoje, lamenta: “Tive pouco tempo e não consegui recuperar o investimento”. Atualmente, a taxa de ocupação dos hotéis da cidade, com mais de 3,5 mil leitos, não chega a 30%.

Com o consumo em baixa, a economia da península já acumula perdas de R$ 60 milhões em ICMS

Foto: Guga Volks

Com o consumo em baixa, a economia da península já acumula perdas de R$ 60 milhões em ICMS

Foto: Guga Volks

Ironicamente, a rede hoteleira de Rio Grande atende ao que se chama de turismo de negócios, com ocupação maior nos dias úteis da semana. E o processo de desaceleração das obras e o fim da construção das plataformas já começam a respingar na arrecadação. Roque Werlang, secretário municipal da Fazenda, de Rio Grande, fala em perdas de algo em torno de R$ 60 milhões em ICMS. Um prejuízo que tem ainda outros efeitos colaterais. “Com o aumento do desemprego, não há planos de saúde, o que sobrecarrega o SUS. Os filhos de trabalhadores passam a precisar mais da escola pública e aumentam os índices de pobreza na cidade”, exemplifica.

Nesse cenário de incertezas das duas cidades, vem à tona um questionamento que envolve também a Petrobras, uma empresa estatal. “A Petrobras é pública, o principal objetivo é o desenvolvimento do país. Junto com o polo, veio também o conhecimento. A Furg desenvolveu tecnologia para exploração do Pré-sal. O que será feito disso agora?”, questiona Werlang. Jadir de Bastos Portella, soldador, mecânico e eletricista, de Ijuí, aportou em Rio Grande há dez anos. Tentou ir para Santa Catarina, fez alguns trabalhos isolados na sua cidade natal e voltou. Ele foi um dos trabalhadores que lutou, fechou estradas e reivindicou a vinda das plataformas. Está hoje na fila do desemprego. “A gente sente que está indo embora a riqueza. Cada plataforma dessas gera milhões em petróleo por dia. A gente construía elas, agora não tem mais o que fazer.”

A estrutura física continua lá. Bacchieri lembra que o superporto, modernizado, está pronto para as atividades, com seus três estaleiros, guindastes, uma moderna empresa de placas e blocos. Não há mais investimentos, mas permaneceram as condições e a estrutura para a retomada. Ficou um polo naval esvaziado, como uma construção abandonada.

Esperanças escassas

Comenta-se, sem grandes novidades, a instalação de uma usina termelétrica em Rio Grande. Ao mesmo tempo, a Yara Fertilizantes Brasil está ampliando um complexo industrial e absorvendo uma parte da mão de obra dos trabalhadores. Na Câmara dos Deputados, há a Frente Parlamentar de Defesa da Indústria Naval, presidida pelo deputado federal Henrique Fontana (PT), tentando se articular e cobrar posições do governo federal. A Petrobras não aventa qualquer tipo de negociação com a Ecovix, devido ao litígio judicial. Não há previsão significativa de retomada das atividades no polo naval de Rio Grande.

Muralha das mulheres

Kelly e Ivania, que atuaram nas plataformas, integram o coletivo de mulheres em defesa do trabalho e direitos

Foto: Guga Volks

Kelly e Ivania, que atuaram nas plataformas, integram o coletivo
de mulheres em defesa do trabalho e direitos

Foto: Guga Volks

Trabalhadoras demitidas dos estaleiros criaram um coletivo: a Muralha Rosa, formada por aproximadamente 60 mulheres. Elas têm em comum uma história de conquistas e frustrações. Kelly Butierrez, Viviane Neves, Ivania Pacheco e Daiane Esquerdo trabalharam no lixamento de estruturas, na montagem de andaimes, solda e almoxarifado. Ivania veio de São Sepé com a família em busca de colocação. O filho Blaimond fez o curso de alpinista industrial, trabalhou no polo e agora faz trabalhos avulsos em prédios da cidade. Eles integram o contingente de famílias que dependiam das obras da Petrobras.

Assim aconteceu também com Viviane. Ela, o marido e o filho, juntos, somavam uma renda mensal de R$ 9 mil. “Agora estamos em zero”, diz ela. Mas essas mulheres, quando o desemprego veio, organizaram protestos e bloquearam o trevo da BR 392, que dá acesso à cidade. Sentiram que precisavam ganhar força para encarar uma nova realidade – exercem funções em que as empresas preferem contratar homens. “Todos os meus colegas arrumaram emprego, só eu estou desempregada”, desabafa Daiane.

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