EDUCAÇÃO

Crescimento da oferta de graduações rápidas preocupa

Segundo educadores, a maior parte dos cursos é realizada a distância, com enxugamento expressivo de currículos e, em algumas instituições, com turmas com mais de 100 alunos
Por Flavia Bemfica / Publicado em 10 de abril de 2018
Mensalidade com preço menor é atrativo para os estudantes

Foto: Igor Sperotto

Mensalidade com preço menor é atrativo para os estudantes

Foto: Igor Sperotto

Atraídos pelos baixos valores das mensalidades, a possibilidade de não precisarem de deslocamentos, horários flexíveis e intensa propaganda sobre suas chances de colocação profissional, milhares de estudantes gaúchos vêm optando por cursos de graduação mais rápidos, que podem ser cursados a distância e pela internet e priorizam a chamada formação “para o mercado”. Mas, assim como em todo o país, a mudança no perfil, observada a partir do avanço de grupos privados com fins lucrativos no segmento da educação superior, no Rio Grande do Sul preocupa educadores e já motiva estudos sobre as consequências para a produção do conhecimento e a qualidade do ensino.

No estado, entre as práticas observadas com mais frequência, estão o enxugamento de currículos, a expansão da modalidade educação a distância (EaD), o oferecimento de graduações de curta duração e, em algumas instituições, a formação de turmas com mais de 100 alunos nos primeiros semestres de cursos presenciais. “O grande número de estudantes em turmas de início de cursos, nas chamadas salas 2.0, atende ao objetivo de reduzir custos, mas tem consequências evidentes na apreensão do conhecimento”, destaca o diretor do Sinpro/RS, Marcos Fuhr. “Estamos pautando esta política predatório de mercado também na negociação coletiva com a representação patronal. Somos contrários a esta prática e temos ceretza que existem muitas instituições, pautadas pela qualidade de ensino, que também se opõem.”

O apelo dos valores é forte. Em Porto Alegre, por exemplo, mensalidades de cursos como Administração de Empresas, oferecidos em instituições de ponta e com aulas presenciais, ficam na faixa dos R$ 2.000,00, e têm duração de oito semestres. Mas, em cursos ofertados em instituições pertencentes a grupos com fins lucrativos, é possível encontrar graduações EaD em Administração de Empresas por valores de mensalidades entre R$ 250,00 e R$ 450,00. Há, ainda, a proliferação das chamadas graduações de Gestão, muito oferecidas na modalidade EaD, e propagandeadas como uma espécie de derivação simplificada dos cursos de Administração de Empresas. Com duração média de quatro semestres, há Gestão nas mais diversas áreas, da Ambiental à de Tecnologia, passando pela Financeira, de Negócios, Comercial, Pública, de Qualidade, de Recursos Humanos, de Seguros, Hospitalar, de Segurança, de Turismo. O preço é um chamariz: em algumas instituições, as mensalidades ficam abaixo dos R$ 300,00.

Certificação em substituição à formação

De acordo com o professor Evaldo Piolli, do Departamento de Política, Administração e Sistemas Educacionais da Faculdade de Educação da Unicamp, há um largo uso das expressões empreendedorismo e gestão de negócios que, na verdade, permitem o oferecimento de diferentes cursos com uma base curricular comum. “Os estudantes deveriam ficar atentos para o tipo de formação que terão: muitas vezes, são para a inserção em setores com ganhos menores, como o de serviços. Estamos hoje diante de um processo de certificação em substituição à formação.” Ele alerta ainda para o modo como as mensalidades se tornam tão acessíveis. “Além dos incentivos públicos, as empresas conseguem oferecer preços atrativos em função de um forte enxugamento em estruturas e currículos, da redução de professores e/ou de sua substituição por professores com menores graus de qualificação e da flexibilização de contratos. Na EaD, por exemplo, também é possível observar a farta atuação da figura do tutor no lugar do professor.”

A disseminação da EaD é um fato. Quem procura informações na internet sobre um curso superior nas páginas da UniRitter, Fapa ou Fadergs, controladas pelo grupo Laureate, encontra a EaD Laureate, com a opção de 100% online. Na Fadergs, que tem oito sedes em Porto Alegre, das 35 graduações oferecidas, 18 podem ser feitas 100% online e 11 em quatro semestres. Na Cesuca, que agora pertence ao grupo Cruzeiro do Sul Educacional, há 14 presenciais e 14 EaD. No Centro Universitário da Serra Gaúcha (FSG), também do Cruzeiro do Sul, são 45 presenciais e 14 EaD. Dessas 45, 10 são na área de Negócios. A Anhanguera, que pertence ao grupo Kroton Educacional, tem quatro campi no RS e um número seis vezes superior de polos. A Estácio inova na terminologia: oferece as modalidades Presencial, EaD, Flex e Telepresencial.

Cade acompanha concentração

A movimentação de grandes grupos privados com fins lucrativos na educação superior já despertou a atenção do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que vem norteando sua atuação a partir do levantamento Atos de Concentração no Mercado de Prestação de Serviços de Ensino Superior, elaborado por seu Departamento de Estudos Econômicos. O documento destaca que, para entender o setor hoje no Brasil, é preciso considerar o “papel fundamental” dos fundos de investimento em participação: os private equity.

Esses fundos têm por objetivo aquisição de ações, debêntures, bônus de subscrição e outros títulos e valores mobiliários de companhias abertas ou fechadas. E sua participação em instituições de ensino superior, conforme o estudo do Cade, não se resume ao aporte de capital. “Eles têm influência direta em decisões estratégicas das empresas investidas. Assim, apesar de os investimentos nas empresas muitas vezes terem caráter minoritário, os fundos têm como prática assegurar o controle de gestão para garantir as melhorias no negócio acima mencionadas. É usual a elaboração de acordos de acionistas, os quais estabelecem cláusulas que visam garantir o direito ao fundo de indicar profissionais para posições de diretoria e conselho administrativo, o que garante que o controle executivo da empresa investida esteja também nas mãos do fundo de private equity”, informa o levantamento.

A avaliação é de que a participação dos fundos de investimentos no capital social de empresas de educação traz implicações para a análise concorrencial empreendida pelo Cade, não só pelo aumento das concentrações de mercado que resultam dos processos de compra de concorrentes, como também “pela necessidade de se atentar para a possibilidade de tais fundos terem participação em outras empresas concorrentes ou, ainda, participantes de outros estágios da cadeia produtiva capazes de gerar um processo de integração vertical com as instituições de ensino superior”.

Em outro estudo recente, os professores Gilberto Sarfati e Alan Shwartzbaum, da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV-Eaesp), investigaram os motivos que levam as empresas do setor de educação a realizarem aquisições e fusões, ao invés de simplesmente se basearem no crescimento orgânico. Concluíram que há uma tendência de forte aumento de receita, que contém, entre outros, um elemento sinérgico operacional e a queda na proporção de custos e despesas em relação à receita líquida.

RIO GRANDE DO SUL – A atuação dos fundos e a movimentação identificadas pelo Cade e pela FGV já resultaram em uma série de mudanças. No negócio mais recente, anunciado em fevereiro, o grupo Cruzeiro do Sul Educacional comprou duas instituições da gestora de private equity Advent: o Centro Universitário da Serra Gaúcha (FSG), com campus em Caxias do Sul e Bento Gonçalves, e a Faculdade Cesuca, de Cachoeirinha, região metropolitana de Porto Alegre. Conforme informações prestadas por executivos do grupo à agência Reuters após a concretização do negócio, as aquisições permitirão ao Cruzeiro do Sul entrar no segmento presencial na região Sul e abrir mais 150 polos de EaD. O objetivo do grupo, que hoje possui 330 unidades de EaD, é terminar o ano com 800 polos.

A vendedora, a Advent, entre 2009 e 2013 foi cocontroladora da Kroton Educacional. Ela havia adquirido a FSG no início de 2015 e a Cesuca no final de 2016. Agora, se desfaz das duas instituições após, no ano passado, ter adquirido a parte da Estácio Participações, que pertencia à família Zaher. Na América Latina, seus investimentos em educação fazem parte do ramo Varejo, Consumo e Lazer. Juntamente com os ramos Serviços e Serviços Financeiros; Saúde; Indústria e Infraestrutura; e Tecnologia, Mídia e Telecomunicação, integra os cinco setores considerados prioritários para investimentos.

O comprador, o Cruzeiro do Sul, havia, em 2012, vendido 37% da participação acionária para a gestora britânica Actis. No ano passado, a Actis vendeu toda sua participação no Cruzeiro do Sul para o Fundo Soberano de Singapura (GIC). O GIC é apontado como um dos mais importantes fundos soberanos (instrumentos adotados por alguns países que utilizam parte de suas reservas internacionais para realizar investimentos e adquirir participações em empresas estrangeiras, com objetivos financeiros e estratégicos). Os países do G7 já solicitaram que seja estabelecido um código de ‘boas práticas’ para estes fundos, com o objetivo de aumentar sua transparência. O GIC inaugurou suas operações no Brasil em 2014, com foco em investimentos complexos e de valor elevado, nos setores de empreendimentos imobiliários, saúde, financeiro, serviços, recursos naturais e infraestrutura.

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