Ilustração: Rafael Sica
Ilustração: Rafael Sica
Onde você se meteu, moleque?
A gente crescia e desaparecia pelos bairros, periferia a fora. O escurinho do cinema em vez da claridade das salas de aula, refúgio a anos-luz de professores. Ninguém nos achava na penumbra dos porões e sótãos da vizinhança: éramos invisíveis, inalcançáveis. Mesmo num banheiro nos fundos da casa se podia fugir do controle dos mais velhos. O preço da liberdade era a ausência de vigilância. Sem a tornozeleira do celular, se descobria matos, morros, pedreiras, coisas que garotos eletrônicos desconhecem.
Rapaz, procuramos você um montão.
Você embarcava num carro antigo com meia dúzia de amigos e sumia na direção de um fim de semana, bastava dizer quando voltava. Enchíamos os pulmões de poeira, que nos dava fôlego para escapar dos mandos paternos. E nos soltávamos em riachos e lagoinhas, caçadas longe dos sinais das futuras antenas. Alguns anos depois e a caça era maior, corças e gazelas ainda sem o controle das micro-ondas.
Você viu o gerente?
No máximo o relógio-ponto denunciava chegadas e saídas. Durante o expediente havia fugas para áreas onde o labor não chegava. Ali se matava o tempo sem ser morto por ele. Nas empresas havia zonas tipo Triângulo das Bermudas: nossos sumiços valiam por férias remuneradas. Nesses tempos e locais, nada da urgência dos e-mails, das mensagens em pagers, das cobranças e controles em PCs. Nessa época, você não era jamais convocado em casa por celulares em horas de lazer e viver. Não estávamos linkados 24 na neura e na noia.
Onde você andava?
Ah, bons tempos. Ninguém era achado se não quisesse, sossego era sossegado do início ao fim. Agora, crianças nascem com cordões umbilicais de silício, todos estão na doideira desse contato permanente. Tudo é o tempo todo compartilhado, até o vazio tem que ser wi-fizado. Triste é viver na eterna conexão.