O avanço do Estado de Exceção e a ruptura com o Estado de Direito
Foto: Tania Rego/Agencia Brasil
Esse movimento vem sendo acompanhado por um processo de criminalização dos movimentos sociais e populares que resistem ao desmonte do país e ao ataque contra direitos humanos, trabalhistas, sociais e ambientais
Afirmar que o Brasil vive hoje um Estado de Exceção não é um exagero retórico. Esse Estado de Exceção foi anunciado explicitamente pela Justiça Federal e aceito pela suprema Corte do país, o Supremo Tribunal Federal. Recordando alguns fatos: ao avaliar a conduta do juiz de primeira instância Sérgio Moro, que vazou para jornalistas gravações de conversas entre a presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Lula, realizadas ilegalmente, o Tribunal Regional Federal da 4a. Região afirmou que princípios constitucionais e princípios do devido processo legal podem ser deixados de lado em situações de excepcionalidade. E o Brasil vem vivendo, pelo menos desde 2016, uma imensa situação de excepcionalidade.
A presidente eleita pelo voto popular em 2014, com mais de 54 milhões de votos, foi derrubada por golpe parlamentar, judicial e midiático sem que tivesse cometido crime de responsabilidade algum. A partir daí, com a cumplicidade passiva e ativa do Supremo Tribunal Federal, do poder Judiciário e do Ministério Público teve início um processo de desmonte de políticas públicas voltadas para a população mais pobre do país, de privatização de patrimônio público e de entrega de recursos naturais estratégicos para empresas estrangeiras, como é o caso exemplar das reservas de petróleo do pré-sal. Esse movimento vem sendo acompanhado por um processo de criminalização dos movimentos sociais e populares que resistem ao desmonte do país e ao ataque contra direitos humanos, trabalhistas, sociais e ambientais.
A ruptura com a ordem democrática foi denunciada pela Associação Juízes para a Democracia (AJD) em nota oficial divulgada no último dia 17 de abril. “O processo de deposição de uma Presidenta legitimamente eleita, ocorrido em 2016, tem paulatinamente sido reconhecido, pela maioria da população brasileira, como uma verdadeira ruptura democrática. O avanço do que poderia ser considerado um Estado de exceção não se limitou a esse ato, porém, de modo que se observam novas fraturas nas abaladas estruturas políticas que ainda sustentam a República”, afirma a nota.
Além disso, acrescenta, “manifestações de representantes das forças armadas são proferidas para pressionar os demais poderes do Estado brasileiro, de modo a influenciar até mesmo decisões da mais alta Corte Judicial”. A AJD também alerta para o papel desempenhado pelos grandes meios de comunicação: “os meios de comunicação de massa eliminam do discurso as vozes dissonantes e exercem forte interferência sobre a opinião pública, subvertendo a verdade jornalística para atender interesses minoritários e restringindo, em vez de ampliar, a liberdade de expressão”.
A criminalização dos movimentos sociais e das lutas contra a destruição de direitos não se limita à violência policial. Ela é sistêmica, possui uma dimensão institucional e tem como objetivo atacar direitos constitucionalmente garantidos. A AJD assinala que, a partir de 2016, mais de cem ativistas sociais que lutavam pela causa dos direitos humanos foram mortos no Brasil, o que culminou com a execução da vereadora Marielle Franco, no Rio de Janeiro, há quase 30 dias. Outros inúmeros militantes de direitos humanos, destaca ainda a associação, têm sido ameaçados de morte, como, por exemplo, o padre Júlio Lancelotti, coordenador da Pastoral do Povo de Rua de São Paulo. Além da repressão, das mortes e das ameaças, há iniciativas institucionais na direção da criminalização.
No ano passado, o deputado federal Jerônimo Goergen (PP-RS), propôs que os protestos organizados por movimentos sociais fossem igualados a “atos terroristas”. Esse projeto está tramitando hoje no Congresso Nacional, que tem uma ampla maioria conservadora.
O Supremo Tribunal Federal, sustenta a Associação Juízes para a Democracia, que deveria ser o guardião da Constituição Federal, passou a realizar julgamentos modificando entendimentos jurisprudenciais consagrados para atingir (ou não!) determinados atores políticos”. “De outro lado, juízes com posicionamentos ideológicos divergentes do campo político majoritário são perseguidos e sofrem procedimentos administrativos com vistas à punição”, denuncia.
Considerando esse conjunto de eventos e processos, a nota da AJD denuncia que “a ruptura do Estado Democrático de Direito no Brasil já é uma realidade, aprofundando-se a cada dia e ampliando os termos da violação cotidiana à Constituição e às liberdades cidadãs”.