Foto: Igor Sperotto
A Usina do Gasômetro, um complexo de teatros, salas de ensaio, cinema e áreas expositivas, além de livraria e café, fechou as portas no ano passado à espera de uma reforma que não começou. O Teatro de Câmara Túlio Piva, um dos espaços mais representativos da cena teatral de Porto Alegre, foi interditado há quatro anos devido ao risco de desabamento. A reforma prometida, assim como na Usina do Gasômetro, nunca começou. O Theatro São Pedro, que durante décadas manteve um memorial e um serviço de visitação, atualmente abre apenas em dias de espetáculo, 2 horas antes de cada sessão. Nem o café existe mais.
Espaços privados também estão fechados. O Teatro do IPE, espaço com 200 lugares na região central de Porto Alegre, fechou há uma década e não há perspectiva nenhuma de reabertura. O Teatro DC Navegantes, que resistiu 18 anos sob o comando da companhia Teatro Novo num shopping de Porto Alegre, encerrou suas atividades em dezembro passado.
A crise nos teatros de Porto Alegre – sejam eles de controle estadual ou municipal e de caráter privado – veio para ficar. E não parece ser mera coincidência: uma passada rápida pelos endereços mais conhecidos em Porto Alegre mostra que os espaços privados, com poucas exceções, estão funcionando regularmente, ainda que com uma programação intermitente e voltada para grandes espetáculos de teatro e música. Os teatros públicos, ao contrário, estão majoritariamente sucateados, quando não fechados.
A situação mais dramática é do icônico Teatro de Câmara, na Rua da República, que precisa ser posto abaixo e refeito completamente – um laudo da prefeitura indicou afundamento dos pilares de sustentação. Inaugurado em 1970, reformado e reinaugurado em 1999 e também em 2006, o teatro de 215 lugares quase desabou em 2012 durante um espetáculo do 19º Porto Alegre Em Cena devido à chuva. Parte do teto não resistiu. Desde então, passou a funcionar de forma precária até que em maio de 2014 houve a interdição. O projeto de reconstrução já existe, mas aguarda a captação de R$ 4 milhões para que a obra saia do papel.
O teatro, segundo a administração municipal, deveria ter sido reaberto em fevereiro de 2016. Uma nova data foi estipulada para o final de 2017, o que não se concretizou. Logo se jogou a data para este ano, mas em maio as obras sequer começaram – o que torna a retomada das atividades ainda em 2018 impossível. O projeto foi feito no âmbito da Secretaria Municipal de Obras e Viação prevendo, além do reforço estrutural, acessibilidade e adequação às normas de segurança contra incêndio.
Foto: Divulgação
“NÃO PISE” – Outros espaços cênicos da capital estão em más ou péssimas condições de uso. As duas salas do Centro Municipal de Cultura Lupicínio Rodrigues – Teatro Renascença e Sala Álvaro Moreyra – enfrentam sérios problemas de manutenção: o palco e a plateia da Álvaro Moreyra têm buracos causados pela ação dos cupins, além de um dos dois banheiros dos camarins estar interditado. O acesso à área técnica, além disso, tem fitas sinalizadoras de locais onde o piso pode ceder. Há indicações de “não pise”. No Renascença, o ar-condicionado funciona de forma precária e os banheiros dos camarins não têm pias. O café não funciona há quase um ano.
O ator Fernando Waschburguer, que recentemente fez uma temporada de nove apresentações com a peça Palco Babylonia na Sala Álvaro Moreyra, relata que a situação é dramática. “Não há investimento, nenhum interesse da prefeitura em manter o espaço em boas condições. Uma reforma no palco da sala Álvaro Moreyra não representaria um custo alto, mas a impressão que ficou é de que há interesse em sucatear os teatros para depois cedê-los à iniciativa privada”, opina o ator. Além de oferecer condições precárias de exibição, inclusive com risco à integridade física dos artistas, as más condições dos espaços afastam o público dos teatros.
Waschburger faz uma comparação com o Teatro da Santa Casa, mantido com recursos privados e que tem características semelhantes aos espaços do Centro Municipal de Cultura Lupicínio Rodrigues: o preço para uma temporada de oito apresentações é quase dez vezes maior. “Para os grupos da cidade, é um risco muito grande investir num espetáculo com um custo de apresentação tão alto”, argumenta.
“Estamos abandonados”, diz o diretor Roberto Oliveira, que há mais de 20 anos é um dos coordenadores do Depósito de Teatro. Com o fechamento da Usina do Gasômetro, onde a companhia utilizava a sala 402 desde 2009, o grupo foi transferido para um local de difícil acesso. Resultado: menos 50% de público nas oficinas de teatro do Depósito, que garantem a manutenção do coletivo.
O Teatro do IPE, que abriu em 1972 com a transferência do Instituto de Previdência do Estado para o prédio atual, também não tem perspectivas de reabertura. O local precisa ser reformado e reestruturado e, segundo a Secretaria de Administração, não há possibilidade de o Estado financiar qualquer projeto sem parceria com a iniciativa privada.
Os espaços cênicos da Casa de Cultura Mario Quintana – teatros Bruno Kiefer e Carlos Carvalho – ficaram com suas atividades suspensas por mais de seis meses em função de reformas. Além da restauração de todo o maquinário cênico da sala Bruno Kiefer, a maior do centro cultural, o espaço teve pintura, reforma da reserva técnica e troca do sistema acústico. Já a sala Carlos Carvalho recebeu novos equipamentos de som e iluminação. As melhorias só foram possíveis, entretanto, com parcerias privadas mediadas pela Associação de Amigos da Casa de Cultura Mario Quintana (AACCMQ).
“A prioridade era revitalizar um espaço cultural nobre, e a forma de fazer isso foi envolver empresas fornecedoras em troca de publicidade”, diz a presidente da AACCQM, Liana Zogbi. Os teatros foram reabertos no segundo semestre de 2017.
Foto: Luciano Lanes/ PMPA/ Divulgação
O secretário de Cultura Luciano Alabarse tem uma visão otimista em relação à cena teatral de Porto Alegre. Diretor, autor, curador do Porto Alegre Em Cena, um dos mais importantes festivais do país, Luciano diz que a reforma da Usina está andando “a pleno” com financiamento de US$ 3 milhões (cerca de R$ 11 milhões em valores atuais) obtido junto à Cooperação Andina de Fomento (CAF).
“O valor previsto é suficiente para readequar o espaço cultural, projetando, para 2019, a finalização das obras com o Teatro Elis Regina aberto”, afirma o secretário. Segundo ele, não adianta iniciar uma obra de grandes proporções e parar na metade por falta de recursos.
Sobre o Teatro de Câmara, a fase, segundo Luciano Alabarse, é de “captação de recursos”. De acordo com o secretário, a reconstrução do prédio é prioridade absoluta da sua gestão. A Secretaria Estadual de Cultura não respondeu aos pedidos de entrevista.