MOVIMENTO

Governo e servidores medem forças

Defasagem salarial do funcionalismo federal causada por falta de previsão orçamentária em sucessivas votações do Congresso Nacional resultou em uma queda de braço histórica.
Por Janine Souza / Publicado em 7 de setembro de 2012
Em reunião com secretário que termina sem proposta, servidores revoltados são retirados do prédio pela polícia

Foto: Marcello Casal Jr./ABr

Em reunião com secretário que termina sem proposta, servidores revoltados são retirados do prédio pela polícia

Foto: Marcello Casal Jr./ABr

A o promoverem uma greve considerada histórica pela categoria, os servidores federais travaram uma batalha com o Palácio do Planalto que ultrapassou as bases sindicais, ganhando o país. O movimento, iniciado em maio, quando professores universitários cruzaram os braços, afetou setores estratégicos da economia, alterou a rotina dos cidadãos e deixou claro o papel do servidor para o andamento desta engrenagem. A situação vinha sendo anunciada há mais de uma década, quando a concessão de reajustes isolados e a criação de dezenas de tabelas de remuneração fizeram disparar a diferenciação salarial entre as carreiras nos três poderes e no Ministério Público da União. Hoje, segundo cálculos da Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef), em alguns casos, a defasagem entre as categorias chega a 120%. A proposta do governo só chegou há uma semana do prazo final para encaminhar o projeto de lei orçamentária da previsão de gastos para 2013 ao Congresso Nacional. A proposição foi aceita com ressalvas pelos trabalhadores, mas considerada um avanço a caminho da redução dessas lacunas. O reajuste acordado engloba o contracheque de cerca de 510 mil servidores, entre ativos e inativos, distribuídos em 18 órgãos, que receberão aumentos entre 14,29% e 37,05% até 2015, com impacto de R$ 3,9 bilhões nas contas públicas. Já os agentes da Polícia Federal, servidores do Incra, do Ministério do Desenvolvimento Agrário, e advogados e defensores públicos federais não aderiram ao acordo. “Quem decidiu não assinar, nós só voltamos a discutir no ano que vem e o impacto ficará para 2014”, ressaltou o secretário de Relações de Trabalho do Ministério do Planejamento, Sérgio Mendonça. Cálculos da Condsef apontam que 370 mil servidores de 30 setores se uniram à greve, entre eles, professores universitários, auditores, policiais, fiscais aduaneiros, analistas e técnicos de autarquias como Incra, Anvisa, Funai, Ibama e Funasa. Os cidadãos encontraram dificuldades na emissão de documentos, no embarque em aeroportos, no atendimento em áreas da Saúde e com bloqueios e congestionamentos em estradas. Para neutralizar os grevistas, o Planalto recorreu ao corte de pontos e emitiu o Decreto 7.777/2012, que previu a substituição dos servidores por funcionários dos estados e municípios. Ao protelar as negociações, a presidente Dilma Rousseff foi criticada pelas bases sindicais. “Essa postura é uma demonstração clara de uma política atrasada e ortodoxa, como a que fez Fernando Henrique Cardoso. Não visa o fortalecimento do Estado. O exemplo de FHC mostrou que o país caiu em uma recessão jamais vista”, avalia o secretário-geral da Condsef, José Milton Costa. A confederação e outras entidades de classe ingressaram na Justiça contra o decreto, requerendo a sua inconstitucionalidade.

PAUTA – Os servidores reivindicavam a equiparação salarial para cerca de 500 mil funcionários de 18 setores com relação a cinco carreiras de nível superior do Executivo amparadas pela Lei 12.277/10, por serem consideradas mais estratégicas (economia, engenharia, arquitetura, estatística e biologia). Mas o pedido não foi analisado na negociação. Atualmente, a média salarial do servidor público do Executivo é de R$ 4 mil. Apenas 6.158 − dos 582 mil que atuam nesse poder − recebem salário diferenciado, que variam de R$ 5 mil a R$ 10 mil.

Lei não é cumprida

No RS, 12 órgãos aderiram à greve. O secretário-geral do SindSerf/RS, Marizar Mansilha de Melo, explica que o funcionalismo não tem data-base para negociação salarial, mas que a Emenda Constitucional n° 19/98 determinou que o governo enviasse ao Legislativo projeto de lei anual tratando da reposição das perdas da inflação dos últimos 12 meses. “Isso nunca foi cumprido. O que se fez foi a criação de uma série de tabelas salariais para diferentes carreiras e a concessão de gratificações e incorporações aos vencimentos. Os reajustes subsequentes ocorreram em cima desses benefícios, aumentando assim a disparidade entre os setores do funcionalismo”, diz o sindicalista.

O economista do Dieese, Max Leno de Almeida, aponta que este é um desafio a ser superado: “Há um conjunto imenso de tabelas salariais para essas categorias, especialmente no âmbito do poder Executivo. Alguns desses documentos, elaborados pelo Ministério do Planejamento, têm mais de 500 páginas”. Segundo a Condsef, existem mais de 60 tabelas que remuneram as carreiras federais.

O governo resistiu às negociações, temendo os efeitos da crise econômica mundial. O foco é lançar pacotes de incentivos à iniciativa privada. “Este é um país que tem de ser feito para a maioria de seus habitantes. Não pode ser feito só para uma parte deles. O que o meu governo vai fazer é assegurar empregos para aquela parte da população que é a mais frágil, que não tem direito à estabilidade”, disse Dilma, ao enfrentar as vaias dos servidores durante o lançamento de um programa federal, em MG.

Distanciamento entre governo e funcionalismo tem consequências

Servidores federais fazem manifestação em Brasília por reposição das perdas acumuladas

Foto: Igor Sperotto

Servidores federais fazem manifestação em Brasília por reposição das perdas acumuladas

Foto: Igor Sperotto

Para a cientista política Arlete de Arruda, a presidente coloca em risco o alcance de suas metas.
“Esse distanciamento entre ela e o funcionalismo vai dificultara execução dos planos estratégicos do governo. Dilma está esquecendo que na hora de desenvolver as políticas públicas que colocam o Estado em ação, ela precisa dos servidores. Se você tem um grupo do funcionalismo confiante, ele provavelmente vai ter mais disposição para a máquina do Estado funcionar”. DECRESCENTE − Em 2009, as despesas dos três poderes e do MPU representaram 36,04% da Receita Corrente Líquida (RCL). Dois anos depois caíram para 33,65%, conforme dados do Tesouro Nacional. A queda também é verificada em relação ao Produto Interno Bruto. Em 2010, o destinado ao gasto com recursos humanos foi de 4,42% do PIB, caindo para 4,37% em 2011.

No ano passado, a despesa prevista com pessoal para 2012 foi mantida a mesma. “Os números do Tesouro Nacional apontam que no último ano de Lula na presidência, a RCL da União cresceu 21,3%, e o gasto com pessoal teve aumento real de 4,5%. No ano seguinte, a RCL despencou, aumentando 8,9% e o gasto com pessoal, apenas 1%”, diz o especialista em Finanças Públicas, Darcy Cavalheiro dos Santos.
Já a cientista política alerta para o fato de o salário real dos servidores vir decrescendo: “Por isso, a reivindicação dos trabalhadores deve ser avaliada com base nos salários reais e no seu poder de compra, cada vez mais comprometido. Os salários nominais parecem adequados, por estarem acima da média do trabalhador do setor privado, o que passa uma falsa ideia à população”.

A Condsef garante que a mobilização vai continuar. “Acreditamos que o cenário de crise, alegado pelo governo como dificultador do processo de negociações, não durará para sempre”, destaca Josemilton Costa, secretário-geral da entidade. “Num cenário econômico mais propício é possível, sim, alcançar as melhorias de que o setor público tanto necessita para assegurar atendimento público de qualidade à população brasileira. Para isso, nossa categoria continuará permanentemente alerta. A luta por dias melhores continua”, concluiu ele.

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