O duelo ainda é entre PSDB e PT
Foto: Alex Silva/Divulgação
Foto: Alex Silva/Divulgação
Em meio a uma das mais graves crises políticas do país, o cientista político Alberto Carlos Almeida não tem medo de arriscar. Ele não acredita em candidato outsider ou antiestablishment, relativiza a influência das forças das redes sociais na campanha e sustenta que, mais uma vez, a disputa pela presidência da República deverá ser entre PT e PSDB. Esse, aliás, é o tema central de seu mais novo livro, editado em português e inglês, O Voto do brasileiro (Record). Doutor em Ciência Política e autor do best-seller A cabeça do brasileiro, Almeida é um dos mais respeitados pesquisadores em política. Econômico com as palavras, lacônico nas respostas, ele recorre com frequência aos dados tabulados das pesquisas para embasar seus pontos de vista. Sócio das agências de pesquisas Brasilis e Inteligov, especializadas em auferir comportamentos e tendências a grandes empresas, instituições financeiras e universidades, ele afirma nesta entrevista ao Extra Classe que o comportamento do eleitor brasileiro é previsível a ponto de antever uma reviravolta na campanha eleitoral, a polarização no segundo turno e a retomada do protagonismo do Partido dos Trabalhadores na cena política. “Se olharmos o cenário traçado pelas pesquisas nacionais, isso é indiscutível”, aposta.
Extra Classe – Em seu livro O voto do brasileiro o senhor pretende demonstrar que as eleições no Brasil, do ponto de vista do comportamento dos eleitores, nada devem às eleições nacionais de países como Alemanha, Espanha e Reino Unido e que são até previsíveis. Em tempos de Donald Trump, eleito contra todas as previsões, afirmar isso não é um pouco arriscado?
Alberto Carlos Almeida – Exatamente. Nossas eleições são previsíveis. Agora, olha só, até o Trump entra na minha análise. Você, na sua pergunta, está falando da pessoa e eu estou falando dos partidos. Então, o Trump entra também na minha abordagem. Ele não é nada de excepcional. Nos Estados Unidos a disputa eleitoral ocorre sempre entre o partido Republicano e o partido Democrata. Quem ganhou a eleição foi o partido Republicano. É como se você tivesse no Brasil o Bolsonaro dentro do PSDB. Não é o caso, mas é como se fosse isto.
EC – Mas no caso do Trump, desde o início ele foi vencendo todas as expectativas dentro do próprio Partido Republicano e acabou eleito contra todas as previsões.
Almeida – Nos Estados Unidos existem as primárias, então, o que acontece: a mesma primária que permitiu a renovação dos Democratas com a escolha anteriormente do Obama – porque o Obama foi contra o establishment do partido – permitiu nesse aspecto a renovação, não deixa de ser (risos), do partido Republicano. A primária tira, ela diminui digamos assim, o controle da burocracia partidária, do establishment partidário. O establishment partidário é poderoso? É! Mas ele não ganha todas. Não ganhou com o Obama e não ganhou com o Trump. Ambos, por conta de terem muitos recursos financeiros pra vencer as primárias; o Obama por meio da arrecadação de sucesso, o símbolo que ele era, e o Trump pelo dinheiro pessoal que ele colocou na campanha. Eles chegaram à presidência por caminhos diferentes, mas o Trump não contradiz de modo algum o meu argumento. Continua organizada a disputa nos Estados Unidos entre dois polos: Democratas e Republicanos.
EC – Ao contrário da avaliação de muitos analistas o senhor afirma que novamente veremos na eleição presidencial brasileira a polarização entre PT e PSDB. Por quê?
Almeida – As pessoas só estão olhando as redes sociais trabalhando em benefício do Bolsonaro. Mas elas já vêm trabalhando em malefício dele (risos). Eu vou lhe dizer como: se você pegar as duas últimas pesquisas do Datafolha, a rejeição do Bolsonaro subiu de 32% para 39%. Por que isso ocorreu? Provavelmente por conta de muitas razões, sendo uma delas, as redes sociais.
EC – Mas é inegável que ele se construiu nas redes, não?
Almeida – Sim e provavelmente pode ser desconstruído por elas. É nesse aspecto que eu chamei a atenção para o aumento da rejeição. Não tem televisão, não tem nada, e aumentou a rejeição. Ou melhor, o que aconteceu nesse período? Ele foi à televisão, a debates e entrevistas e tudo repercutiu nas redes sociais. Como explicar um aumento de rejeição de 7% em tão pouco tempo?
EC – Continuando no seu prognóstico de que existe a polarização entre centro-esquerda e centro-direita, os professores Cesar Zucco (Ebape-FGV-Rio) e David Samuels (Universidade de Minnesota) estão publicando um livro que trata do comportamento do eleitor brasileiro (Partisans, nonpartisans and antipartisans: Voting behavior in Brazil), no qual afirmam que a recente queda do PT não significou um aumento da preferência pelo PMDB ou pelo PSDB. Em resumo, para eles ainda vota-se pró-PT ou antiPT. Qual a sua opinião?
Almeida – Conheço muito bem o Zucco e jantei com o David semanas atrás, quando ele estava no Brasil divulgando o trabalho dos dois. Um trabalho muito bom. Mas quem é o antipetista? Até agora vem sendo o PSDB. O Bolsonaro deu uma deslocada nisso aí, mas tem toda uma campanha pela frente. Olha, vou te dizer, no dia 19 de setembro de 2014 a Marina tinha 30% e o Aécio, 17%, ali na cara do gol da eleição. E mudou!
EC – Após ter tido uma grande derrota nas eleições de 2016, você acredita que o PT retoma o protagonismo?
Almeida – Já retomou. Olha o que está acontecendo agora. Se olharmos o cenário traçado pelas pesquisas nacionais, no qual o Lula lidera e deve transferir uma parte imensa dos seus votos para o Haddad. Isso é indiscutível. E tem pesquisa estadual que mostra que o PT e seus aliados lideram em sete estados do Nordeste. No Senado todo mundo previa que a bancada do PT ia desaparecer e nós vemos candidatos do PT aí em primeiro e segundo em vários estados. Então, não é só a eleição pra presidente, não!
EC – E em relação à composição da Câmara dos Deputados?
Almeida – O Senado tem uma visibilidade maior. A gente vê porque é uma eleição majoritária. A Câmara já se torna um pouco mais imprevisível, mas pega um exemplo: Aquela Marília Arraes, que iria ser candidata do PT ao governo de Pernambuco será candidata a deputada federal. Ela vai eleger um bocado de gente junto. A gente não sabe outras coisas que estão acontecendo e que podem surpreender. Eleição de deputado, como disse, é muito mais difícil de se detectar.
“Se no senso comum todos os políticos, na minha visão, são corruptos,
porque só um está preso e não pode disputar a eleição”
Foto: Acervo Pessoal
Foto: Acervo Pessoal
EC – Qual a possibilidade de termos uma Câmara mais conservadora?
Almeida – A gente está vendo as evidências. Cerca de 90% dos deputados vão disputar a reeleição. Esses deputados vão ter acesso ao fundo partidário e ao fundo eleitoral. Os novos não vão ter. Os novos que eu digo são os que não têm mandato, mas também vai ter muita gente que vai conseguir ser eleito pra deputado federal que vêm de mandatos estaduais e prefeitos. Ou seja, todo mundo de dentro do sistema. Nesse sentido, não é um achômetro. Os analistas estão olhando isto.
EC – Por que outsiders como Luciano Huck, que no ano passado eram uma aposta, não vingaram?
Almeida – Veja só a dificuldade de um Luciano Huck, por exemplo, de um Joaquim Barbosa. Se falou, se falou e os caras perceberam as dificuldades, que são imensas. Porque o sistema tem uma inércia. E isso não é só aqui, em todo lugar é assim, o sistema é conservador. Na Grã-Bretanha, o primeiro-ministro define a data da eleição. Ele vê lá quando está mais popular e define, dentro de certos limites, mas define. Na França, eleito o presidente, um ou dois meses depois tem eleição para deputado. O cara está em lua de mel, é uma covardia completa. Nos Estados Unidos, o candidato a presidente tem que registrar a sua candidatura em cada estado do país e isso tem um custo brutal, só os dois partidos conseguem. Os sistemas em todos os lugares são conservadores. É um petroleiro, não é uma lancha. É difícil de mudar a direção.
EC – A que o senhor atribui esse conservadorismo do sistema?
Almeida – É uma tendência natural da sociedade. Você vê isto nas empresas. Há quanto tempo a Ford fabrica automóveis? A nossa própria vida: você já trocou todo o conjunto de amigos? Você pode trocar lentamente, mas não da noite para o dia. O ser humano é assim. O conservadorismo nesse aspecto é, até de certa forma, necessário. Uma condição humana.
EC – Por que Lula é o candidato antiestablishment, como o senhor escreveu recentemente?
Almeida – Olha, quando eu escrevi esse artigo, vou te dizer que na realidade eu queria fazer uma provocação com um jogo de palavras, de expressões. Se o antiestablishment existir, é o Lula, não é? (risos). Foi na realidade mais uma brincadeira.
“Proporcionalmente, pobres votam na centro-esquerda e não pobres na centro-direita, mas vai ter pobre votando na direita e rico na esquerda”
EC – Uma brincadeira, mas com uma grande pitada de seriedade, não?
Almeida – Como disse, foi uma provocação. Estou dizendo “a é?” porque o próprio establishment, pelo menos um segmento grande dele, resolveu, tentou ou está tentando alijar Lula da disputa eleitoral. Melhor, está tentando com sucesso.
EC – Ele está sendo perseguido?
Almeida – Eu não gosto de usar essa terminologia. Gosto de dizer o seguinte: se no senso comum todos os políticos, na minha visão, são corruptos, porque só um está preso e não pode disputar a eleição?
EC – Seria importante a presença de Lula formalmente no processo eleitoral?
Almeida – Sem dúvidas. Uma determinada elite, na verdade uma elite jurídica, de primeira, segunda e terceira instâncias, que é o Supremo, mais o TSE, decidiram tirar o Lula da disputa. O problema é que ele é só o candidato da preferência da maioria da população. Como vivemos em uma democracia, é uma confusão tremenda.
EC – Haverá um custo alto pelo alijamento de Lula nas eleições?
Almeida – Sim se o eleito não for do PT. Não tenho a menor dúvida.
EC – O chamado plano B do PT, Fernando Haddad, tem força para vencer a eleição presidencial?
Almeida – O PT é o favorito, mas o favorito pode perder. Não significa 100% de chances, mas 70%.
EC – Muitos acreditam que a aposta na transferência de votos é arriscada. Concorda?
Almeida – Não! Tem tempo. Isto acontece em dez dias. Olha, pega aí o Aécio na eleição passada. Ele empatou com a Marina na quinta-feira, três dias antes da eleição, e a distância que ele abriu na urna foi de 12 pontos. Quer dizer, em três dias ele abriu 12 pontos!
EC – Mas dizem que o grande desafio é tornar conhecido o nome do plano B. Não sei se é brincadeira ou não, mas dizem que muitos falam de Haddad como “Andrade” no Nordeste…
Almeida – No Nordeste, no Rio de Janeiro, mas o cara chega lá (segundo turno) com o nome de “Andrade” ou outro. Isso é o de menos. O grande fenômeno continua sendo Lula.
EC – No livro O voto do brasileiro, o senhor refere que há um padrão de eleitores mais pobres com tendência a votar na centro-esquerda e de renda mais privilegiada votarem na centro-direita. Como entender nessa polarização entre ‘pobre de direita’ e ‘esquerda caviar’?
Almeida – Isso sempre vai ter. Como eu falei antes, na análise nunca se fala em 100%. Proporcionalmente, os pobres votam mais na centro-esquerda e proporcionalmente os não pobres votam mais na centro-direita. Mas vai ter pobre que vai votar na direita, vai ter rico que vai votar na esquerda (risos). Não existe um bloco monolítico, é um percentual menor em um universo analisado. Faz parte. Qual o problema? Em todo o lugar tem isso. Você pega os mapas eleitorais de outros países e você vai encontrar isso. E até encontra mais, porque as sociedades são menos desiguais.
EC – Por que a influência do voto religioso deve ser relativizada?
Almeida – Não tem tanto a influência o voto religioso para a presidência. Tem alguma coisa? Tem, tem, mas não é determinante na eleição. Já para a Câmara e assembleias legislativas, aí é voto proporcional. No voto proporcional esses caras mobilizam as igrejas naturalmente. É o que acontece. Você tem lá um conjunto de igrejas que tem os seus candidatos e a campanha circula por ali, recursos, os próprios frequentadores, os fiéis.
Imagem: Reprodução
Você precisa de gente na campanha. O voto é na pessoa e quanto mais gente você tiver do seu lado, fazendo campanha, melhor. As igrejas são capazes dessa mobilização. Mas, digo uma coisa, os evangélicos não vão ficar o tempo todo em um bloco monolítico. Talvez em algum momento surja uma divisão.
EC – Um brasileiro editar um livro bilíngue em português-inglês pressupõe que o mundo está olhando para o Brasil?
Almeida – Claro que olha! O Brasil é um país muito grande, tem um PIB imenso, não é um país rico porque o medidor seria o PIB per capita, mas é um país cujo volume de riquezas é muito grande. Não tem como os investidores ignorarem o Brasil. Ele tem influência em toda a região. É muito difícil uma empresa que queira atuar na América do Sul ignorar nosso país.