Foto: Igor Sperotto
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A Fase-RS cresce mais de 57% em quatro anos. Justificativa são crimes graves e endurecimento do Ministério Público e Judiciário nas sentenças. O Rio Grande do Sul abriga hoje uma massa carcerária superior aos 40 mil presos para um déficit de 11 mil vagas. Pra piorar, outros 10 mil condenados aguardam entrada nos presídios gaúchos. Cenário que explica a “sensação de insegurança” e o enxugamento de gelo vivido pelas polícias. Outro ingrediente a essa panela de pressão envolve as medidas direcionadas a adolescentes e jovens infratores. Dados da Fundação de Assistência Sócio Educativa (Fase-RS) revelam que em quatro anos o crescimento das internações subiu mais de 57%. Até agosto passado 1.345 adolescentes e jovens estavam internos nas 23 unidades da Fase-RS. Número 163% superior às 765 vagas de internação e 192 de semiliberdade ofertadas. Desses, 43,7% respondem por condenações de roubo e outros 18,6% por homicídio
Juíz do Centro Integrado de Atendimento à Criança e ao Adolescente (Ciaca), em Porto Alegre, Ângelo Furian Pontes entende que a alta tem razão na expansão do tráfico de drogas, com os adolescentes assumindo posições de comando e destaque nessas organizações criminosas e praticando crimes brutais. Fatos que determinariam o endurecimento das medidas. Pontes defende a ampliação do tempo da medida. “Antes de trabalhar a redução da maioridade poderia se trabalhar o prazo de internação, hoje de até três anos. Pela natureza hedionda dos atos infracionais que se tem verificado, como esquartejamento de pessoas, de brutalidade e desumanidade, de torpeza e crueldade extremas. O prazo de internação é muito reduzido, mas precisa de um recrudescimento do Legislativo”, frisa. E sugere: “Que tenhamos um parâmetro no Código Penal. No homicídio simples a pena mínima é de seis anos. Ao invés de seis anos de pena que seja de internação na Fase”. Rigidez a determinados casos. “Estamos falando de fatos graves como homicídios, latrocínios, quando a vítima é exposta à violência e grave ameaça. Não se trata então de generalizar e essa rigidez penal abarcar a todos”, pondera. Esclarece que o alargamento na condenação visa também impedir o ingresso da “gurizada” no falido sistema prisional. “Que está lotado e em muitos casos descontrolado. Levar o jovem pra esse sistema será pior porque daí sim ele ficará dependente das facções, ao passo que nas unidades da Fase ainda há um controle estatal”, destaca. O outro vetor defendido pelo juiz é que o ensino se torne obrigatório também no contraturno.
O filtro na Central de Vagas
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Se há ainda um controle dentro dos muros da Fase-RS a instituição quer ampliá-lo no projeto Central de Vagas, para ingresso por meio de critérios únicos. “Quando tu quisesse internar o adolescente tu lançaria essa situação num sistema. Que nem fosse conseguir uma vaga para hospital no SUS. Aplicaria para aquele menino os critérios pra determinar se ele tem o perfil penal agravado ou não”, explica Robson Zinn. Modelo já existente em São Paulo e que afastaria a subjetividade das decisões judiciais. “Pro juiz lá em Cacimbinhas tu fumar maconha na praça é complicado. Mas isso não é delito que deveria determinar a internação. Nós tivemos adolescentes internados por furtar doce em supermercado. E daí tu termina envolvendo um adolescente sem perfil penal agravado com 70% que tem esse perfil. Não se trata de controle, mas de critérios únicos”, argumenta Zinn. Para Ângelo Furian Pontes essa gerência não cabe à Fase-RS. “Seria um aviltamento da atividade jurisdicional submeter o controle da decisão judicial de internação à autoridade administrativa. Se fosse assim o administrador exorbitaria na sua atividade. A previsão legal é o Judiciário ouvir o adolescente, colher a prova, as circunstâncias do caso, saber do controle familiar e da drogadição para fundamentar sua decisão”, frisa Pontes. Zinn rebate: “Quando o juiz interna na Fase ele esquece da obrigação de fomentar a rede, onde tem a Liberdade Assistida (LA) e a Prestação de Serviço à Comunidade (PSC). O menino que comete um delito sem perfil penal agravado deve receber medida que não seja a internação, ou a LA ou a PSC. Mas pra isso precisa ter uma rede de atendimento a esse menino vinculada às prefeituras. E aí entra o papel do juiz e do promotor, de entrar com Ação Civil Pública e de envolver o município. Mas é mais fácil internar na Fase”, desabafa Zinn.
JUSTIFICATIVA – Por meio de sua assessoria de imprensa, o Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP-RS) afirma que a atuação dos promotores e procuradores de Justiça em todas as áreas está baseada na lei. “O crescimento no número de internos nas unidades da Fase se deve ao aumento da criminalidade e da gravidade dos atos infracionais cometidos”, afirma. Justifica ainda que “todas as medidas socioeducativas são apresentadas ao Judiciário para que este, como Poder responsável, possa determinar ou não sua aplicação”.
Falta de previsibilidade e perspectivas
Foto: Igor Sperotto
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Integrante da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RS), Rodrigo Puggina entende a questão como alarmante. Ilustra que no estado houve esse lapso também no sistema adulto, que saltou de 30 para 40 mil presos em quatro anos. “O orçamento público não acompanhou esses aumentos e em regra não acompanha. Há um encarceramento maciço. É preocupante pela ausência de políticas públicas voltadas à juventude, tanto antes quanto depois do cumprimento da medida”, lamenta. Observa que a cada seis meses o adolescente infrator é reavaliado e a maioria afirma querer parar de cometer crimes. Momento, afirma Puggina, onde se escancara um gargalo público. “Há uma descontinuidade completa ou falta mínima de previsibilidade de programas de prevenção no estado e municípios, que permita a ele fugir desse contexto de violência que está inserido. Nessas comunidades o mundo é tão limitado ao bairro deles que fica difícil mudar essa perspectiva de vida. E essa falta de perspectivas vem de antes do crime, onde esse jovem não vê mais sentido no estudo”, contextualiza. Problema que se agrava pela ausência de medidas em meio aberto aos adolescentes. “Muitos não precisavam estar dentro da Fase, porque muitas vezes é um crime cometido sem grave ameaça. Não há uma medida de caráter pedagógico. O Estado não consegue implementar ou fazer com que os municípios o façam. O que faz o Judiciário optar pela internação em função da falta de opções e que gera uma resposta social muito ruim”, lamenta Puggina.
O exemplo de Novo Hamburgo
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Se a inexistência de programas de prevenção ao jovem que deixa a Fase-RS soa como alerta social, Novo Hamburgo, na grande Porto Alegre, é uma exceção. Usando de convênio com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) a Prefeitura criou o Programa de Desenvolvimento Municipal Integrado (PDMI). Nele, sete projetos são desenvolvidos no eixo Prevenção à Violência, em investimento superior a 1 milhão de dólares. Cinco deles nos bairros Santo Afonso, Boa Saúde, Canudos e Diehl, de altos indicadores criminais. São diversas oficinas de esporte, lazer, cultura, justiça restaurativa, padaria, manicure, entre outras. A perspectiva é atingir até abril de 2019 um público de 4 mil pessoas. Duas das oficinas (capoeira e hip hop) realizadas de forma inédita com o Estado, dentro da Case-NH. “São ações que representam o nosso posicionamento para o futuro da cidade. Estamos buscando atacar a violência e o crime no seu nascedouro, numa ação de médio a longo prazo. Dando oportunidade aos nossos adolescentes e jovens”, exalta a prefeita Fatima Daudt.
“Vou sair e ficar sereno”
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