Mudança arbitrária na formação de professores
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
No apagar das luzes, de forma impositiva e arbitrária, sem diálogo e negociação, o MEC apresentou ao Conselho Nacional de Educação (CNE), uma proposta de Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para Formação de Professores na Educação Básica. Desta forma, o governo Temer ficará marcado não somente pelos altos índices de impopularidade, por denúncias de corrupção e pelo isolamento político, mas, também, pelo desmonte e descontinuidade de políticas públicas e programas em desenvolvimento no campo da educação.
Nos últimos dias de governo, o MEC e o CNE, açodadamente, aprovaram e homologaram a atualização das Diretrizes e a BNCC para o Ensino Médio. A estratégia utilizada caracterizou-se pela ausência de participação da sociedade, a ausência de diálogo com a comunidade educacional e a interdição da possibilidade de negociação, rompendo uma histórica trajetória do Conselho Nacional. Estas mudanças no ensino médio completaram a reforma iniciada em 2016, com a edição da Medida Provisória (MP) nº 746, que foi transformada na Lei nº 13.415/2017, que alterou a LDB e desencadeou a implementação do “novo” ensino médio.
O conjunto de mudanças efetuado no ensino médio durante este período de governo ilegítimo, já foram objeto de análise, críticas e denúncias de vários educadores, pesquisadores, especialistas, entidades educacionais e científicas. Em síntese e na prática, a BNCC para o ensino médio definiu o conteúdo mínimo que será ensinado nessa etapa da educação básica em todas as escolas públicas e privadas do país. Há um forte risco de que o ensino médio seja desqualificado ainda mais devido à extinção de disciplinas nesta fase de formação dos jovens, que necessitam a oferta de disciplinas científicas como Física, Química, Biologia, Sociologia, História e outras para desenvolver uma base científica na sociedade brasileira.
Já a nova proposta de BNCC para Formação de Professores (BNCC-FP) surpreendeu a comunidade educacional e provocou reação imediata de entidades que atuam e pesquisam o tema da Formação de Professores. A Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (Anfope) e o Fórum Nacional de Diretores de Faculdades/Centros/ Departamentos de Educação ou Equivalentes das Universidades Públicas Brasileiras (Forumdir), entre outras várias entidades, vieram a público manifestar-se contra a proposta, denunciando que a mesma “não estabelece qualquer diálogo com as instituições formadoras, em especial com as faculdades de educação das Universidades públicas e com os programas de pós-graduação em educação, desprezando o conhecimento científico produzido no país sobre a formação dos professores e sobre a escola básica brasileira, assim como o faz com as entidades acadêmicas do campo educacional, as entidades representativas dos professores e estudantes”.
O fato da proposta de BNCC-FP não ter “sido apresentada e nem discutida com os professores, entidades, universidades, escolas e sindicatos quando do seu processo de elaboração, expressa seu caráter impositivo e arbitrário”, afirmam as entidades signatárias. Essa prática, de “imposição de propostas curriculares desvinculadas das demandas formativas de estudantes e professores e da realidade concreta da escola pública brasileira desconsidera a pluralidade de ideias e concepções pedagógicas, os avanços do conhecimento no campo educacional e a autonomia universitária corporificada nos seus projetos de formação e não estabelece o necessário diálogo com os principais atores da formação de professores, os professores e estudantes tanto dos cursos de licenciatura, dentre os quais se destaca a pedagogia, quanto da escola básica a que esta formação se destina” (Anfope e Forumdir).
Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Para o Ex-Ministro da Educação, Rossieli Soares, a proposta de base apresentada pelo MEC “pretende revisar as diretrizes dos cursos de pedagogia e das licenciaturas para colocar foco na prática da sala de aula, no conhecimento pedagógico do conteúdo e nas competências previstas na BNCC da Educação Básica”. A BNCC para formação de professores está estruturada com base em três pilares: conhecimento, que o professor deverá dominar os conteúdos e saber como ensiná-los; a prática, em que o professor deve planejar as ações de ensino que resultem na aprendizagem efetiva e, o engajamento, onde o professor se comprometa com seu próprio desenvolvimento profissional, com a aprendizagem dos estudantes e com o princípio de que todos são capazes de aprender. Já a Ex-Secretária de Educação Básica do MEC, Kátia Smole, justifica a proposta de mudança nos cursos de formação de professores dizendo que “hoje temos um currículo muito extenso e com pouco diálogo. São cursos muito teóricos com pouca abordagem didática.”
Porém, quando uma proposta de BNCC para Formação de Professores, que alega “pouco diálogo” na formação de profissionais, se contradiz negando o próprio diálogo, sem sequer ter sido apresentada e discutida com os próprios docentes do país, com instituições de ensino superior formadoras, para os pesquisadores e programas de pós graduação em educação (com nota máxima da Capes/MEC), não começa nada bem, pois desrespeita e desvaloriza ainda mais os professores. Ignorar o outro como interlocutor é negar sua existência.
A presente proposta de BNCC afirma estar ancorada em uma pretensa “visão sistêmica para a Formação de Professores, com foco na prática da sala de aula, conhecimento pedagógico do conteúdo, criatividade e inovação, através de uma formação integral de competências, habilidades e valores”. Também, propõe, para a Formação Inicial, novas Diretrizes Nacionais de Licenciaturas (as DCNFP vigentes foram aprovadas em 2016 e estão em implementação), Residência Pedagógica, Enade para Licenciaturas e Prova de Ingresso; e, para Formação Continuada, prevê Estágio Probatório, Plano de Carreira e Avaliação de desempenho ao longo da carreira.
Essa proposição deixa de abordar e enfrentar outros grandes desafios na formação e profissionalidade docente. O primeiro deles, no campo da formação inicial, ignora o fato de que 83% (Censo do Ensino Superior de 2017) das matrículas nos cursos de pedagogia estão nas instituições privadas e grande parte desta formação é feita à distância, impactando não somente na falta de professores, mas, fundamentalmente, na qualidade da formação dos docentes. E, no dia 31/12/2018, literalmente, no apagar das luzes, o MEC publicou Portaria de nº 1.428/2018, possibilitando a oferta de até 40% da carga horária nos cursos superiores na modalidade a distância. Dessa forma, atendeu reivindicação das instituições mercantis que atuam na educação superior e na precarização da formação docente do país.
Na proposta da BNCC para formação de professores da educação básica não existe nenhuma referência e abordagem sobre a precária infraestrutura de trabalho nas escolas, a dupla ou tripla jornada de trabalho com o exercício da docência em duas ou três instituições, a violência nas escolas, o não pagamento do Piso Salarial Profissional Nacional em vários Estados, o atraso e parcelamento de salários dos educadores, as contratações temporárias e emergenciais em expansão no país.
As metas 13, 14, 15, 16 e 17 do PNE, também, não foram contempladas nem incorporadas na BNCC. Estas metas, se implementadas, já asseguram, por uma lei nacional aprovada pelo Congresso em 2014: elevar a qualidade da educação mediante a ampliação de mestres e doutores do corpo docente em efetivo exercício; garantir política nacional de formação dos profissionais da educação; formar, até o último ano de vigência deste PNE, 50% dos professores que atuam na educação básica em curso de pós-graduação stricto ou lato sensu em sua área de atuação; valorizar os profissionais do magistério das redes públicas de educação básica de forma a equiparar seu rendimento médio ao dos demais profissionais com escolaridade equivalente, até o final do sexto ano de vigência deste PNE; assegurar, no prazo de dois anos, a existência de planos de carreira para os profissionais da educação básica e superior pública de todos os sistemas de ensino e, para o plano de carreira dos profissionais da educação básica pública, tomar como referência o piso salarial nacional profissional.
A questão central da formação de professores, em todo o mundo, centra-se na relação entre a formação e a profissão. Não se trata de insistir na ligação entre a teoria e prática ou a falta de engajamento. Esta dicotomia é pobre e estéril. Trata-se, isso sim, de compreender o modo como a formação deve estar ligada à profissão e vice-versa. O desenvolvimento profissional abrange todo o ciclo de vida docente, desde a formação inicial até à aposentadoria, o desenvolvimento profissional traduz uma ideia central para pensar os professores e a sua formação. Trata-se de compreender como se constrói uma identidade que é, ao mesmo tempo, individual e coletiva, desde o primeiro dia como estudante de uma licenciatura.
Cumprir as metas do PNE vigente; aperfeiçoar a Política Nacional de Formação existente; implementar as DCNFP aprovadas e homologas em 2016 (Resolução 02); interromper o ataque aos professores e as escolas; dialogar mais com universidades, entidades educacionais e científicas; ouvir os jovens estudantes e, conceber a educação como política de Estado, é o melhor caminho a trilhar. É preciso dizer não a proposta da BNCC para Formação dos Professores como está posta!
Gabriel Grabowski, filósofo, doutor em Educação, professor e pesquisador, integra a equipe de colunistas do Extra Classe desde janeiro de 2017. Escreve mensalmente sobre questões da dinâmica no meio educacional.