OPINIÃO

A conspiração da Lava-Jato da educação

Por Gabriel Grabowski / Publicado em 11 de março de 2019
Bolsonaro empossa Velez, indicado por Olavo de Carvalho, que comanda seus discípulos dos EUA, onde Moro, ainda juiz e hoje ministro, pariu o conceito de Lava-Jato

Foto: Valter Campanato Jr/ABr

Bolsonaro empossa Velez ao MEC, indicado por Olavo de Carvalho, que comanda seus discípulos dos EUA, onde Moro ainda juiz e hoje ministro pariu o conceito de Lava-Jato

Foto: Valter Campanato Jr/ABr

Sem ter apresentado, até o terceiro mês de mandato, nenhum projeto ou política consistente para melhorar a educação brasileira – apenas defendendo-se das manifestações desastrosas do Ministro da educação -, Bolsonaro anuncia, através das redes sociais, uma “lava-jato para a educação”, sob o pretexto  de que “há algo muito errado acontecendo” e, anuncia que mudará  “as diretrizes educacionais” para impedir o “avanço da fábrica de militantes políticos para formarmos cidadãos”.

De imediato precisamos nos perguntar o que, efetivamente, se pretende com estes anúncios: mais redução de investimentos na educação brasileira na contramão do que prevê o Plano Nacional de Educação (PNE)? Maior repasse de Fundos Públicos para os rentistas do capital financeiro? É uma caça às bruxas (gestores públicos, reitores e professores)? É mais uma tática de desviar o foco para não debatermos a ausência de projeto educacional e a fragilidade dos atuais gestores do MEC? Ou, ainda, trata-se de implementar a “universidade para uma elite” em detrimento do direito à educação para todos que a almejam?

Não pretendemos, neste texto, responder todas estas questões. Propomos que cada um busque informar-se e pensar sobre estas e outras questões que estão sendo lançadas. Porém, não podemos ignorar que está em curso um movimento e uma lógica que se caracteriza como um pensamento político fascista.  Um pensamento nacionalista e de extrema direita (como nos Estados Unidos, Turquia, Hungria, Polônia, Rússia e Índia), no que pese o contexto próprio de cada país.

Adotarei, neste texto, a denominação de Jason Stanley (professor de Filosofia da Universidade de Yale, que também lecionou em Oxford, Michigan, Cornell e Rutgers), de política fascista. “Fascismo” enquanto qualquer política ou pensamento de ultranacionalismo (religioso, étnico, cultural, educacional, científico) na qual a nação é representada por um líder autoritário que fala em seu nome.

Segundo Stanley, a política fascista inclui muitas estratégias diferentes: passado mítico, propaganda, anti-intelectualismo, combate a corrupção, irrealidade, hierarquia, vitimização, lei e ordem, ansiedade sexual, apelos à noção de pátria e desarticulação da união e do bem-estar público. Para tanto, tal política busca dividir uma população em “nós” e “eles” e, a medida que o medo cresce em relação a “eles”, “nós” passamos a representar tudo que é virtuoso, a moral nacional.

Me restringirei a refletir com o eleitor apenas duas destas estratégias do pensamento político fascista: o combate a corrupção – que é o suposto propósito da laja-jato da educação – e o anti-intelectualismo. As demais estratégias sugiro a Leitura dos livros de Janson Stenley (Como Funciona o Fascismo) e, de Steven Levitsky & Daniel Ziblatt (Como as Democracias Morrem).

Para o pensamento fascista, a corrupção consiste na pureza, e não da lei, e, geralmente, soa como denúncia de corrupção política, de Estado. Assim, no estágio seguinte, a política fascista ataca o Estado de direito e a democracia em nome do combate à corrupção, pretendendo proteger a liberdade e as liberdades individuais. Porém, estas liberdades dependem da opressão de alguns grupos. Segundo o filósofo Stanley, “mascarar a corrupção sob o disfarce de anticorrupção é uma estratégia marcante da propaganda fascista” e, “o que é bizarro, uma vez que os próprios políticos fascistas são invariavelmente muito mais corruptos do que aqueles que eles procuram suplantar e derrotar”. Políticos autoritários descrevem seus rivais como criminosos, subversivos, impatrióticos ou como ameaça à segurança nacional ou ao modo de vida existente.

Atribuir à corrupção a causa maior e genérica de todos os males da nação – da política à economia, da sociedade a cada indivíduo, da democracia à educação, da cultura ao carnaval -, é uma estratégia das elites e de governantes autoritários, para se apresentarem como salvadores da pátria e para escamotearem o enfrentamento de outras causas e temas mais relevantes que a própria corrupção, tais como: as  desigualdades sociais e econômicas, os baixos investimentos em educação, a organização do sistema político vigente, o financiamento das campanhas, as relações promíscuas das grandes empresas e do capital com o Estado, a baixa participação popular nos processos democráticos, configuração do judiciário e nomeação de juízes pelos governantes, meios de comunicação dominados por empresas familiares de péssimo conteúdo.

Em “21 lições para o século XXI”, Yuval Noah Harari (autor de Sapiens e Homo Deus), propõem um novo sentido para a educação no mundo atual, destacando que as pessoas precisam de capacidades para extrair um sentido das informações que recebem, precisam perceber a diferença entre o que é importante e o que não é, e acima de tudo, combinar muitos fragmentos de informações num amplo quadro do mundo, visto que estamos vivendo na era do hackeamento de humanos.

Na contramão deste pensamento do futuro de Yuval, na ideologia fascista, o objetivo da educação geral nas escolas e universidades é incutir orgulho do passado mítico, através de disciplinas que reforçam as normas hierárquicas e a tradição nacional. Nesta perspectiva, as escolas e universidades existem para doutrinar o orgulho nacional ou racial, transmitindo as gloriosas conquistas da raça (elite) dominante.

No clássico estilo da propaganda demagógica, a tática de atacar instituições que defendem a razão pública e o debate aberto ocorre sob o mando desses mesmos ideais. Dentro das universidades, os “políticos fascistas visam professores que consideram demasiadamente politizados, geralmente demasiados marxistas, e denunciam áreas inteiras de estudo” (Stanley, p.54). Escolas e universidades são denunciadas como fontes de “doutrinação marxista” ou “marxismo cultural”. Tal paranoia levou o presidente da Turquia, em 2016, demitir mais de cinco mil reitores e acadêmicos de seus cargos em universidades turcas, bem como promoveram na Rússia e em alguns Estados nos EUA (Carolina do Norte) a restringir estudos de gênero e diversidade étnica e sexual, apenas para exemplificar.

As teorias conspiratórias são um mecanismo fundamental utilizado para deslegitimar as instituições, buscando denegrir e deslegitimar seu trabalho, levantando suspeitas gerais sobre a credibilidade e a decência de seus alvos. A mídia (e seus profissionais) e as universidades (e seus professores e pesquisadores) são as primeiras instituições a serem atacadas, na tentativa de inibir a produção da análise, da crítica e do pensamento livre desinteressado.

O anti-intelectualismo é uma estratégia de degradação das universidades em discursos públicos, ataques a professores e estudantes, com o objetivo de ignorá-los enquanto fontes legítimas de conhecimento e expertise. Ao rebaixar as instituições de ensino superior e empobrecer nossa reflexão comum para discutir políticas públicas de Estado, o pensamento fascista reduz o debate a um conflito ideológico entre “nós” e “eles”. Desta forma, a ideologia fascista degrada os espaços de reflexão, de produção de conhecimento, de saber, de cultura e arte, mascarando a realidade.

Quanto ao financiamento da educação no Brasil, há estudos nacionais e internacionais suficientes que demonstram a total ausência de investimentos na educação, por mais de 400 anos em nossa história. Somente no último século XX começaram a serem criadas universidades e sistemas de ensino e, recentemente, nas últimas três décadas, é que ampliamos a educação básica e, começamos, um tímido processo de expansão e acesso democrático à formação superior (estudo completo na revista Tempo Social – USP (v. 30, n. 2 ).

Segundo Nelson Amaral, estudioso de economia e financiamento da educação, na analisa do grau de investimento em educação, deve-se considerar três fatores: população de um país, a demanda educacional atual e o tamanho do PIB. O Brasil, por não ter investido nos massivamente em seus mais de 500 anos em educação, com 210 milhões de habitantes, apresenta uma das maiores demandas educacionais do mundo, na ordem de 46% da nossa população, ou seja, em torno de 100 milhões de brasileiros (perde somente para China e Índia). É por esta razão que, aparentemente, mesmo investindo em torno de 5% do PIB, nossos investimentos não são suficientes e deveriam ser dobrados, como prevê a meta 20 do PNE. Estamos defasados e atrasados em relação aos demais países e precisamos investir muito mais que eles, já que nossas elites não o fizeram no passado. (Estudos sobre financiamento em educação superior completo)

Para ilustrar, vamos desenhar, como exemplo, os investimentos da Alemanha e do Brasil. O Brasil investe, em torno de 5.5% do PIB e a Alemanha 4% do seu PIB. Isto significa que o Brasil investe mais que a Alemanha? NÃO. Porquê? Por que o PIB da Alemanha é  muito maior que o do Brasil e o número de alunos lá (demanda educacional) é muito menor que o daqui. Eles conseguem dedicar 10.800 dólares aluno/ano, enquanto o Brasil, algo em torno de 3.800 dólares aluno/ano. Portanto, eles com 4% do PIB investem 3 vezes mais que o Brasil com 5.5% do nosso PIB. Para maiores comparações, sugiro as seguintes fontes: dados de 2018 e dados de 2017.

A anunciada “lava-jato da educação”, bem como os cortes nos recursos do Sistema S, no Salário Educação e outros que virão, se somam a PEC 95, que reduz os investimentos na área social, especialmente na educação básica e superior. Foram em momentos de crise que países como Finlândia e Coréia do Sul investiram fortemente na educação, empoderando os professores e o protagonismo estudantil. Já no Brasil, opta-se por diminuir os investimentos em educação, sucatear os sistemas de ensino, atacar as escolas e universidades, acusar, denunciar e perseguir os professores, entregar a gestão educacional para fundações empresariais (Fundações e Institutos), inviabilizar direitos e oportunidades de estudo para adolescentes e jovens. Trata-se da desconstrução de projetos de futuro, tanto do projeto de vida dos estudantes, bem como do projeto de soberania do Brasil enquanto nação independente.

Precisamos optar entre a ignorância e o conhecimento, entre as escolas enquanto espaços públicos de formação ou como centros de moralismo e religião privada, entre as universidades como campos de discussão de teses e antíteses ou o anti-intelectualismo bestializado. Pense, informe-se e posicione-se enquanto há tempo!

 

Gabriel Grabowski, filósofo, doutor em Educação, professor e pesquisador, integra a equipe de colunistas do Extra Classe desde janeiro de 2017. Escreve mensalmente sobre questões da dinâmica no meio educacional.

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