OPINIÃO

O primeiro ato

Por Luis Fernando Veríssimo / Publicado em 11 de junho de 2012

Colunista: L. F. Veríssimo

Ilustração: Ricardo Machado

Ilustração: Ricardo Machado

Paris – Ninguém ainda se aprofundou no significado do raio que atingiu o avião do recém-eleito presidente da França François Hollande a caminho de um encontro com Angela Merkel na Alemanha. Foi um bom agouro, foi um mau agouro, foi um sinal dos deuses ou o quê?

Hollande se elegeu prometendo, ou pelo menos deixando entender, que trazia uma alternativa para a submissão da França e do resto da Europa à receita de frau Merkel para resolver a crise, que se resumia na frase “sejamos todos alemães” – frugais e disciplinados – mesmo que doa.

Certa vez, alguém disse que os três segredos da cozinha francesa eram: manteiga, manteiga e manteiga. Os três ingredientes da receita de frau Merkel são: austeridade, austeridade e austeridade.

Hollande, como as massas de manifestantes em Madri e em várias outras cidades da Europa, sem falar nos gregos que não saem das ruas, seria parte da reação à política monocórdia imposta pela Alemanha. Sua eleição foi o mais importante avanço do movimento contra a austeridade, fora das ruas, até agora.

O que ele fazia naquele avião era o que os deuses queriam saber quando lhe deram o susto. Ou os deuses estranharam que sua primeira viagem oficial fosse para conversar com a Merkel, que durante toda a sua campanha simbolizara o caminho que estava levando a comunidade europeia ao esfarelamento e a graves consequências sociais, ou os deuses estavam lhe advertindo a não assumir o papel de anti-Merkel e concordar com a chanceler em tudo, para o bolo não desandar.

O raio foi para lembrar a incoerência de ir beijar a mão da Merkel como seu primeiro ato presidencial ou um aviso de que os deuses wagnerianos estavam com ela, e que tomasse cuidado.

No fim, não se sabe se houve um beija-mão ou se os dois já trocaram sutis pontapés por baixo da mesa. O fato é que, nos seus últimos pronunciamentos, como resultado da eleição do Hollande e das suas próprias derrotas em eleições locais ou não, a Merkel tem soado como uma neo-keynesiana, defendendo o estímulo do governo ao crescimento e falando em flexibilizar suas próprias regras.

O ingrediente principal do bolo ainda é a austeridade, mas agora com farelo de açúcar.

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