E agora?
Foto: Igor Sperotto
Foto: Igor Sperotto
As ocupações vão continuar, garante Sam Halvorsen, 28 anos, dos Ocupadores de Londres, Inglaterra. “Em 1º de maio vamos fazer uma marcha de 200 quilômetros. Como os zapatistas, preguntando caminamos (perguntando, caminhamos)”, escreveu em um e-mail para o Extra Classe, lembrando o levante indígena e camponês do México, em busca de autonomia. Em 2011, jovens sem envolvimento político anterior da Europa e Estados Unidos se engajaram nos acampamentos. “Queremos aumentar o alcance e estabelecer vínculos. Estamos indo a escolas, locais de trabalho, comunidades e perguntando como podemos ajudar”, anunciou.
Foto: Igor Sperotto
Toret acredita que houve conquistas: “O movimento 15M pediu transparência. Vão fazer uma Lei de Transparência. Pediu que, se te tirarem a casa, te tirem também a dívida, e isso está no debate público, porque partidos de esquerda acolheram parte das reivindicações. Não foi uma mudança imediata, mas essas questões eram invisíveis. As pessoas estão começando a passar fome e na Europa as empresas continuam ganhando dinheiro. Não tenho resposta sobre o futuro, mas vamos encontrá-la pelo caminho”.
João Pedro Stédile, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e da Via Campesina, cuja estratégia de ocupação se tornou uma marca, em sua palestra no Fórum Social Temático de Porto Alegre falou da preocupação com a apatia dos trabalhadores, porque movimentos como o do Magreb (região noroeste da África) lutavam por democracia; na Europa e nos EUA, os protestos foram sobretudo da juventude e de desempregados. “Mas é a classe trabalhadora que tem o poder de parar a produção”, disse.
Stédile argumentou que, para realmente provocar mudanças, é preciso discutir seriamente projetos de superação do capitalismo; enfrentar os monopólios dos meios de comunicação de massa controlados pelo capital e exercidos sobretudo pela televisão; driblar a crise da democracia representativa que não mais representa; desenvolver lutas de massa em nível internacional e revigorar os instrumentos de reivindicação de classe. “O problema é como organizar as massas, já que os partidos estão em crise ideológica. É preciso construir outras formas de organização”, afirmou.
Toret concorda. “Necessitamos um movimento europeu − que o que se passou na Espanha aconteça em outros países. Acho que devemos fazer uma wikiconstituição europeia, como na Islândia, onde acabaram de aprovar a constituição feita pelos cidadãos, e criar novas regras do jogo”.
O futuro é hoje
Estudiosos e pensadores ajudam a entender o momento histórico atual. Depois de visitar os acampamentos dos manifestantes na Espanha, o jornalista e escritor uruguaio Eduardo Galeano avaliou: “Isso é um testemunho de que viver vale a pena e que está muito além das coisas pequenas da realidade política em que ou se ganha ou se perde”. Numa conversa com os jovens em 23 maio de 2011, na Plaza Cataluña, em Barcelona disse: “Alguns me perguntam o que vai acontecer depois disso tudo, e eu respondo o que nasce da minha experiência: não sei, e tampouco me importa. Me importa o que está acontecendo, o tempo que é agora e o que possivelmente anuncia sobre o que virá. (…) Esse é um mundo ao revés, que recompensa os seus arruinadores, em vez de castigá-los. Não há nenhum preso entre os banqueiros que provocaram esta crise do planeta inteiro, e, em contrapartida, há milhares presos por terem consumido maconha ou roubado uma galinha. (…) Os jovens chilenos não votaram porque não acreditam na democracia que lhes oferecem. Quantos não votaram na Espanha? Eles não acreditam nesta democracia manipulada”.
Sobre a revolta da juventude em Londres, em agosto de 2011, o sociólogo Zygmund Bauman declarou a um programa de televisão “estamos em um interregno que significa que a antiga maneira de agir não funciona mais, e novos modos de agir ainda não foram inventados. É por isso que não quero dar previsões sobre o futuro, pois ele pode tender para qualquer direção”. Os locais dos conflitos em Londres tinham taxa de desemprego três vezes maior que a média. Segundo Bauman, foi um protesto de consumidores imperfeitos contra o consumismo − aqueles que são bombardeados por propagandas diárias, mas não podem consumir. Já as rebeliões dos subúrbios da França, os indignados em Madri, os protestos em Atenas e Israel pedem mudanças. “As pessoas não chegam a pensar no que deve ser feito, porque, para chegar a essa pergunta, elas têm que passar por outra, mais difícil: “Quem vai fazê-lo?”, observou. Sua hipótese é de que há um divórcio entre poder − capacidade de fazer coisas, e política − capacidade de decidir que coisas devem ser feitas. Até 50 anos atrás, poder e política estavam nas mãos dos governos.
Questionado sobre o movimento Occupy, o linguista, filósofo e ativista político Noam Chomsky aconselhou: “As ocupações foram uma ideia brilhante, mas é hora de seguir para a próxima etapa”. Sua sugestão é promover a organização política nos bairros e redondezas. Para Chomsky, os acampamentos serviram para que as pessoas se dessem conta de que não estão isoladas. Para mudar o país, os ocupantes precisam conseguir apoio da população e se focar em tópicos específicos, acrescentou.
Foto: Clarinha Glock
Redes virtuais estão ameaçadas
Sob o pretexto de proteger a propriedade intelectual, novas leis ameaçam o uso irrestrito da internet. Entre elas, a Sopa (Stop Online Piracy Act), a Pipa (Protect IP Act), dos Estados Unidos, a Lei de Economia Sustentável da Espanha, e o Acta (Anti-Counterfeiting Trade Agreement). O sociólogo Sérgio Amadeu da Silveira, 50 anos, defensor das ferramentas virtuais livres, avalia que a internet é uma força articuladora com a qual os governos não conseguem interagir ainda. “Falta os defensores da democracia perceberem que é preciso criar uma democracia interativa, não só representativa, e os movimentos sociais e tradicionais se juntarem mais fortemente com os ciberativistas. Aí haverá uma esfera pública interativa, interconectada, um outro espaço de formulação de políticas”, conclui.
Silveira comemora o fato de os jovens estarem abrindo o Código Fonte das tecnologias. Diz que as gerações dos anos 80 e 90 se organizaram nas redes em processos coletivos de compartilhamento de ideias e deixaram de pedir: “Governo, me atenda, eu quero espaço para a minha criatividade”. Eles mesmos fizeram softwares, hardwares, projetos. “Os hackers se politizaram e se juntaram com os ativistas de várias lutas. Essa é a grande novidade”, acredita.
O desafio é estender as facilidades de comunicação a movimentos que lutam onde não há ainda sequer energia elétrica. Incluem-se aí acampamentos de refugiados, deslocados políticos, vilarejos de áreas remotas e lugares onde as mulheres seguem sendo violentadas como política de guerra e as crianças aliciadas para exércitos.
Em Porto Alegre, assim como no mundo
As barracas, faixas e cartazes colocados na Praça da Matriz, centro do poder do estado na capital gaúcha, têm propostas semelhantes às dos Ocupantes de todo mundo: fim da miséria, proteção ao meio ambiente, não à corrupção. Revezam-se ali em torno de 30 jovens do Ocupa Porto Alegre(ocupapoa.org), entre universitários, artesãos, moradores de rua e simpatizantes que decidem em assembleias sobre a rotina, as discussões e manifestações. Como nos demais movimentos, preferem não personificar um só integrante como líder. Vale o coletivo. A alimentação é orgânica, obtida em trocas nas feiras: “Ajudamos a carregar os caminhões”, explicam. No dia da entrevista, completavam 58 dias de acampamento.
O protesto pacífico atrai olhares curiosos, como o do senhor de 78 anos que não conseguia entender o objetivo dos jovens e se convenceu após conversar com Luis, 22 anos, estudante de Biologia. A partir de conversas como essa, os acampados pretendem promover mudanças. “É um protesto contra a competição desenfreada”, observou Maurício, 19 anos, estudante de Ciências Sociais, que deixou de ir para a praia para se incorporar ao manifesto. Quer levar a reflexão para espaços da periferia. Sébastien, belga de 28 anos com formação em Engenharia Eletromecânica e membro de uma ONG de educação popular, interrompeu a viagem pela América Latina para dar apoio. “Na Bélgica se começa a sentir a crise, mas é complicado fazer ocupação, a polícia não deixa”, comparou.
Ativista também é a integrante do Anonymous, hackers conhecidos por atacar sitesgovernamentais e de empresas de cartões de crédito. Estudante de História de Porto Alegre, 17 anos, usa a máscara branca, símbolo do grupo. Que ninguém se engane com sua aparência frágil. Essa anônima é pela paz, mas sabe que vai ter que lutar pela democracia. Participou do acampamento de 12 de outubro de 2011 contra a corrupção e não pretende parar: “Grande parte da população não sabe o que de fato está acontecendo na Grécia ou na Síria. É preciso ter livre acesso à internet para saber o que acontece no nosso governo. Primeiro conhecer, e depois fazer uma ação direta”, defendeu, antes de participar da marcha contra o aumento das passagens de ônibus na capital.