Gleen Greenwald depõe na Comissão de Direitos Humanos da Câmara
Foto: Lia de Paula/Agência Senado
O jornalista Glenn Greenwald, do site de jornalismo investigativo The Intercept Brasil (TIB), deve participar como convidado de uma audiência pública promovida pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, a partir das 15h desta terça-feira, 25. Os parlamentares querem discutir a série de reportagens que o TIB vem publicando desde o dia 9 de junho sobre conversas do ministro da Justiça e Segurança Pública com o Ministério Público Federal, enquanto Sergio Moro atuava como juiz da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba (PR). O teor das mensagens trocadas entre Moro e procuradores da Lava Jato demonstra que o juiz interferia na investigação, o que é vetado pela legislação brasileira.
Para o jurista e professor de Direito Constitucional da Unisinos, Lenio Streck, o que foi revelado pelo Intercept até agora já é suficiente “para a imediata decretação da suspeição de Moro e da anulação dos processos pré-judicados pelo juiz”. Streck aponta que os diálogos evidenciam a subserviência do procurador Deltan Dallagnol a Moro, “o que mancha a instituição do Ministério Público, transformando o papel do agente ministerial em um mero coadjuvante que obedece a ordens de seu chefe”.
Os deputados Camilo Capiberibe (PSB-AP), Carlos Veras (PT-PE), Márcio Jerry (PC do B-MA) e Túlio Gadelha (PDT-PE), proponentes da audiência pública afirmaram no requerimento apresentado à Mesa que “os direitos dos cidadãos, objeto da Operação Lava Jato, particularmente do cidadão Luiz Inácio Lula da Silva, foram violados sistematicamente” e que as reportagens publicadas por Greenwald “jogam dúvidas contundentes sobre a imparcialidade na atuação do Juiz Sergio Moro”. Na audiência, Greenwald deve responder aos questionamentos dos deputados e denunciar as ameaças que vem recebendo desde o início da publicação da série de reportagens #VazaJato – As mensagens secretas da Lava Jato.
Os arquivos obtidos pelo Intercept são mensagens privadas trocadas pelos procuradores do MPF em diversos grupos no aplicativo russo Telegram, desde 2014. O pacote inclui diálogos de Sergio Moro, quando ele era juiz responsável pelos processos da Lava Jato em Curitiba, cargo que ocupou até 2018, quando se exonerou para assumir o ministério da Justiça do governo de Jair Bolsonaro. Além das mensagens de texto, o acervo tem áudios, vídeos, fotos e documentos compartilhados no aplicativo que ainda não foram publicados pelo TIB.
A publicação mais recente sobre os bastidores da Lava Jato ocorreu no domingo, 23, pelo jornal Folha de S. Paulo, com o qual Greenwald firmou parceria para a divulgação do conteúdo das conversas. No texto, aparece uma troca de mensagens entre Sergio Moro e o procurador Deltan Dallagnol, que especulam formas de o então juiz não entrar em rota de colisão com o Supremo Tribunal Federal.
Trechos do diálogo publicado pela Folha revelam a articulação entre juiz e promotor:
Deltan (16:05:54) – Pensei na questão das planilhas e, embora a relevância seja absurda e fosse difícil não ter visto a importância, não acho que a PF colocou pra dar conhecimento público, porque só foi noticiado hoje, um dia depois. Se tivessem feito de propósito, ontem à noite estava no JN
Moro (16:07:49) – Continua sendo lambança. Não pode cometer esse tipo de erro agora.
Deltan (16:13:02) – Concordo. E sei que Vc, de todos nós, está debaixo da maior pressão. Não desanime com a decisão do Teori de ontem ou com os fatos e lambanças recentes. As coisas vão se acalmar. É um momento de ânimos exaltados. Saiba não só que a imensa maioria da sociedade está com Vc, mas que nós faremos tudo o que for necessário para defender Vc de injustas acusações. Uma das coisas que mais tenho admirado em Vc é a serenidade com que enfrenta notícias ruins e problemas.
Moro afirma que “temia pressões para que sua atuação fosse examinada pelo Conselho Nacional de Justiça”. Deltan teria “prometido ao juiz que falaria com o representante do Ministério Público Federal no CNJ”.
Moro (16:42:22) – Pressão será grande no cnj
Deltan (17:09:23) – Vou falar com nosso representante no CNJ
O jornal relata que em 28 de março de 2016, “Moro mandou para o STF dois inquéritos e uma ação penal que estavam em andamento em Curitiba, incluindo os autos com a lista da Odebrecht, para que Teori Zavascki decidisse o que fazer com eles.”
No despacho, Moro diz: “O ideal seria antes aprofundar as apurações para remeter os processos apenas diante de indícios mais concretos de que esses pagamentos seriam também ilícitos”. “A cautela recomenda, porém, que a questão seja submetida desde logo ao Egrégio Supremo Tribunal Federal.”
Em 22 de abril, Teori decidiu devolver os três processos a Curitiba, mantendo no STF somente as planilhas da Odebrecht que listavam políticos, que foram preservaras sob sigilo. Teori, então relator da Lava Jato no Supremo, morreria em janeiro de 2017 num acidente aéreo.
EM LATIM – Após a publicação dos diálogos pela Folha, Moro atacou no Twitter com uma frase, em latim, do poeta romano Horácio: parturiunt montes, nascetur ridiculus mus (a montanha pariu um ridículo rato). Para o ministro, o conteúdo divulgado, apesar das altas expectativas criadas pelo jornalista, seria de pequena importância.
“É natural que o público queira ver tudo o mais rápido possível”, escreveu Greenwald na mesma rede social, ressaltando que o material vem sendo submetido a um processo jornalístico rigoroso em parceria com outros veículos. “Pode levar mais tempo, mas o impacto e o valor serão maiores”, explica. Para o TIB, a Lava Jato usou o judiciário para fins políticos. “Os diálogos revelados pelo Intercept mostram que a Lava Jato desfilava como uma deusa grega da ética na sociedade, mas atuava à margem da lei na alcova. Em nome do combate à corrupção, o conluio atropelou princípios jurídicos básicos e arrombou o estado de direito. As provas são tão explícitas que não há mais espaço para divergências”.
Moro também foi convidado para a audiência pública na Câmara nesta quarta-feira, cancelou sua participação devido a uma viagem aos Estados Unidos, onde vai visitar órgãos de segurança e inteligência. O ex-juiz compareceu na semana passada em uma sessão da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, onde foi questionado durante quase nove horas pelos senadores. Os senadores também aprovaram um convite para que o procurador Deltan Dallagnol compareça à CCJ para explicar os diálogos vazados.
QUEM É – Glenn Greenwald é um dos três fundadores do The Intercept. É jornalista, advogado constitucionalista e autor de quatro livros entre os mais vendidos do New York Times na seção de política e direito. Seu livro mais recente, No Place to Hide (Sem Lugar Para Se Esconder), descreve o estado de vigilância implementado pelo governo americano e seus aprendizados durante as reportagens sobre os documentos vazados por Edward Snowden. Antes de fundar o Intercept, Glenn escrevia para o jornal britânico The Guardian e para o portal Salon. Foi o primeiro ganhador, ao lado de Amy Goodman, do Prêmio de Jornalismo Independente Park Center I.F. Stone em 2008 e também recebeu o Prêmio Online Journalism de 2010 por sua investigação sobre as condições degradantes na detenção de Chelsea Manning. Por conta de suas reportagens sobre a NSA (Agência de Segurança Nacional – EUA), recebeu o Prêmio George Polk de Reportagens sobre Segurança Nacional; o Prêmio de Jornalismo Investigativo e de Jornalismo Fiscalizador da Gannett Foundation; o Prêmio Esso de Excelência em Reportagens Investigativas no Brasil (foi o primeiro estrangeiro premiado) e o Prêmio de Pioneirismo da Electronic Frontier Foundation. Ao lado de Laura Poitras, a revista Foreign Policy o indicou como um dos 100 principais pensadores globais de 2013. As reportagens sobre a NSA para o jornal The Guardian receberam o Prêmio Pulitzer de 2014 na categoria Serviço Público.