Baixa visão, alta sensibilidade
Foto: Igor Sperotto
Um livro que reúne depoimentos de pessoas com acuidade visual inferior a 30% se propõe a diminuir a desinformação e aumentar a consciência social sobre a necessidade de políticas públicas de inclusão de cegos e pessoas com baixa visão. Com esse foco, os desafios e as conquistas perpassam as páginas da obra Histórias de Baixa Visão, cuja 2ª edição, revista e ampliada, está sendo lançada em saraus e encontros pelo Brasil ao longo deste ano.
Dos 23 autores e autoras, 20 têm acuidade visual inferior a 30%, o que caracteriza a baixa visão; duas são professoras que atuam com pesquisa e ensino de estudantes com deficiência, e uma é mãe de um adolescente com baixa visão. A ideia de reunir as experiências dessas pessoas em um livro surgiu em um grupo de bate-papo do WhatsApp. Entre as conversas sobre as dificuldades do dia a dia, havia relatos emocionantes de aprendizados, vitórias, situações cômicas, doídas, angustiantes e apaziguadoras. Narrativas que davam uma dimensão tão precisa da complexidade da vida, que Rafael Martins dos Santos, diretor de Empreendedorismo da Associação de Cegos do RS (Acergs) e um dos autores, propôs – e o grupo concordou – que fossem compartilhadas.
No Brasil, segundo o IBGE, há mais de 45 milhões de pessoas com deficiência, cerca de 24% da população. Desse total, aproximadamente 6 milhões têm baixa visão, e 550 mil são cegas. “Entretanto, socialmente, a baixa visão ainda é muito pouco conhecida e reconhecida como uma deficiência”, lembra a organizadora Mariana Baierle, na abertura da obra. A baixa visão pode resultar de glaucoma, catarata, retinose pigmentar, degeneração macular, descolamento de retina, diabetes, acidentes, entre outras causas. As pessoas podem nascer com a deficiência ou adquiri-la ao longo da vida. A velocidade da perda pode variar, assim como a sensibilidade à luz e à sombra, ao claro e ao escuro.
A maioria dos autores e autoras é de Porto Alegre, mas há depoimentos também de pessoas de Canoas, Nova Petrópolis, Pelotas, Viamão, e Novo Hamburgo (RS); Campo Grande (MS); Campinas, Santana do Parnaíba, Sorocaba e São Paulo (SP); Aracaju (SE). São estudantes, professores e professoras, jornalistas, arquiteta, advogada, fotógrafo, bancários, veterinária, enfim, profissionais de várias áreas de atuação que, através de suas narrativas, ensinam que é preciso fazer uma revolução por dia para viver com uma deficiência visual na sociedade.
O livro está dividido em cinco partes: Descoberta e Ressignificação da Baixa Visão; Trajetórias; O uso da Bengala – entre a negação, a aceitação e a autonomia; Episódios difíceis, cômicos ou inusitados com a Baixa Visão e Além do que não se pode ver e ouvir – Baixa Visão e as intersecções com a Surdocegueira.
Há relatos como o de André Werkhausen Boone, graduado em Administração e especializando em Direito do Consumidor. “Sem dúvida, o maior medo que me atormentava era o de não saber o que viria no dia seguinte. A dificuldade visual era somente um dos limitadores, além da ansiedade diante da incapacidade de viver da forma que estava acostumado. Antes, tinha a visão plena que facilitava totalmente o desempenhar das atividades”, descreveu. Uma inflamação no sistema nervoso central, chamada Síndrome de Devic, foi gradualmente tirando sua visão, que culminou em uma cegueira em 2009. Gabriel Pessoa Ribeiro, acompanhante terapêutico e estudante de Psicologia, quando criança passou de oftalmologista em oftalmologista, que repetiam: “Ele não tem nada nos olhos”. Chegaram a lhe recomendar um ortopedista, antes de descobrir que os enjoos, as dores de cabeça frequentes e a diminuição do campo visual se deviam a um câncer do tamanho de uma laranja alojado no cérebro, entre os nervos ópticos. Tinha então 13 anos de idade. “O ambiente escolar me propôs os primeiros desafios que enfrentaria dali em diante”, contou.
A professora Eliane Santiago descobriu que podia dar aulas mesmo tendo uma deficiência visual congênita. Com a ajuda de uma auxiliar, e a empatia das crianças e de pais e mães, atualmente é uma profissional realizada. “Sou muito grata por tudo que me permito aprender e que alguém se permita me ensinar. Sozinhos, não somos nada e com o próximo, somos força máxima. Eu ergui a cabeça, fui em busca de meus sonhos e hoje posso dizer que tenho amigos que enxergam a essência da Eliane, e não o que a maioria das pessoas enxerga – uma pessoa cega – para depois, caso o preconceito permita, verificar se possuo alguma capacitação”, salientou.
Desde a primeira edição, em 2017, Histórias de Baixa Visão vem proporcionando ao grupo dar visibilidade e denunciar a falta de políticas públicas capazes de assegurar às pessoas com deficiência acesso digno à educação, à saúde, ao mercado de trabalho. “A gente fica feliz com as reações de acolhida, mas sonho com o dia que não se precise mais fazer um livro desse tipo”, diz Mariana, que é jornalista, mestre em Letras, consultora em audiodescrição e trabalha como técnica administrativa na Ufrgs. “Sair de casa e enfrentar uma calçada, o trânsito, pegar um ônibus, chegar ao trabalho…A gente lida com adversidades de toda ordem”, alerta. “O livro é um instrumento para sensibilizar as pessoas, mas ainda há muitas muralhas a derrubar”, conclui.
Onde adquirir:
Na página da editora CRV, é possível comprar a versão impressa ou digital: www.editoracrv.com.br.
A versão impressa tem também uma edição em Braille. Os direitos autorais da venda são revertidos em livros que são doados para bibliotecas públicas e escolas.
Redes Sociais: www.facebook.com/historiasdebaixavisao.