Mulheres indígenas e camponesas ocupam Brasília
Foto: Andressa Zumpano| CPT-MA
A mobilização deverá trazer 2 mil indígenas de 100 povos, de todas as regiões do país, garantiu a comissão organizadora, em coletiva na manhã desta sexta. Na próxima quarta-feira, 14, elas se juntam à 6ª Marcha das Margaridas, organizada por camponesas, e deverão somar pelo menos 25 mil manifestantes, que se unem contra a política de extinção de direitos constitucionais implementada pelo Executivo e Legislativo.
“Submissão não é cultura. Estamos aqui para desmistificar a ideia de que nós mulheres indígenas não participamos desta luta, e mostrar que estamos preparadas para assumir qualquer espaço”, exclamou Sônia Guajajara, que concorreu com Guilherme Boulos à presidência da República pelo PSol. “Não é à toa que fizemos parte desta composição no ano passado, e que temos uma representante na Câmara dos Deputados e uma mulher na coordenação geral da Coiab”, citou ela.
Sônia Guajajara se referia à Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira. Essa é a maior organização indígena do Brasil, criada em 1989, representando 160 povos, e que tem como coordenadora geral Francinara Soares Baré, a Nara Baré, a primeira a assumir essa liderança. Também se referiu à advogada Joenia Wapichana (Rede), a primeira mulher indígena a ocupar uma vaga na Câmara dos Deputados e também a primeira a se formar em direito no país. Ela foi ainda a primeira advogada indígena a se pronunciar no plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), no processo de definição dos limites da Reserva Raposa Terra do Sol (RR), em 2008.
Foto: Cristina Ávila
O MACHISMO NO SUL – “O machismo nas aldeias é mais uma das epidemias trazidos pelos europeus para nossos povos. Principalmente no Sul, foi a partir do SPI (Serviço de Proteção ao Índio, órgão do governo federal que antecedeu a Fundação Nacional do Índio/Funai) que se quebrou a complementaridade de homens e mulheres”, o que significa a parceria de ambos em todos os aspectos da vida.
Nyg Kiutá afirma que o machismo surgiu por imposição externa. “Mulheres, homens e crianças kaingang foram escravizados em grandes lavouras por chefes de postos e capitães do SPI, configurações que até hoje estão em algumas organizações indígenas do Sul. Homens eram colocados como fiscais ou carrascos do próprio povo. Aí é que surge essa quebra da complementaridade entre homens e mulheres. Sempre foram elas que gerenciaram as políticas de territórios e a própria construção de lideranças, inclusive pela força da espiritualidade e da nossa cosmopolítica. A quebra disso é uma imposição do SPI, um órgão militar de cunho patriarcal branco”, enfatizou.
“O momento é de protagonismo feminino, nos vestimos com a garra da força da natureza, mas nosso inimigo é o Estado que não nos reconhece como povos originários e nos impõe uma arma que agora não é um (revólver calibre) 38, mas um 17”, afirma Célia Xakriabá, liderança da Terra Indígena Xakriabá, de Minas Gerais.
Ela refere-se ao presidente Jair Bolsonaro, antiindígena declarado, que ameaça os povos indígenas com “nenhum centímetro de terra”, fazendo manobras político-administrativas para impedir a demarcação de territórios tradicionais, promovendo cortes fundamentais para o desmantelamento de toda a estrutura estatal de proteção aos direitos indígenas e inclusive promovendo discursos que tem levado à uma crescente invasão de territórios, exploração de recursos naturais das áreas indígenas e mortes, tanto por conflitos como por doenças.
PROGRAMAÇÃO – As mulheres acabaram de fechar negociações com o Governo do Distrito Federal para a localização do acampamento, que será fixado em frente à Fundação Nacional de Artes (Funarte), no Eixo Monumental, região central de Brasília. Na manhã hoje, além da coletiva foi feita uma cerimônia de comemoração ao Dia Mundial dos Povos Indígenas, e algumas mulheres acompanharam um ato e audiência pública que aconteceu no Congresso sobre mineração. A programação não está totalmente fechada, mas haverá momentos culturais e de debates políticos.
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