CULTURA

Um Paganini da flauta doce

O porto-alegrense Vladimir Soares, 34 anos, começou a estudar flauta na Villa-Lobos aos 11 e, atualmente, vive na Alemanha, onde cursou os mestrados em Flauta Doce e Música de Câmara, na Escola Superior
Por Gilson Camargo / Publicado em 5 de setembro de 2019

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Foto: Claudio Etges/ Divulgação

O porto-alegrense Vladimir Soares começou a estudar flauta doce aos 11 anos no projeto Orquestra Villa-Lobos, em Porto Alegre, e atualmente vive na Alemanha, onde é conhecido como um “Paganini da flauta doce”

Foto: Claudio Etges/ Divulgação

Idealizado pela professora e regente musical Cecília Rheingantz Silveira, o projeto Orquestra Villa-Lobos converteu a única escola municipal da Vila Mapa, zona leste de Porto Alegre, em porta de acesso dos jovens da periferia de Porto Alegre ao mundo da música. Há quase três décadas, o programa proporciona a 700 crianças e adolescentes os primeiros contatos com os instrumentos musicais e seus acordes, com o objetivo de mantê-las longe da atmosfera de violência, falta de oportunidades e invisibilidade que impera na periferia da capital gaúcha. E não são raros os alunos que saem dali para carreiras internacionais como virtuoses da música nos mais diversos gêneros.

É o caso do porto-alegrense Vladimir Soares, 34 anos, que começou a estudar flauta na Villa-Lobos aos 11 e, atualmente, vive na Alemanha, onde cursou os mestrados em Flauta Doce e Música de Câmara, na Escola Superior de Música de Stuttgart, e ministra aulas em escolas regulares e projetos sociais. Vladimir ressalta que a música pode fazer a diferença para a maioria dos jovens da periferia, dependendo das oportunidades. “A escolha pela música mudou minha vida a partir do momento em que vi que seria possível viver fazendo aquilo que eu gosto e fazendo da música a minha profissão”, resume.

Pizzicato

“Como se pode tocar flauta tão extraordinariamente rápido com a maior naturalidade, como se fosse tão fácil? E como se pode tocar uma flauta em dó como se fosse um Stradivari?”, espanta-se o crítico musical Ernst Leuze em um artigo publicado no jornal alemão Wernauer Anzeiger, no qual compara Soares ao revolucionário violinista italiano Nicollò Paganini (1782-1840).

A comparação evoca um dos primeiros instrumentistas do romantismo musical e até hoje insuperável como melhor violinista de todos os tempos. Paganini interferiu na história da música ao mostrar a pianistas como Liszt, Vivaldi e Mozart novas formas de tocar, explorando a técnica e a virtuosidade de um instrumento. É o que o brasileiro faz com a flauta doce, segundo Leuze.

“Muitos músicos jovens e ambiciosos até conseguem tocar com um som bonito e rápido, mas estruturar com coerência musical, construir exuberantes ornamentos estilisticamente diferenciados, e ainda com um carisma atraente: isso só se vê em ano de jubileu. Vladimir Soares conseguiu imitar inclusive o som do pizzicato do violino na obra Zigeunerweisen, de Pablo Sarasate”, escreveu.

Formação

Ainda em Porto Alegre, nos anos 1990, depois de um aprimoramento com a professora Mariana Hoffmeister nesse que era o instrumento musical mais popular da Idade Média, Soares formou-se em Música, com habilitação em Flauta Doce na classe da professora Lucia Carpena, na Ufrgs; e em técnico musical pela EST/RS (classe de Luciane Cuervo e Juliana Pedrini). Venceu o concurso Jovens Solistas da Orquestra de Câmara Fundarte em três edições consecutivas, de 2008 a 2010, e os concursos de Solistas do Departamento de Música da Ufrgs e Jovens Solistas da OSPA em 2011.

De 2009 a 2012, integrou o Flautarium da Ufrgs, grupo coordenado pela professora Carpena. Desde 2001, atua como educador musical, ministrando aulas de flauta doce em escolas de música, de ensino regular, ONGs e instituições culturais no Brasil e na Alemanha.

Uma turnê por Novo Hamburgo, São Leopoldo, Barra do Ribeiro, Dois Irmãos e Porto Alegre marcou o lançamento do primeiro álbum, Anna Bon di Venezia,  gravado em Londres em outubro de 2018, pelo selo Drama Musica, no âmbito do projeto DONNE, Women in Music. Com Vladimir Soares (flauta doce) e Fernando Rauber (espineta), o programa apresentou sonatas de Anna Bon di Venezia, de Antonio Vivaldi e Dario Castello, além do Concerto em Ré Menor RV 522, de Vivaldi.

Foto: Claudio Etges/ Divulgação

Fernando Rauber e Vladimir Soares

Foto: Claudio Etges/ Divulgação

A seguir, o músico fala sobre o lançamento do primeiro álbum solo, aborda a sua opção pela música e explica que, como professor, busca a aproximação dos alunos a partir daquilo que eles já conhecem, uma vez que a maioria não está habituada a ouvir esse gênero no Brasil.

Extra Classe – Por que a música erudita?
Vladimir Soares – Optei pela música erudita (barroca e contemporânea, que integram a maior parte do meu repertório), assim como pela não erudita, quando tive a oportunidade de entrar em contato com a música no projeto Orquestra Villa-Lobos. Lá, tocávamos vários estilos e gêneros musicais, do popular ao erudito. E a escolha pela música mudou minha vida a partir do momento em que vi que seria possível viver fazendo aquilo que eu gosto e fazendo da música a minha profissão.

EC – O crítico musical Ernst Leuze te identificou como um Paganini da Flauta Doce…
Soares – Fico muito feliz recebendo um elogio como esse. É realmente muito gratificante ver meu trabalho sendo reconhecido.

EC – Na tua opinião, a música é fator de mobilidade social?
Soares – Pode ser. Tudo vai depender das oportunidades que o músico tiver.

EC – O gênero é acessível para os jovens da periferia?
Soares – O barroco é um tipo de música que muitas pessoas aqui no Brasil, culturalmente, não estão habituadas a ouvir. Já trabalhei em periferias e também em bairros não periféricos e, de modo geral, os jovens conhecem muito pouco esse repertório. Eu, como professor, tento aproximar meus alunos da música erudita a partir do que eles trazem e conhecem: alguns movimentos de As 4 Estações, de Vivaldi, por exemplo, creio que sejam bem conhecidos. E a partir daí consigo aproximar os alunos da música erudita, trazendo obras que eles ainda não conhecem.

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