Tariq Ali e uma velha lição de Lenin
Foto: Tonico Alvares/C. de Vereadores/Divulgação
Escritor, jornalista e ativista político, o paquistanês Tariq Ali participou de duas das primeiras edições doFórum Social Mundial em Porto Alegre. Nessas ocasiões o contexto político era de severa crítica à globalização neoliberal e de consequentes advertências sobre os riscos que ela trazia à estabilidade social e política do planeta. Agora, em novembro de 2011, Tariq Ali esteve pela terceira vez em Porto Alegre, desta vez para participar de atividades ligadas à Feira do Livro da capital gaúcha e para fazer uma conferência na Câmara Municipal por iniciativa da vereadora Fernanda Melchiona (PSOL). Nas outras duas vezes, comentou Tariq Ali na abertura de sua conferência, Porto Alegre vivia uma atmosfera muito mais acelerada e quente, em função do clima do Fórum Social Mundial. Desta vez, ele encontrou uma Porto Alegre mais pacata, mas o mundo, em compensação, vive um período de grande ebulição política e social, materializando as advertências feitas nas primeiras vezes em que esteve na capital gaúcha.
Tariq Ali apresentou um diagnóstico sucinto: aquilo que se convencionou chamar Consenso de Washington está ultrapassado e o mundo não pode mais ser governado como foi a partir principalmente dos anos 1990. E essa impossibilidade está se mostrando de modo muito concreto nas ruas. O ano de 2011 iniciou com grandes revoltas populares no Tunísia e no Egito, que acabaram por se estender para outros países do Oriente Médio e do norte da África. Essas gigantescas mobilizações atingiram regimes que eram sustentados pelo Ocidente. “Elas não foram resultado do Facebook como muita gente disse”, assinalou Tariq Ali, mas sim de um profundo descontentamento da população desses países com suas condições de vida, especialmente da juventude, setor diretamente atingido pelo desemprego.
Os Estados Unidos subestimaram a situação no Egito e os franceses fizeram o mesmo em relação à Tunísia, destacou o escritor e jornalista que acompanha há décadas a situação política naquela região. E essa subestimação não se resumiu aos EUA e à França, atingindo também autoridades e especialistas de várias áreas e países. O imponderável voltou a se manifestar na história, acabando com a zona de conforto daqueles que insistem em “descobrir” padrões ou, pior, “leis” históricas. Tariq Ali apontou uma novidade que, para ele, é fundamental para entender esse novo momento histórico: quando se tem rebeliões em massa e as pessoas perdem o medo de morrer, elas podem atingir o sucesso. Quando as pessoas perdem o medo da morte, aumenta a sua consciência política. “Estamos vendo o começo de algo novo, que pode durar pelo menos mais uns cinco ou seis anos”.
E as pessoas começam a perder o medo de morrer justamente quando já perderam quase tudo e passam a lutar por condições e valores básicos: sobrevivência, dignidade, liberdade. Uma das coisas mais incríveis, neste final de 2011, notou ainda Tariq Ali, é que esse sentimento começa a crescer também nos países do centro do capitalismo. A crise iniciada em 2008, em Wall Street, com a queda do Lehman Brothers, atingiu toda a Europa e, neste momento, quatro países estão afundando (Grécia, Portugal, Espanha e Irlanda), além da Itália que dá sinais de querer entrar também neste seleto clube.
A expressão política dessa crise tem se mostrado um tanto grave, acrescentou o jornalista paquistanês radicado há muitos anos na Inglaterra: a democracia está virando uma palavra sem sentido nesses países, disse, referindo-se principalmente aos casos da Grécia e da Itália, onde governantes eleitos foram substituídos por representantes de bancos e do mercado financeiro. “Estamos vivendo um período de exacerbação das contradições do capitalismo com um grande aumento do desemprego, especialmente entre os jovens. Muitos desses trabalhadores que perderam seus empregos estão voltando a viver em condições que tinham sido superadas há décadas”, disse Tariq Ali. “A elite capitalista que governa o mundo não se importa com nada além de ganhar mais dinheiro”, acrescentou.
No plano político, sustentou ainda, vivemos hoje a hegemonia de um centro extremo liberal, que inclui a centro-esquerda e a centro-direita, e que impõe um mesmo conjunto de macropolíticas econômicas. Diante da crise vivida em países como Grécia, Espanha, Portugal e Itália, ouve-se uma mesma palavra – “austeridade” – e predomina um grande silêncio sobre o papel dos bancos e do sistema financeiro como um tudo na gestação da crise. “Em cada país onde esse centro extremo está no poder, temos também um vazio social e político. O movimento dos indignados na Europa e nos EUA mostra isso, mas esse movimento, ao mesmo tempo, apresenta também uma fraqueza: a ausência de alternativa política”. O mais grave, concluiu Tariq Ali, é que a democracia está ameaçada. “A noção de que capitalismo e democracia andam juntos é um contrassenso. As elites econômicas não sabem direito o que fazer, mas não dá para falar em uma crise terminal do capitalismo, na medida em que não existe uma alternativa a ele, encerrou lembrando uma velha lição de Lenin. Não haverá crise final do capitalismo, a menos que surja uma alternativa em nível global.