Ilustração: Rafael Sica
Ilustração: Rafael Sica
Dormir
Diz Shakespeare: Dormir, talvez sonhar. E arremeda o brasileiro: Deitar, talvez pegar no sono.
Em meio ao caos que vivemos, travesseiros são os melhores conselheiros: sempre nos aconselham a dormir. Porque dormir é a reconciliação cotidiana dos cílios.
E para dormir com a consciência tranquila é simples: não a deixe saber como foi o seu dia. Dormir é ir voluntariamente para um paradeiro ignorado.
É possível dormir bem hoje em dia, porque os piores pesadelos começam quando o Brasil acorda.
Até para dormir tem gente de direita e gente de esquerda. Confira aí no seu leito.
E chega aquela hora boa: ir dormir sabendo que os pesadelos noturnos serão menos sinistros que os diurnos.
O nosso deprimente da república dorme com uma arma ao lado da cama. Daí nossos pesadelos.
Ninguém pensa nisso ou admite: a coisa mais arriscada que existe é dormir profundamente ao lado de alguém.
Felizes são os cães, que vão dormir menos acuados que os brasileiros.
Sono
Certezas dão sono, incertezas tiram.
Cada vez que alguém diz “boa noite, durma com os anjos”, um anjo arregala os olhos e perde o sono.
Do lado de lá, o problema do sono eterno deve ser a saudade do despertador.
Do lado de cá, quando morre o dono, o despertador se entrega ao sono.
Sono profundo: ainda não inventaram maneira mais reconfortante de se livrar do Brasil por algumas horas.
As funções vitais são babás que nos cuidam no sono.
De manhã, entregam o corpo aos nossos descuidos.
O sono é muito mais sedutor que a soneca: ele leva todo mundo pra cama, ela leva alguns pro sofá.
Na cama, o sono reparador de um termina onde começa o mal dormir do outro. E dizem que sono bom é sono reparador. Engano. Se você não reparar em nada enquanto dorme, o repouso será muito maior.
A diferença entre o sono dos justos e o dos injustos é um comprimido sonífero. E de todos os soníferos, conversa pra boi dormir é o pior. E se depender do sono dos justos, Brasília vai passar as noites em claro.
Existem vários distúrbios do sono. Um dos piores chama-se vizinhança.
Mais um: o sonambulismo. É uma doença que preocupa, mas não chega a tirar o sono. O sonâmbulo é um cara que sai da cama para cochilar enquanto anda. E o sonâmbulo com déjà vu? Aquela sensação de já ter levantado antes durante o sono.
Enquanto uma metade do mundo se recolhe, a outra apronta sabe-se lá o quê. É de tirar o sono. E não fossem os sonhos, o sono seria de sigilo absoluto. Enfim, antes sono que mal acompanhado.
Insônia
O diabo, quando não vem, manda a insônia. A insônia é a insolvência da sonolência.
Uma insônia temporária dá para várias páginas de um livro. Uma insônia permanente pode render bibliotecas inteiras!
Pupilos também podem sofrer de insônia mas o dano maior será sempre das pupilas.
Insônia é quando Morfeu pede a senha e as pestanas não lembram.
E estar acordado durante o dia é um tipo prolongado de insônia, a qual suportamos estimulados pelo sol.
Os brasileiros se dividem entre insones e impunes, os primeiros por causa dos segundos.
Você não tem insônia. Ela é que tem você.
Fraga é escritor, humorista, publicitário. Escreve mensalmente para o jornal Extra Classe.