Bolsonaro, Moro e os militares mergulham o Brasil na ‘tempestade perfeita’
Foto: Reprodução/YouTube
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A demissão do ministro da Justiça, Sérgio Moro, e o rompimento público entre ele e o presidente Jair Bolsonaro só engrossaram a densidade das nuvens que alimentam essa tempestade
Uma “tempestade perfeita”. Foi assim que o jornal The New York Times definiu a situação pela qual o Brasil atravessa, combinando uma crise política profunda, uma recessão destrutiva e a mais grave crise sanitária dos últimos cem anos. A demissão do ministro da Justiça, Sérgio Moro, e o rompimento público entre ele e o presidente Jair Bolsonaro só engrossaram a densidade das nuvens que alimentam essa tempestade perfeita que parece não se afastará dos céus do país tão cedo.
Sérgio Moro, cabe lembrar, que ganhou fama nacional e internacional por conduzir o processo contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que levou Lula à prisão, retirando o líder petista da disputa presidencial que acabou sendo vencida por Bolsonaro. O novo presidente recompensou Moro com o Ministério da Justiça e definiu o gesto do seu agora ex-aliado como um gesto desleal, uma facada nas costas.
Para o sociólogo Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo, professor da Escola de Direito da PUCRS, a saída estrondosa de Sérgio Moro do governo Bolsonaro marca a consolidação de um processo de desconstituição da polarização política entre o bolsonarismo e o petismo, presente no cenário político nacional desde, pelo menos, o segundo turno das eleições presidenciais de 2018.
O afastamento e ruptura de Bolsonaro com governadores como João Dória (São Paulo), Wilson Witzel (Rio de Janeiro), Ronaldo Caiado (Goiás) e Eduardo Leite (Rio Grande do Sul) representam, defende Ghiringhelli, uma “divisão importante no bloco de poder que se constituiu com a eleição de Bolsonaro” (ver artigo A demissão de Sérgio Moro, publicado no site Sul21 em 26/04/2020).
Essa ruptura, assinala ainda o sociólogo, redefine o posicionamento da até então sólida base de apoio que levou Bolsonaro ao poder. “A partir de agora, fica de um lado o bolsonarismo raiz, cada vez mais sustentado pelas bases das igrejas neopentecostais e pelos setores sociais mais vinculados ao aparato de controle punitivo e repressivo, desde as polícias e setores das Forças Armadas, até as milícias e as comunidades que controlam em determinadas regiões do Brasil. E de outro lado, alguns setores da alta burocracia estatal (juízes, promotores, carreiras diplomáticas), do empresariado (incluindo empresas de mídia) e do agronegócio, e aquilo que sobrou da classe média urbana, que começam a se dar conta de que o custo de ter colocado Bolsonaro na Presidência da República é muito alto”.
Neste cenário, o posicionamento das Forças Armadas parece constituir uma variável fundamental para a sobrevivência política do governo Bolsonaro. Janio de Freitas, um dos mais respeitados colunistas políticos do Brasil, cobrou esse posicionamento em um duro artigo publicado na Folha de São Paulo (edição de 26/04/2020).
“O que mais, e mais grave, ainda precisará ocorrer para que os representantes das Forças Armadas no governo as desvinculem, afinal, da responsabilidade pela catástrofe moral e governamental que arrasa este país?”, questionou o jornalista. “A presença junto aos Bolsonaro, sua trupe e suas relações cavernosas faz mal às Forças Armadas como instituição, deforma-as outra vez e as desmoraliza (…) Os militares precisam fazer um exame honesto e profundo de sua relação com o país”, acrescentou Janio de Freitas.
O comportamento dos militares, porém, segue uma incógnita. Eles já estão envolvidos até o pescoço no governo Bolsonaro e um eventual desembarque ou ruptura não é tarefa simples. O fato é que a demissão de Moro fez um estrago considerável na base social de apoio do atual presidente.
Uma pesquisa do Atlas Político, divulgada pelo jornal El País, dia 27 de abril, apontou que, após a demissão do ministro da Justiça, 54% dos entrevistados responderam ser a favor de um impeachment de Bolsonaro. Na pesquisa anterior, realizada em março, 48% dos entrevistados apoiavam o impeachment.
A instabilidade do cenário político e da estrutura de sustentação do governo Bolsonaro anda de mãos dadas com a evolução da pandemia do coronavírus. Nas últimas semanas, cresceram, por todo o país, as pressões de grupos empresariais pela flexibilização do distanciamento social, o que começou a acontecer, oficialmente ou extra-oficialmente, em muitas cidades. As consequências dessa flexibilização não demoraram a aparecer. Em Passo Fundo, por exemplo, a Prefeitura começou a flexibilizar o distanciamento social no dia 17 de abril, reabrindo o comércio de rua. Uma semana depois, os casos explodiram na cidade, com focos no frigorífico da JBS e em um abrigo de idosos. No dia 26, um conjunto de entidades pediu à Prefeitura a ampliação imediata do distanciamento, pois estaria em curso “uma contaminação descontrolada de Covid-19” na cidade. É assim que o Brasil ingressa no período mais crítico da pandemia: sem comando e com um presidente que segue negando a gravidade do que está acontecendo.