CULTURA

Aulas inaugurais abrem programação do projeto

Por Redação / Publicado em 10 de abril de 2014
Aula Inaugural realizada em Vacaria e na Ulbra (Guaíba) somaram mais de 1,3 mil professores e estudantes

Foto: Glaci Salusse Borges/Ecarta

Aula Inaugural realizada em Vacaria e na Ulbra (Guaíba) somaram mais de 1,3 mil professores e estudantes

Foto: Glaci Salusse Borges/Ecarta

Mais de 1,3 mil estudantes e professores participaram das aulas inaugurais em Vacaria e Guaíba promovidas pelo projeto Cultura Doadora, da Fundação Ecarta, em parceria com a Universidade de Caxias do Sul (UCS), Prefeitura de Vacaria e Universidade Luterana do Brasil (Ulbra). As aulas inaugurais, ministradas pelo médico José Camargo (artigo abaixo),
um dos mais respeitados cirurgiões do Rio Grande do Sul, pioneiro no transplante de órgãos, abriram a programação 2014 do projeto Cultura Doadora, criado em 2012 com o objetivo de informar e estimular professores e coordenadores pedagógicos a abordar o tema da doação de órgãos em sala de aula. Camargo foi ovacionado pelo público. “Todos crescemos com essa oportunidade”, disse Luzmari das Dores Boeira de Camargo,
secretária municipal de Educação de Vacaria.

DOAÇÃO DE ÓRGÃOS
Um desafio para a sociedade
(Por José J.Camargo *)

A escassez de doações de órgãos continua sendo a principal limitante ao aumento do Número de transplantes, contrastando com o número crescente de potenciais receptores de órgãos, uma tendência esperada pelo aumento da idade média das pessoas e, consequentemente, o aumento da incidência de doenças degenerativas. O melhor modelo de captação de órgãos para a doação é o espanhol, no qual se chegou ao índice invejável de 35 doadores, por milhão de habitantes, por ano, o que explica porque na Espanha, há alguns anos, não há mais lista de espera para transplante, e muitos órgãos disponibilizados por doação têm sido oferecidos aos vizinhos franceses e alemães.

Nos EUA, o índice é de 24 doadores por milhão, mas a crescente demanda de novos candidatos ainda mantém as longas listas, com tempo de espera que pode chegar a dois anos. O Brasil vive uma situação paradoxal, porque dada à violência urbana e a loucura do trânsito, é um país com um dos mais altos índices de casos de morte encefálica (se estima que tenhamos entre 60-70 casos de morte cerebral, por milhão de habitantes, por ano)
e um dos mais baixos índices de doação (6-8 doadores, por milhão, por ano), o que Evidentemente se deve à desinformação, ignorância e misticismo.

Dentro do próprio país, esta relação entre nível social e índice de doação está bem explícita: quando o governo, tentando ajudar, promulgou a malfadada lei da doação compulsória, os índices de rejeição à medida foram diretamente proporcionais ao grau de pobreza social e cultural de cada região. Enquanto em regiões mais progressistas, os índices de negativa andaram abaixo de 20%, nas regiões sabidamente miseráveis, estes índices ultrapassaram 85%. Atualmente, temos Santa Catarina como estado modelo nacional, com a cifra de 30 doadores por milhão, tendo em 2013 ultrapassado os EUA neste quesito. E o RS, líder nacional durante 20 anos, caiu nos últimos anos para a sexta posição no ranking brasileiro, com cerca de 15 doadores por milhão/ano.

Em termos mais permanentes, só teremos constância nas doações se o assunto for incluído no currículo escolar, para que cada aluno seja no futuro um adulto consciente do seu papel de cidadão, integrante de uma sociedade condenada a se extinguir se antes não conseguir ser solidária. Vale a pena realçar que a discussão prévia do assunto é decisiva para que a doação se efetive. É muito improvável que alguém, agredido agudamente pela perda de um ente querido, tenha cabeça para decidir pela doação dos seus órgãos, se este assunto
nunca foi debatido antes, e o agora doador não teve a oportunidade de expressar o seu desejo.

Por outro lado, quando alguém em vida saudável, sensibilizado pelo drama dos que necessitam de um transplante, anuncia para os seus que, em caso de morte cerebral, gostaria de ser um doador, ele estará retirando de sua família o peso desta decisão.
Outra ponta importante do problema é a sensibilização da classe médica, que tem se revelado lamentavelmente omissa, deixando inclusive de cumprir um preceito ético, ao não comunicar qualquer caso de morte encefálica. É indispensável que os médicos se conscientizem que a sua missão ultrapassa os limites do atendimento daquele paciente
específico, para o qual evidentemente ele não terá mais nada a oferecer, mas que se continua com a possibilidade de que 7-8 pessoas possam ter suas vidas modificadas por um transplante.

É relevante realçar que sem a comunicação médica de morte encefálica, o processo, que pode culminar com a autorização da família, nunca se iniciará. Outro aspecto importante é que todos nós somos potenciais receptores e que a chance estatística de que um de nós ou alguém de nossa família precise de um transplante é muito maior do que venhamos a apresentar morte encefálica, o que quer dizer que somos mais potenciais receptores do que
potenciais doadores. Como a doação é um gesto de generosidade absoluta, porque tomado num momento em que houve a sublimação da própria dor para que outros tivessem a chance de continuar vivendo, este gesto gera um sentimento de gratificação e, de certa forma, de atenuação do sofrimento.

E isso será sempre assim, porque nós todos nascemos intrinsecamente bons, ainda que possamos piorar depois… O que é certo é que ninguém jamais vai se orgulhar de haver negado uma doação. O sentimento predominante mais tarde será sempre o de um profundo e irreparável remorso.

*Diretor médico do Centro de Transplantes de Órgãos da Santa Casa de Porto Alegre.

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