CULTURA

Verissimo pergunta: vem aí mais barbárie?

Em entrevista ao Extra Classe, o cronista admitiu que ainda teme um golpe e confessou que, se tiver que fugir, vai para a Nova Zelândia
Por Moisés Mendes / Publicado em 8 de julho de 2020

Foto: Raul Krebs

Foto: Raul Krebs

O mundo que teremos depois da pandemia é uma incógnita para o maior cronista brasileiro. Luis Fernando Verissimo diz fazer tudo o que os protocolos determinam para se proteger do coronavírus, enquanto se dedica a arrumar os livros em casa. Perto de completar 84 anos (no dia 26 de setembro), o escritor está comemorando 50 anos de crônicas com uma novidade. O livro que marca a data é apenas virtual, por enquanto. É o e-book Verissimo Antológico – Meio Século de Crônicas, ou Coisa Parecida, da Objetiva, com 316 textos. A versão impressa ainda está em estudos, por causa das indefinições provocadas pela pandemia. Nessa entrevista, o cronista conversou com o Extra Classe por e-mail. Admitiu que ainda teme um golpe e confessou que, se tiver que fugir, vai para a Nova Zelândia.


Extra Classe – A ameaça de golpe foi embora?

Luis Fernando Verissimo – O Planalto está cheio de militares. Na hora do cafezinho, que outro assunto eles podem ter? Acho que a ameaça continua.

EC – Deu pra imaginar o que poderia vir depois de um golpe? Seria como em 64?
Verissimo – O golpe de 64 foi um pouco como a Revolução Francesa. Começou com o Castelo Branco dizendo que a intervenção seria por pouco tempo e todos seriam bonzinhos, e logo veio o Terror. Mas como os atuais generais já ocuparam o poder sem dar um tiro, desta vez talvez seja diferente.

EC – O que pode chegar antes, a vacina ou a queda de Bolsonaro?
Verissimo – O ideal seria uma vacina de ação dupla, contra a volta do coronavírus e contra a reincidência de bolsonaros.

EC – Anunciam vacinas que podem custar até R$ 100. Poderemos ter a guerra da vacina?
Verissimo – O perigo é os americanos comprarem tudo, o que tornaria a questão acadêmica.

EC – E o que vem depois de Bolsonaro?
Verissimo – Depois do Bolsonaro o dilúvio, praga de gafanhotos ou, quem sabe, uma boa surpresa, como o despertar de uma esquerda viável.

EC – Uma guerra civil ainda é uma ameaça? Foi uma hipótese levantada numa crônica.
Verissimo – A guerra civil brasileira começou há anos, só não saiu ainda no Diário Oficial.

EC – Há um debate em torno do que seria uma dúvida acadêmica, se esse governo é ou não fascista. Essas definições ainda importam?
Verissimo – Há filofascistas, protofascistas, fascistas que negam que são fascistas e são os piores, e fascistoides, que ainda podem ser recuperados, pela hipnose ou tratamento com águas.

EC – Uma hipótese a ser sempre considerada nessas circunstâncias: o golpe acontece e descobrimos que a única saída é fugir. Mas fugir pra onde?
Verissimo – Nova Zelândia. Tenho me informado sobre o país, prevendo o pior, e sei que para imigrar você precisa provar que tem uma fonte de renda fixa e que tolera cordeiro cozido até no café da manhã, mas em compensação os militares não se metem em política.

EC – Qual é o personagem mais engraçado desse governo?
Verissimo – Mandaram embora o Weintraub, grande talento cômico, justamente quando ele planejava invadir o Supremo arrebanhando porcos vestindo togas, por puro preconceito. Depois o Olavo reclama e não sabem por quê.

EC – E o mais sem graça?
Verissimo – O Bolsonaro.

EC – Dos nomes que se apresentam como saída pós-Bolsonaro, quem te entusiasma?
Verissimo – Tem gente boa no horizonte. O problema é que o horizonte fica longe. É melhor esperar o pessoal chegar mais perto para ver quem entusiasma.

EC – Sempre diziam que alguém como Bolsonaro nunca seria eleito e que o Internacional nunca seria rebaixado. O que falta acontecer?
Verissimo – Pois é. Também disseram que o Titanic não naufragava, o Terceiro Reich duraria mil anos e o Gabiru nunca faria nada que prestasse.

EC – Há quatro anos, escreveste que faltava o cadáver, o primeiro morto na guerra aberta pela direita.
Verissimo – Se eu disse isso, retiro. Um cadáver já é demais, ainda mais nestes tempos de peste e intolerância.

EC – O que é bom e o que é ruim na quarentena?
Verissimo – O bom é o pretexto para arrumar os livros, o ruim é a impressão de que estaremos fazendo isto pelo resto da vida.

EC – Tem muita gente desafiando a clausura. Qual foi a arte que fizeste na quarentena?
Verissimo – Sou cardíaco, diabético e velho, quase um garoto propaganda para a necessidade de quarentenas. Sigo rigorosamente todas as instruções para driblar o corona.

EC – O mundo ficará pior ou melhor depois da pandemia?
Verissimo – Ficará certamente diferente, só não sei como. Vai unir a humanidade, consciente, pela primeira vez em gerações, da sua fragilidade e da necessidade de uma repaginação moral da espécie, ou vem aí mais barbárie? Não tenho a mínima ideia.

EC – Alguns estão prevendo que todos trabalharão em casa, com exceção dos entregadores de pizza. Isso é bom?
Verissimo – Tenho a impressão que o primeiro impulso da turma depois do cativeiro forçado será cada um correr para um lado e só se reencontrarem quando der saudade, ou nunca mais.

EC – As pessoas ainda se aglomeram na orla do Guaíba ou nas praias da Europa. Isso é só negacionismo ou tem mais alguma coisa?
Verissimo – Se não for um ímpeto de suicídio coletivo, é falta de informação. É impossível saber das mortes pelo vírus, que diminuem, mas nos Estados Unidos e no Brasil ainda estão em nível de massacre, e achar que só vai acontecer com o vizinho.

EC – Escreveste esses dias que estamos proibidos até de ver o sorriso das pessoas. O que veremos quando tirarem as máscaras?
Verissimo – As máscaras são miniburkas, que realçam os mistérios e as promessa dos olhos sem o resto do rosto para atrapalhar. Talvez vire moda quando tudo isto passar. Por enquanto sua função é impedir a propagação de perdigotos, claro.

EC – Há uma exibição nas redes sociais de novos talentos pessoais, de gente que aprendeu a cozinhar ou a tricotar. Qual foi a tua habilidade descoberta na quarentena?
Verissimo – Tenho exercitado muito o dedão para trocar o canal da televisão. Não sei se vale como contribuição à sociedade.

EC – E a sensação de viver sem futebol?
Verissimo – O lado bom da proibição do futebol é que o Inter não perdeu nenhum jogo até agora, este ano.

EC – Está saindo o Verissimo Antológico, em e-book, pela Objetiva, com meio século de crônicas. Qual é a sensação de ver tantos textos de tanto tempo reunidos?
Verissimo – Muitas crônicas eu já tinha esquecido, outras eu gostaria que ficassem esquecidas. Mas a seleção não fui eu que fiz. Sou inocente.

EC – Quais ficariam esquecidas?
Verissimo – Muitas, muitas.

EC – Por que os teus personagens ficaram de fora da antologia?
Verissimo – Foi uma decisão editorial. Não dei nenhum palpite.

EC – O que tu achas que nunca escreveste, o tema que nunca foi abordado?
Verissimo – Certos assuntos a gente evita, até por uma questão de escrúpulo pessoal. Mas aí entra a velha questão: o humor deve ou não ter limites? Uma discussão que vai longe.

EC – E aquele personagem que quase foi criado.
Verissimo – Eu sou do tempo em que a gente escrevia o que queria, na esperança sempre renovada que o próprio jornal não deixaria sair. Mas às vezes se distraiam e deixavam passar. Uma vez censuraram um texto meu sobre o Darwin. A teoria da evolução era proibida, junto com o Brizola e o dom Helder Câmara.

EC – Afinal, aconteceu finalmente a tua adesão à bengala?
Verissimo – Sei não, mas acho que a bengala será uma espécie de rendição.

A antologia dos 50 anos de crônicas de Verissimo está à venda na editora Objetiva

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