O superdesperdício da soja
Foto: Vanessa Almeida de Moraes
Um recorde positivo na produção do principal grão das lavouras gaúchas foi sucedido por outro recorde negativo. Os 10,5 milhões de toneladas de soja que rechearam os silos e as indústrias do setor na safra 2010/2011 geraram um dos maiores índices de desperdício da história. De um ano para outro, as perdas com a colheita em 70% da totalidade das áreas cultivadas dobraram. Ao todo, foram 420 mil toneladas que ficaram pela terra depois que as colheitadeiras passaram. Se acrescentarmos o transporte por caminhão e armazenagem (210 mil toneladas ou 2% do total), o volume de perdas ficou entre 6% e 7%, 630 mil toneladas. O prejuízo apenas com a colheita equivale a cerca de R$ 300 milhões.
Estudo orientado por entrevistas com agricultores e por análise quantitativa de amostras em diversas regiões do estado, feitas pelo técnico da Emater-RS de Carazinho, Cláudio Dóro, estimou que a média de perdas durante a colheita saltou de 2% para 4%. Ele concluiu que a superprodução foi um dos fatores decisivos. Apenas durante o processo de colheita, foram desperdiçadas 420 mil toneladas de soja ou 120 quilos por hectare.
Segundo Dóro, o ajuste precário das colheitadeiras, a baixa profissionalização dos operadores das máquinas, a espécie de soja plantada no estado e a pressa foram os vilões. Com a chegada do período de colheita, os produtores costumam acelerar as máquinas. “Quando a automotriz bate no grão aberto para jogar para o espaço de armazenamento, muitos grãos caem no chão”, explica Dóro.
Pressa e desleixo
Foto: Vanessa Almeida de Moraes
Foto: Vanessa Almeida de Moraes
O ciclo de chuvas favoreceu o plantio e a colheita na safra deste ano. Choveu na hora certa entre outubro e dezembro para plantar. Entre março e abril, as chuvas estancaram no tempo adequado para permitir condições perto das ideais para colheita. A produtividade da soja gaúcha foi, em média, de 3 toneladas por hectare, cerca de 50 sacas de 60 quilos. Duas sacas dessas, no entanto, deixaram de ser colhidas. Isso significa que em torno de 120 quilos, o equivalente a R$ 30, se perderam.
É o mesmo que deixar uma grande porção de terras sem plantio. Seriam 140 mil hectares de terras ociosos o que as perdas representariam. É como se 7 mil propriedades de 20 hectares cada não jogassem uma única semente na terra, prejuízo aproximado de R$ 315 milhões, considerado o preço de R$ 750 a tonelada. Os grãos que nem chegaram a ir para o caminhão permitem fazer uma analogia ainda mais grave: poderiam alimentar 250 milhões de brasileiros, ou seja, 1,3 vezes a população, que é de 190 milhões de habitantes, segundo dados do IBGE, em um único dia, levando-se em conta uma dieta de 2 mil calorias. E só em soja perdida no RS. Pode-se imaginar quantas pessoas poderiam comer com as perdas em todo o Brasil.
Equação do retrocesso
Os números expostos pela Emater seriam otimistas na visão do ex-professor universitário e consultor de produtores rurais, Plínio Pacheco Pinheiro, especialista em ecologia e mecanização agrícola. Além de corroborar as conclusões da Emater, ele acrescenta outros dados. A falta de uma cultura de treinamento de operadores nas fazendas e o avanço tecnológico desenharam uma equação de retrocesso. “O fator número um de perdas é a manutenção das máquinas”, aponta.
Segundo ele, há uma crença nas fazendas brasileiras de que a experiência de vários anos de um operador e a tecnologia avançada das atuais colheitadeiras são suficientes. “Não são”. Consultor de produtores em vários países da América do Sul, além do Brasil, Pinheiro cita o Paraguai como exemplo de produtividade e redução de perdas. Há casos de fazendas paraguaias em que se desperdiçam entre 18 e 20 quilos por hectare, dez vezes menos que no Brasil. “Os produtores de soja paraguaios são brasileiros, usam sementes brasileiras, máquinas gaúchas e perdem muito menos. O país já é terceiro maior produtor de soja do mundo. Eles são humildes para reconhecer que precisam aprender”, explica o especialista.
Mas como se recupera a comida perdida? Com treinamento de operadores diretamente nas fazendas. É isso que suas consultorias procuram fazer. Ensinar operadores a reduzir as perdas com informação. E funciona, segundo ele. “Um operador que fica 15 minutos por dia em volta da máquina ajustando, arrumando, paga o salário de um mês apenas com o que vai deixar de perder. Temos que começar a perceber que trocamos fuscas por Ferraris. Não adianta pensar que uma máquina computadorizada vai resolver tudo. Tem que aprender a usar. Dirigir um Fusca não é o mesmo que dirigir uma Ferrari”.