Quem patrocina a destruição da Amazônia e o genocídio dos povos indígenas
Foto de capa do relatório: Bruno Kelly/Amazônia Real/ Apib
As conexões de instituições financeiras internacionais com empresas locais associadas a conflitos em territórios indígenas e violações dos direitos dos povos originários na Amazônia são apontadas no relatório inédito Cumplicidade na Destruição, publicado no dia 27 de outubro pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e a ONG Amazon Watch.
Trata-se de uma complexa rede de financiamento internacional diretamente ligada a empresas implicadas em violações de direitos indígenas e conflitos em seus territórios no Brasil.
Só o fundo de investimentos BlackRock, gigante global da especulação financeira com ramificações na América Latina e no Brasil, investiu US$ 8,2 bilhões em ações e títulos de nove empresas que têm como negócio a destruição da floresta, a promoção de conflitos agrários e genocídio.
Outras cinco instituições financeiras norte-americanas são apontadas como financiadoras da destruição: Citigroup, J.P. Morgan Chase, Vanguard, Bank of America e Dimensional Fund Advisors. Em bloco, elas investiram mais de US$ 18 bilhões desde 2017 até agora, em empresas locais cujas atividades estão ligadas a invasões, desmatamento e violações de direitos indígenas na Amazônia.
Para o capital, indígenas atrapalham o desenvolvimento
Três setores estratégicos para a economia brasileira – mineração, agronegócio e energia – geraram conflitos com povos indígenas da Amazônia nos últimos anos. Foram mapeados casos envolvendo as mineradoras Vale, Anglo American e Belo Sun; as empresas do agronegócio Cargill, JBS e Cosan/Raízen; e as companhias de energia Energisa Mato Grosso, Equatorial Energia Maranhão e Eletronorte, abrangendo os estados do Pará, Maranhão, Mato Grosso, Amazonas e Roraima.
Foto: Todd Southgate/Fundação Darcy Ribeiro
Foto: Todd Southgate/Fundação Darcy Ribeiro
Foto: Todd Southgate/Fundação Darcy Ribeiro
Foto: Todd Southgate/Fundação Darcy Ribeiro
Guerreiros Yawalapiti no Encerramento do Encontro dos Povos Mebengokrê na aldeia Piaraçu, na Terra Indígena Capoto Jarina, Mato Grosso, em janeiro de 2020“O fluxo de investimentos estrangeiros para empresas que atuam no Brasil se expandiu em uma intrincada rede internacional. Na cadeia desses projetos, os povos indígenas são tratados muitas vezes como um ‘entrave para o desenvolvimento’, e as suas terras são invadidas, ocupadas, saqueadas e destruídas”, afirma Eloy Terena, advogado da Apib.
“Esses conflitos materializam-se na pressão pela abertura de novas frentes de exploração nos territórios indígenas, levando a ataques diretos de grileiros e outros invasores, junto com o sistemático desrespeito à legislação que protege as terras e direitos indígenas”, detalha.
De acordo com dados analisados pela Apib e pela Amazon Watch, a maior gestora de ativos do mundo, a BlackRock, possui investimentos em nove das onzes empresas identificadas nesse relatório.
A BlackRock detém US$ 8,2 bilhões em ações e títulos das empresas JBS, Energisa, Belo Sun, Vale, Anglo American, Cargill, Cosan, Eletrobras e Equatorial Energia.
Apesar de ter adotado, no início de 2020, medidas para lidar com seus investimentos em setores que causam danos ao clima, a BlackRock não possui uma política sobre como lidar com investimentos que possam impactar os direitos de povos indígenas.
Tampouco tem se comprometido a pressionar as empresas nas quais ela investe para atuar pelo fim do desmatamento nas florestas tropicais como a Amazônia.
Foto: Patrick Raynaud/Mídia Índia
A segunda maior gestora de ativos do mundo, a Vanguard, possui ações e/ou títulos em oito dessas empresas: Anglo American, Cargill, Cosan, Eletrobras, Energisa, Equatorial Energia, Vale e JBS, totalizando US$ 2,7 bilhões.
O banco J.P. Morgan Chase, cujo Marco de Política Socioambiental inclui um compromisso específico com a proteção dos direitos indígenas, investiu US$ 2,4 bilhões nas empresas Anglo American, Cargill, Cosan, Eletrobras, Energisa, Equatorial, Vale e JBS.
“As pesquisas realizadas apontam que grandes empresas do setor financeiro como BlackRock, Vanguard e J.P. Morgan Chase estão usando o dinheiro de seus clientes para permitir ações hediondas de empresas ligadas a violações de direitos indígenas e à devastação da floresta amazônica”, afirma a Christian Poirier, diretor de programas da Amazon Watch.
“Esta cumplicidade do setor financeiro com a destruição contradiz os compromissos com o clima e os direitos humanos apregoados por algumas dessas empresas, expõe seus investidores a graves riscos e contribui de forma dramática com as crescentes crises mundiais da biodiversidade e do clima”, aponta Poirier.
JBS: patrocinando a lavagem de gado
Foto: Tommaso Protti/ Greenpeace
Mundialmente conhecida por sua falta de compromisso em rastrear fornecedores indiretos e atuar com “lavagem de gado”, a JBS comprou gado criado ilegalmente dentro das terras indígenas Uru-Eu-Wau-Wau (RO) e Kayabi (MT).
A lavagem de gado é uma prática criminosa adotada por grileiros de terras e pecuaristas com a cumplicidade de frigoríficos e consiste em transferir rebanhos que engordaram em terras públicas invadidas pela grilagem para uma fazenda certificada antes de enviar para o abatedouro com notas falsas que atestam a “origem” do gado.
Nesse caso, a JBS comprou gado ilegal de um pecuarista que acumula mais de R$ 20 milhões em multas ambientais desde os anos 2000 por desmatar a Amazônia.
Apenas entre 2018 e 2019, o fazendeiro Jair Roberto Simonato transferiu 3 mil bois criados na Fazenda Santa Laura do Xibanti, que invade a TI Kayabí, para o Sítio Nossa Senhora Aparecida, em nome de seu filho Talis Roberto Simonato, que então vendia os bois para a fazenda de confinamento Guimarães, da JBS, em Lucas do Rio Verde (MT).
Energisa, Belo Sun e Vale: ligações com grilagem e garimpo
Arte: Apib
Em 2019, a Energisa Mato Grosso foi indiciada pelo Ministério Público Federal por fornecer eletrificação rural a posseiros ilegais que vêm promovendo invasões ao território indígena Urubu Branco desde 1998. A empresa negou acesso aos dados pessoais dos invasores, enquanto rejeitou consistentemente eletrificação às aldeias, alegando que o território estava sob disputa.
Já a mineradora canadense Belo Sun tem 11 onze processos de pesquisa em análise na Agência Nacional de Mineração que ameaçam diretamente as terras indígenas Arara da Volta Grande do Xingu e Trincheira Bacajá, no Pará. Embora negue, a Vale também tem centenas de requerimentos para explorar dentro de terras indígenas na Amazônia. E a Estrada de Ferro Carajás afeta diretamente quatro terras indígenas: Rio Pindaré, Mãe Maria, Xikrin e Arariboia. A Vale é acusada por indígenas de descumprir seguidamente os acordos firmados para amenizar os impactos.
Conflitos nos territórios e violações aos direitos indígenas envolvendo as outras empresas são descritos no relatório em suas versões em português e inglês distribuídas para a imprensa e organismos internacionais.
O documento Cumplicidade na Destruição III tem como ponto de partida pesquisas feitas pelo observatório jornalístico De Olho nos Ruralistas (DONR) e pela instituição de pesquisa holandesa Profundo. O DONR mapeou as atividades de empresas brasileiras e internacionais a fim de identificar abusos como invasões de terras indígenas, desmatamento ilegal e outras violações de direitos indígenas em todo o Brasil.
Com base nesse levantamento inicial, a Profundo analisou cadeias produtivas, compradores e investidores internacionais, em um cruzamento de dados que levou à identificação das 11 companhias citadas no relatório. O documento também fornece recomendações para empresas que atuam no Brasil, companhias importadoras, instituições financeiras e também para governos e legisladores em todo o mundo.