Arte: Rafael Sica
Arte: Rafael Sica
Seqüência
Ensangüentado
Consangüíneo
Eqüitativo
Freqüência
Freqüente
Freqüentado
Lingüeta
Ex-tremados
Agora não adianta mais pôr os pingos nos us: o trema entregou os pontinhos. Como vamos agüentar sem eles, se até o verbo já não aguenta como aguentava?
Não se mexe assim no idioma. Afeta a lingüística, da eloqüência à grandiloqüência, deixa o papo inexeqüível. E não apenas a nossa língua: com tal ambigüidade, o que será dos bilíngües e trilíngües? Putz.
Sem contar com os efeitos na segurança pública. Sem trema, a sociedade fica desregrada até fora da linguagem. Sem tremas para assinalar o correto, as incorreções aumentam, a delinqüência e os delinqüentes se transformam em deliquência maior ainda, com mais deliquentes nas ruas.
Assim, na hora final, o finado era depositado numa cova, num túmulo, ou até em mausoléu, e nenhuma linha bem-escrita sublinhava sua trajetória neste vale de lágrimas. Apenas clichês em baixo relevo, o lugar-comum no mais comum dos lugares.
Daí, sem o controle do trema, haverá descontrole nos seqüestros: além das pessoas, os seqüestradores seqüestrarão palavras. Calcule as seqüelas. De intranqüilos passaremos a intranquilos. Apazigüemos. Na falta do trema, a polícia não poderá argüir direito os suspeitos, nem contar com alcagüetes. E a gente aqui, sem poder redargüir.
E as confusões não acabam aí: quem garante que a nota de cinqüenta vai valer o mesmo sem trema? Se enxágüe vira enxágue, as roupas não ficarão tão bem enxaguadas. Imagine o caos entre as coisas, se desmilingüindo desordenamente. Pense nas receitas modificadas das lingüiças, a perda do sabor, sem a qualidade transcendental de pingos tão apetitosos. Bah.
Em aula, as freqüentes perguntas: quem foi Anhanguera?
Até quem não usa trema sofrerá o impacto da ausência. Olhe os eqüinos, os sagüis, os pingüins: uns terão mais dificuldades na vida eqüestre, outros, desassistidos pelo Ibama; e os últimos, coitados lá no rigor da Antártica.
Outro dano é na orientação humana: retire o trema de termos essenciais na localização, e estamos perdidos: erros nos ângulos da obliqüidade, a contigüidade ficara espaçada, a eqüidistância não será tão eqüidistante, o eqüilátero terá lados desiguais. Pior pra Deus, que perderá sua ubiqüidade!
Por fim, o efeito na passagem do tempo, confusão sem fim: qüinqüenal e qüinqüênio não terão 5 anos exatos; qüinqüídio poderá ter 4 ou 6 dias; qüinqüimestre, então, serão mesmo 5 meses? E as incertezas nas colocações? Qüingentésimo e qüinquagésimo, que lugares serão na seqüência? E pra saber como ficarão os cinqüentenários, só esperando no mínimo meio século.
Fim do trema. É a própria antigüidade que fica mais moderna e o que era antiqüíssimo dependerá de releitura com carbono 14.
Não há ungüento para as conseqüências.