JUSTIÇA

ONG vai contestar judicialmente laudo que apontou causa da morte de ativista negra

O legista atestou “rompimento espontâneo de um aneurisma” como sendo a causa da morte da ativista Jane Beatriz da Silva durante abordagem policial na vila Cruzeiro, em Porto Alegre, no dia 8 de dezembro
Por Flavio Ilha / Publicado em 11 de dezembro de 2020
Jane Beatriz da Silva morreu durante abordagem policial em sua casa, na Vila Cruzeiro, no dia 8 de dezembro

Foto: Redes sociais/Reprodução

Jane Beatriz da Silva morreu durante abordagem policial em sua casa, na Vila Cruzeiro, no dia 8 de dezembro

Foto: Redes sociais/Reprodução

A ONG Themis anunciou nesta sexta-feira, 11 de dezembro, que vai recorrer judicialmente contra o laudo do Instituto Geral de Perícias do Estado (IGP), que apontou como decorrente do “rompimento espontâneo de um aneurisma” a causa da morte da ativista Jane Beatriz da Silva, 60, ocorrida na última terça-feira, 8, durante abordagem policial na vila Cruzeiro, zona sul de Porto Alegre. A causa da morte, segundo o IGP, foi determinada por um legista com especialização em neurocirurgia.

A assessoria jurídica da organização, além disso, pretende se habilitar como assistente de acusação no inquérito que irá apurar as causas da morte de Silva, que era servidora da Guarda Municipal de Porto Alegre e Promotora Legal Popular da Themis – a ONG atua há mais de 25 anos no enfrentamento da violência contra mulheres.

Desacordo com as investigações

“Nos causa surpresa a rapidez com que a causa da morte foi divulgada, e ainda mais atestada por um perito altamente especializado. A declaração de óbito divulgada pelo IGP está em total desacordo com as investigações paralelas que estamos realizando junto à comunidade. Queremos acesso ao conteúdo integral do laudo”, afirmou a coordenadora de projetos da Themis, Renata Jardim.

A informação do IGP, divulgada no mesmo dia da morte de Silva, confirmou também que não havia sinais de trauma corporal que pudessem justificar uma suposta morte violenta de Silva, embora não tenha apontado as razões para o acidente cerebral. De acordo com o exame, a causa da morte foi clínica. O laudo completo deverá ser concluído apenas na semana que vem.

Falsa acusação gerou abordagem

A origem do caso é uma falsa acusação de tráfico de drogas, depois trocada para maus tratos pela Brigada Militar. A desastrada ação da Brigada, segundo os moradores, teria causado a morte da ativista, que era militante do movimento negro.

Segundo as testemunhas ouvidas pela ONG, Silva voltava do supermercado na tarde de terça-feira quando foi surpreendida pela presença dos policiais dentro de sua casa. Ela reagiu e, de acordo com relatos de pessoas que presenciaram a cena, teve uma pistola apontada para o abdômen e foi empurrada por um dos brigadianos. Depois da queda, perdeu os sentidos.

Não foi caso isolado

Nos protestos, população da Vila Cruzeiro pede justiça para Jane

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“Não foi um caso isolado. A BM já vinha fazendo abordagens ilegais há dias e não era a primeira vez que a casa da nossa ativista tinha sido invadida. Ela manifestou preocupação quanto a isso”, reforçou Jardim. A porta-voz da Themis também informou que, após desmaiar, Silva foi deslocada para o sofá da sala. Uma enfermeira que presenciou a cena se ofereceu para prestar socorro à vítima, mas foi impedida pelos policiais, ainda de acordo com as testemunhas.

A morte ocorreu no dia em que se completaram mil dias do assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, no Rio de Janeiro. Em nota, referendada por mais de 300 entidades de combate à violência policial, a Themis acusou a Brigada Militar de assassinato. “A ativista foi assassinada brutalmente”, publicou a ONG em suas redes sociais.

Morreu na viatura

Jardim informou ainda que, segundo a investigação paralela da Themis, Silva morreu na viatura da Brigada Militar a caminho do posto de saúde que existe na comunidade. Os moradores afirmaram que a ativista foi colocada de forma brutal pelos policiais na viatura, no local destinado ao transporte de suspeitos. Segundo essas fontes, mais de 15 brigadianos participaram da operação.

A ONG também contesta a acusação de que a Brigada foi ao local investigar uma denúncia de maus tratos contra vulnerável. Em primeiro lugar, porque não é função da BM atuar de forma independente em relação a esses casos – e sim a pedido do Conselho Tutelar. Além disso, o Conselho não registra qualquer denúncia contra Jane Beatriz da Silva.

BM negou agressão

Moradores foram as ruas em protesto mais de uma vez desde o ocorrido

Foto: Reprodução/Redes Sociais

Moradores foram as ruas em protesto mais de uma vez desde o ocorrido

Foto: Reprodução/Redes Sociais

A Brigada Militar negou a agressão e afirmou que Silva foi vítima de um “mal súbito”. Os policiais, entretanto, mudaram a versão inicial de tráfico para maus tratos em vulnerável. As circunstâncias da morte estão sendo apuradas na 6ª Delegacia de Polícia de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DPHPP). A Corregedoria da Brigada Militar também investiga o caso.

Moradores da vila Cruzeiro foram às ruas na terça-feira em protesto contra a morte da ativista, que era muito conhecida na comunidade. Barricadas foram erguidas na avenida Tronco e um veículo acabou sendo incendiado no prtesto. A BM dispersou os manifestantes com bombas de efeito moral e munição não letal.

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