A economia verde e o novo capitalismo
Foto: Instituto Vitae Civillis / divulgação
A economia verde no contexto do desenvolvimento sustentável e da erradicação da miséria é um dos temas centrais da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, que acontece no Rio de Janeiro (RJ) de 4 a 6 de junho de 2012, chamada de Rio+20 porque será realizada duas décadas depois da Rio 92, a maior conferência internacional já organizada pela ONU onde nasceu a Agenda 21 e duas importantes convenções, a de Mudança do Clima e a de Diversidade Biológica.
Para subsidiar os encontros preparatórios da Rio+20 que já estão ocorrendo em diversos países, inclusive no Brasil (leia box), o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) divulgou recentemente o relatório Rumo a uma Economia Verde: Caminhos para o Desenvolvimento Sustentável e a Erradicação da Pobreza defendendo um investimento anual de US$ 1,3 trilhão (cerca de 2% do PIB mundial) em dez setores estratégicos para a transição rumo à economia verde.
Ainda segundo o relatório do Pnuma, um investimento anual de cerca de 1,25% do PIB mundial em eficiência energética e energias renováveis poderia reduzir a demanda global por energia primária em 9% em 2020 e em 40% até 2050. Os dez setores identificados no relatório como fundamentais para tornar a economia global mais verde são: agricultura, construção, abastecimento de energia, pesca, silvicultura, indústria, turismo, transportes, manejo de resíduos e água.
Nas duas últimas décadas, muitos avanços ocorreram na conscientização ambiental e na tecnologia de comunicação, de monitoramento e de produção, avalia Aron Belinky, coordenador dos Diálogos Nacionais Rumo à Rio+20 ligado ao Instituto Vitae Civilis. “Durante a Rio 92, o aquecimento global, o esgotamento dos recursos naturais e os problemas ambientais urbanos ainda eram novidade. Hoje são temas aceitos como prioritários para a nossa sobrevivência”, constata Belinky.– Por outro lado, a tradução desse aumento de consciência e do avanço tecnológico em mudanças efetivas no dia-a-dia está demorando muito por duas razões. Muitos dos fatores negativos não têm implicação econômica séria para quem está gerando esses problemas, tem custo zero. Sem precificação é difícil mudar. O outro motivo é a falta de mecanismos de incentivo. Os que existem são pífios. Os combustíveis fósseis, por exemplo, são muito mais subsidiados do que as energias renováveis.
Para Aron Belinky, o modelo energético brasileiro proíbe a geração descentralizada de energia, o que dificulta a adoção de tecnologias limpas para geração de energia. Outro equívoco, do ponto de vista da sustentabilidade, é a falta de benefícios fiscais para peças de reposição de equipamentos eletro-eletrônicos. “Os veículos grandes também deveriam ser mais tributados, pelo uso esbanjador do espaço urbano”, pondera o coordenador dos Diálogos Nacionais Rumo à Rio+20.
Código Florestal e Rio+20
O novo Código Florestal, aprovado na Câmara dos Deputados no dia 24 de maio, permite o uso das áreas de preservação permanente (APPs) já ocupadas com atividades agrossilvipastoris, desde que o desmatamento tenha ocorrido até 22 de julho de 2008. Emenda apresentada por deputados do PMDB, entre eles Paulo Piau (MG), líder da Frente Parlamentar da Silvicultura, dá aos estados o poder de estabelecer outras atividades que possam justificar a regularização de áreas desmatadas.
Se o proprietário da terra optar por recompor a vegetação da reserva legal, as árvores exóticas poderão ocupar até 50% do total da área a ser recuperada, confirmando anúncio feito no dia 19 de abril em Porto Alegre pela ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira. Logo após a votação, o Greenpeace divulgou nota à imprensa alertando que a decisão dos deputados coloca em questão a credibilidade do país para sediar, no ano que vem, a Rio + 20. “A capacidade do Brasil de liderar uma ação global contra o desmatamento e as mudanças climáticas está sob sérias dúvidas”, afirmou Paulo Adario, diretor da Campanha Amazônia da entidade ambientalista internacional. O projeto deve sofrer alterações no Senado Federal.
Foto: SCX.HU
Conselho empresarial quer Brasil na liderança
Foto: CBDS/divulgação
Só em recursos naturais, saúde e educação, a magnitude dos negócios verdes poderá chegar à ordem de 500 bilhões a 1,5 trilhão de dólares por ano em 2020, alcançando entre 3 trilhões e 10 trilhões de dólares por ano em 2050 – considerando-se os preços atuais –, o que deve significar algo em torno de 1,5% a 4,5% do PIB mundial em 2050. O cálculo consta do relatório Visão 2050, divulgado no final do ano passado pelo Conselho Empresarial Mundial para o Desenvolvimento Sustentável.
“A instituição de políticas públicas corretas é um dos indutores fundamentais para acelerar o processo de transição do modelo de desenvolvimento tradicional para a economia verde”, defende Marina Grossi, presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), entidade que prepara uma versão nacional do relatório Visão 2050 e realizará em setembro no Rio de Janeiro evento internacional preparatório para a Rio+20.
– Devemos estabelecer metas para enfrentar nossos grandes desafios na área de Educação, Saúde, Saneamento, Transporte, bem como de tratamento de resíduos sólidos, adaptação de nossas cidades para o novo cenário climático e combate à pobreza. As questões devem ser enfrentadas a partir de um modelo que estimule a eficiência econômica, assegurando o uso racional dos serviços ambientais e garantindo a inclusão dos milhões de brasileiros no mercado formal. Se soubermos aproveitar o potencial de crescimento do país a partir de bases sustentáveis e o incrível espírito empreendedor do nosso povo, venceremos esse desafio.
“Alguns países, como Estados Unidos e China, já iniciaram a corrida verde. Aqui no Brasil, temos uma situação bastante privilegiada, com a mais limpa matriz energética entre as grandes economias do planeta, dispomos de água, rica biodiversidade, solo disponível e todas as condições para assumir a liderança nessa corrida. Mas ainda não deslanchamos. As políticas públicas devem estimular a valorização desses ativos ambientais”, destaca Marina Grossi, presidente do CEBDS.
Foto: Gilson Oliveira / PUCRS / Divulgação
Avanço depende do sucesso nas negociações climáticas
O avanço da economia verde está diretamente ligado ao sucesso das negociações que irão ocorrer na 17ª Conferência da ONU sobre Mudança do Clima que acontece em Durban, na África do Sul, de 28 de novembro a 9 de dezembro de 2011. A aprovação de um segundo período de compromisso para o Protocolo de Quioto, cujo primeiro período de obrigação de redução das emissões de gases estufa encerra em 2012, será um enorme incentivo aos negócios verdes.
As negociações estão muito difíceis. A crise financeira iniciada no quarto trimestre de 2008 continua afetando os países desenvolvidos, que, com isso, estão relutantes em ter um segundo período de compromisso do Protocolo de Quioto. Sem este segundo período de compromisso, perderemos toda a regulamentação que obriga as reduções de uma maneira vinculante em legislação internacional, informa José Domingos Gonzalez Miguez, secretário executivo da Comissão Interministerial para a Mudança Global do Clima.
O segundo problema é a catástrofe que ocorreu no Japão em março, pois nos países desenvolvidos existem centrais nucleares instaladas há mais de 30 anos que, por causa do que ocorreu na usina de Fukushima, de 1971, estão sendo revistas e estão parando. Na medida em que estas usinas térmicas nucleares forem substituídas por usinas térmicas com combustíveis fósseis, como o carvão, vão aumentar ainda mais as emissões de gases de efeito estufa.
“A economia verde está neste contexto. Só o mercado voluntário não funciona. Um mercado obrigatório criado pelos governos é um incentivo muito rápido para implementá-la. Um exemplo concreto foi o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo no Brasil, um dos instrumentos econômicos do Protocolo de Quioto, que viabilizou a adoção da co-geração de energia com bagaço de cana-de-açúcar, que vinha sendo discutida no país desde 1975 e nunca tinha sido implementada”, ressalta Miguez.
Foto: Gilson Oliveira / PUCRS / Divulgação
Modelo civilizatório em xeque
Na Rio+20, o tema central que será tratado pelo Brasil será a erradicação da miséria, informa José Vicente de Freitas, coordenador nacional do Programa Agenda 21 Brasileira do Ministério do Meio Ambiente. Para ele, a única forma de mudarmos o rumo da crise socioambiental em que vivemos enquanto sociedade contemporânea é construir um outro modelo civilizatório que não pode estar baseado no desenvolvimento.
“Como diz Leonardo Boff, nenhum desenvolvimento pode ser sustentável. Eu acho que o setor produtivo há tempo incorpora no seu processo de produção e de comércio alguns indicadores socioambientais que reduzem significativamente os impactos sobre os recursos naturais. Mas isso não resolve. A única forma que nos livraria de uma catástrofe é mudar o modelo civilizatório”, defende o educador ambiental. O crescimento verde, na opinião de Freitas, representa um determinado momento da nossa compreensão sobre a crise, mas não é definitivo: “É necessário uma estabilização econômica, uma distribuição de renda. A questão não pode ser vista apenas como oportunidade de negócio. Muito do que o setor produtivo fez até agora foi incorporar um valor simbólico, sem mudar sua estrutura de produção”.
Governança ambiental contra o caos
Além da “economia verde no contexto do desenvolvimento sustentável e da erradicação da miséria”, o outro tema central da Rio+20 que acontece daqui a um ano no Rio de Janeiro (RJ) será a “estrutura institucional para o desenvolvimento sustentável”. Os mais de 500 acordos ambientais multilaterais em vigor atualmente não conseguiram conter ainda o aquecimento global e a perda de biodiversidade.
Reforçar o orçamento e o poder do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) é uma das soluções sugeridas para organizar o caos institucional criado por centenas de acordos multilaterais hoje pulverizados na enorme burocracia diplomática da Organização das Nações Unidas. A proposta, no entanto, está longe de obter um consenso entre as nações.
Utilizar ‘economia verde’ apenas como instrumento de marketing não adianta
Foto: Ministério da Fazenda / divulgação
Nesta entrevista exclusiva concedida ao jornal Extra Classe, o secretário de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda, Carlos Márcio Bicalho Cozendey, explica quem ganha e quem perde com a economia verde e o quê estará em jogo daqui a um ano na Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), que acontecerá no Rio de Janeiro entre 4 e 6 de junho de 2012.
Extra Classe: Como o governo federal se prepara para a Rio+20 e qual a participação do Ministério da Fazenda?
Cozendey: A coordenação da preparação para a Rio+20 é feita pelo Itamaraty e pelo Ministério do Meio Ambiente. Será criada uma Comissão Interministerial, da qual a Fazenda participará, para a coordenação da preparação das posições do Brasil na Rio+20. Ao mesmo tempo, a preparação logística do evento, sob coordenação do Itamaraty, já está em marcha. Será um evento grande, que, como em 1992 durante a Conferência da ONU sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio 92), irá além da reunião intergovernamental e reunirá diversos foros paralelos da sociedade civil e do setor empresarial.
Extra Classe: Na sua avaliação, o que pode sair de concreto na Rio+20?
Cozendey: A conferência ainda está em fase inicial de preparação e a discussão até aqui ainda esteve bastante ligada à definição dos temas e do escopo da conferência. No momento amadurece a discussão conceitual sobre economia verde num marco de desenvolvimento sustentável e começa a efervescer a discussão sobre a governança dos temas ligados ao desenvolvimento sustentável: como articular o funcionamento dos acordos ambientais, se cabe ou não criar uma nova instituição para gerilos, se faz mais sentido reestruturar a Comissão de Desenvolvimento Sustentável da ONU para esse papel etc. O foco da conferência não é na negociação de novos instrumentos internacionais, novos Acordos, mas na implementação dos existentes, em particular os grandes acordos resultantes da Rio 92. Deve haver discussões sobre formas de monitoramento, indicadores de desenvolvimento sustentável, e também, espero, uma discussão na direção prática de como identificar projetos de desenvolvimento sustentável que os países queiram integrar em suas estratégias nacionais e que possam receber apoio da comunidade internacional. Nesse sentido, as questões de financiamento e transferência de tecnologia, incluindo as formas de participação do setor privado no processo de constituição de um programa de economia verde, deveriam ter também lugar de destaque.
Extra Classe: Quem ganha e quem perde com a economia verde no Brasil, um dos temas centrais da Rio+20?
Cozendey: Há potencial de ganho em todos os setores, na medida em que todos os setores da economia podem avançar a formas mais sustentáveis de produção, conforme a sociedade como um todo procura um modelo de desenvolvimento sustentável. Vão perder os setores que não compreenderem esse movimento e não se prepararem, porque a tendência é que, seja por meio de uma preferência modificada dos consumidores, seja pelos estímulos e regulamentação criados pelo Estado, as atividades que não atentem às necessidades sociais e ambientais percam viabilidade. Parte importante do programa da economia verde será criar instrumentos que, na linguagem econômica, “internalizem os custos ambientais”. Água limpa, por exemplo, não é de graça, embora pareça, dada a abundância que há no Brasil. Emitir gases de efeito estufa gera um custo sob a forma de mudanças do clima, e assim por diante. Será mais caro poluir, emitir gases de efeito estufa, desrespeitar a legislação trabalhista e haverá menos mercado para produtos que não levem isso em conta. Então ganha quem antecipar o movimento e avançar nessa direção, perde quem ficar parado e achar que dá para continuar a produzir com base em trabalho escravo e infantil, com base em desmatamento etc.
Extra Classe: A economia verde pode vir a ser um tema central no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC)?
Cozendey: Na Rodada Doha de negociações comerciais da OMC há uma negociação específica sobre bens ambientais e também uma negociação para disciplinar subsídios que causam pesca nãosustentável. Infelizmente, as negociações da Rodada estão em impasse há alguns anos e não parece haver perspectiva de superação a curto prazo. A OMC não é um foro de discussão de questões ambientais, mas se queremos um desenvolvimento sustentável, todos os aspectos da economia, inclusive o comércio internacional, devem levar em conta a integração dos objetivos econômicos, sociais e ambientais.
Extra Classe: Em artigo publicado no livro The Road to Rio+20 lançado no início de março pelas Nações Unidas, o senhor defende a economia verde como um programa para o desenvolvimento sustentável, citando os riscos e oportunidades para os países em desenvolvimento. Que medidas estão ao alcance do Ministério da Fazenda para incentivá-la no Brasil?
Cozendey: O Ministério da Fazenda participou ativamente das discussões que resultaram na Lei de Mudanças Climáticas e no Plano Nacional para sua implementação. Participa também das discussões sobre como o tema figurará na continuação da Política de Desenvolvimento da Produção. Temos claro que a perspectiva do desenvolvimento sustentável deve estar por trás de qualquer visão de desenvolvimento que se tenha para o país. Então, quando se discutem questões tributárias, quando se imagina uma política para desenvolver um setor determinado, quando se reflete sobre as formas de financiamento para a economia, a consideração integrada dos aspectos econômicos, sociais e ambientais deve estar cada vez mais presente. No artigo que você cita, procurei chamar a atenção para os aspectos práticos da questão: utilizar “economia verde” apenas como um instrumento de marketing não adianta; é preciso identificar oportunidades concretas, projetos, viáveis à luz da situação de desenvolvimento de cada país. Por exemplo, a energia eólica pode ser uma excelente oportunidade para o Brasil, porque o país tem capacidade de desenvolver uma indústria em torno dessa energia e tem condições de absorver a tecnologia. Já para outros países, energia eólica é um custo a mais, uma transferência de renda para os países que desenvolvem essa tecnologia. Para esses, por exemplo, os biocombustíveis atuais e a co-geração de energia elétrica, com tecnologia mais estabilizada, podem ser uma melhor oportunidade de desenvolvimento.
Resistência ao ambientalismo de mercado
O caminho da economia verde proposto pela ONU é visto com desconfiança por setores da sociedade civil brasileira. Em texto divulgado recentemente, a Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase) defende que é preciso “resistir ao ambientalismo de mercado e fortalecer os direitos e a justiça socioambiental”: Em substituição ao esvaziado termo desenvolvimento sustentável, a agenda da Rio+20 busca apresentar a “economia verde” como uma nova fase da economia capitalista. Através do mercado verde, um novo ambientalismo, fundado no business verde, propõe a associação entre novas tecnologias, soluções pelo mercado e apropriação privada do bem comum como solução para a crise planetária. Esta reciclagem das clássicas formas de funcionamento do capitalismo, de seus modos de acumulação e expropriação, constitui-se em um estelionato grave de consequências profundas. Dá um novo fôlego a um modelo inviável e oferece como utopia somente a tecnologia e a privatização. Impede tomar consciência da crise que enfrentamos e dos verdadeiros impasses que está vivendo a humanidade. Portanto, impede que novas utopias sejam formuladas e alternativas civilizacionais construídas. Mais informações: www.fase.org.br.