Ano letivo na pandemia começa com indefinições
Foto: Igor Sperotto
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Em um cenário de aumento dos casos graves, mortes e hospitalizações que levaram o sistema de saúde para além dos limites de ocupação de leitos de UTI e à classificação de todo o território do estado como de altíssimo risco de contágio, ganha cada vez mais força o movimento de pais, alunos, professores, sindicatos e entidades ligadas à educação que se opõem ao retorno das aulas presenciais na bandeira preta e entendem que somente a vacinação dos professores e demais trabalhadores da educação permitirá um retorno com segurança para todos
O retorno às aulas presenciais em meio ao pior momento da pandemia de coronavírus no Rio Grande do Sul e a indefinição do governo quanto à vacinação dos professores mantêm a comunidade escolar sob tensão e criam um impasse em relação ao ano letivo de 2021. Ações judiciais de entidades representativas dos professores e pais suspenderam, no final de fevereiro, as aulas presenciais. E o mês de março começou com muitas incertezas.
“O Sinpro/RS está empenhado em todas as frentes para assegurar a suspensão das aulas presenciais na educação infantil e nos dois primeiros anos do ensino fundamental, como determina o decreto governamental. Consideramos que os professores e alunos desses níveis de ensino também têm o direito de não serem submetidos ao risco de contágio em um momento tão crítico da pandemia como esse que estamos vivendo”, pondera Cecília Farias, diretora do Sinpro/RS.
O Sindicato vem reiterando a urgência da inclusão dos professores e servidores das instituições de ensino como grupo prioritário para receber a vacina contra a covid-19 como condição para um retorno seguro à presencialidade. “O Sinpro/RS reivindica que os trabalhadores da educação sejam reconhecidos como grupo prioritário para a vacinação, junto com os profissionais de saúde, idosos, indígenas, quilombolas e ribeirinhos”, ressalta.
Tecnologias e proteção à vida
Para a dirigente do Sinpro/RS, os professores da rede privada adquiriram grande experiência com ensino remoto desde o ano passado. Por isso, as tecnologias precisam ser utilizadas para proteger a vida dos profissionais da educação, pais e alunos. “É hora de restringir imensamente a circulação das pessoas, e as aulas presenciais geram um movimento muito grande. O entendimento até pode ser de que as crianças têm menos possibilidade de contágio, mas para as aulas presenciais, haveria necessidade de profissionais adultos que estariam sujeitos ao contágio cada vez mais intenso”, ponderou. Divulgada pelo El País, uma pesquisa da Universidade de Granada, na Espanha, pode ser bem ilustrativa sobre esse alerta: colocar 20 crianças em uma sala de aula implica em nada menos que 808 contatos cruzados em dois dias.
Bandeira preta
No final de fevereiro, os hospitais gaúchos estavam com lotação acima de 90% nas Unidades de Tratamento Intensivo (UTIs), o que fez o governo estadual estender pela primeira vez a bandeira preta para todo o território. Isso indica uma situação de altíssimo risco de propagação da covid-19 em meio ao esgotamento da capacidade hospitalar.
Mesmo assim, escolas de educação infantil e turmas de 1º e 2º ano foram autorizadas pelo Palácio Piratini a terem aulas presenciais. E ainda com a possibilidade de colocarem mais de 50% dos alunos em sala de aula. A flexibilização foi liberada em um decreto estadual no dia 15 de fevereiro, o que gerou duras críticas de sindicatos de trabalhadores da educação.
No dia 19, o estado tinha 80,9% dos leitos de UTI ocupados, índice que passou para 91,4% no dia 25, maior crescimento desde o começo da pandemia, e com indicadores de piora no início de março. “Diante desse cenário catastrófico, a necessidade seria abrir 60 novos leitos de UTI por dia, mas isso jamais será possível”, admitiu a secretária de Saúde, Arita Bergmann.
O Sinpro/RS reiterou à representação das escolas os riscos aos quais toda a comunidade escolar estaria exposta com o retorno das aulas presenciais. “É urgente que haja bom senso e postura de proteção à vida de professores e de todos os membros da comunidade escolar. O deslocamento destes, inclusive por transporte coletivo, e o necessário compartilhamento de espaços nas instituições devem ser evitados”, alertou em ofício ao Sinepe/RS no dia 25 de fevereiro.
Ações judiciais
Com base na legislação pertinente e na defesa de interesses coletivos, o Sinpro/RS e a Fetee-Sul ajuizaram ação coletiva no dia 27 de fevereiro, na 10ª Vara da Fazenda Pública do Foro de Porto Alegre, requerendo a suspensão das atividades presenciais nas instituições de ensino privado do estado, independentemente de eventual flexibilização de protocolos.
Na rede pública da capital, o Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa) obteve na Justiça a suspensão total das aulas durante a bandeira preta por se tratar de uma violação do direito à saúde e à vida.
No dia 28 de fevereiro, a 1ª Vara da Fazenda Pública de Porto Alegre também suspendeu todas as aulas das redes pública e privada do estado enquanto a bandeira preta estiver em vigor, atendendo a um pedido da Associação Mães e Pais pela Democracia (AMPD) e do Cpers-Sindicato. O Sinpro/RS foi incluído no processo como assistente litisconsorcial.
“O momento é de sermos razoáveis, e ponderar que o reconhecimento de situação extrema de risco à vida do cidadão é incompatível com a adoção de medidas paliativas de flexibilização, pois no momento temos que considerar que o ritmo crescente das internações é reflexo direto do aumento da circulação do vírus, o que está gerando a maior taxa de contágio desde o início da pandemia”, anotou a juíza Rada Maria Metzger Kepes Zaman em sua sentença.
O presidente do Sinepe/RS, Bruno Eizerik, lamentou o parecer do TJRS e disse que as instituições de ensino privado são ambientes seguros para as crianças estarem neste momento da pandemia. “A decisão tomada não levou em conta a importância da educação e, muito menos, o que é melhor para nossas crianças”, reclamou.
Protocolos mais rígidos na educação infantil
Foto: Igor Sperotto
Antes da suspensão das aulas pela Justiça, dirigentes de escolas de educação infantil anunciaram protocolos mais rigorosos de segurança para seguir com as atividades presenciais durante a bandeira preta. Na Balão Vermelho, em Porto Alegre, por exemplo, todos os profissionais, ao chegarem na escola, trocavam de roupa e de máscara e mediam a temperatura corporal. E caso algum apresentasse sintomas da covid-19, era imediatamente afastado de suas atividades.
As crianças também tinham a temperatura medida diariamente, e as mãos e os sapatos higienizados assim que chegavam na escola. Se tivessem sintomas, precisavam ficar em casa. “Também não estamos permitindo a entrada dos familiares e dos fornecedores na escola”, destacou a diretora Mariana Cabral Brandão antes da medida judicial.
A professora Juliana Lopes, que leciona para crianças de um a dois anos na Balão Vermelho, contou que elas haviam se adaptado muito bem aos protocolos. “Eles dão ‘oi’ e já esticam os bracinhos para passar álcool gel e para medir a temperatura. Como é verão, minha turma tem ficado muito no pátio, ao ar livre”, relatou. Sobre os sentimentos em relação à pandemia, Juliana criticou as mudanças constantes de orientação por parte do governo, o que provoca instabilidade emocional nela e em outras docentes. “Uma hora fecha, outra abre. Isso é muito ruim”, completou.
Em outra instituição de educação infantil da capital, a Escola Cotidiana, os protocolos também foram reforçados. A diretora Priscila Gava informou que, antes da bandeira preta, os profissionais usavam máscaras de pano, as quais foram substituídas por modelos N95 adquiridos pela escola. “Já tínhamos um plano de contingência bem rigoroso, tanto que só voltamos ao modelo presencial em novembro e gradativamente, para famílias que optaram por isso. Seguimos com o ensino remoto para os pais que preferem essa opção”, disse, antes da suspensão das aulas.
Docente dessa escola privada e também da rede municipal de Porto Alegre, Gabriela Vitória Seibel explica que o maior desafio era seguir os protocolos sem perder a essência da proposta pedagógica. Em relação ao que sentia quanto à bandeira preta, afirmou que existe um descaso do poder público com a saúde física e mental dos trabalhadores da educação. “Tanto na escola particular quanto na pública, gestoras e professoras têm feito tudo o que podem para manterem os espaços o mais seguro possível. Porém, o que está acontecendo à volta preocupa muito. Temos visto uma flexibilização das restrições, independentemente da cor da bandeira”, lamentou.
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Município pagará internet para alunos e professores
Diante do agravamento da crise sanitária, o município de São Leopoldo decidiu restringir as aulas ao ensino remoto no recomeço do ano letivo e irá pagar o custo da internet usada pelos mais de 20 mil alunos e 2 mil professores. Conforme o secretário de Educação, Ricardo Fernandes da Luz, as aulas se iniciaram no dia 1º de março com atividades assíncronas, por meio da postagem semanal de materiais no Google Sala de Aula. O material pedagógico também pode ser retirado na escola. A partir do dia 15 de março, o uso do Google Meet estará liberado para aulas síncronas, com o custeio da internet durante as atividades.
“Toda vez que um estudante ou familiar entrar no Google Sala de Aula, aparecerão opções para seleção de uma operadora, para que eles escolham a que usam normalmente. A partir disso, tudo o que for feito dentro da plataforma terá o consumo de dados pago pelo município. Essa é a única maneira de democratizar o acesso ao ensino remoto, porque uma pesquisa interna que fizemos no ano passado mostrou que os alunos deixavam de acessar as atividades porque havia esgotado o pacote de internet da família”, explicou Luz.
Docente de História da Escola Municipal de Ensino Fundamental Padre Orestes João Stragliotto, localizada na periferia de São Leopoldo, Rodrigo Santiago da Silva Garcia conta que o acesso gratuito à internet qualificará ainda mais os planejamentos dos professores e proporcionará que os estudantes tenham maior aproveitamento das atividades. “As condições sociais desses alunos são muito desiguais, porque a maior necessidade deles é de enfrentamento à fome, de busca às necessidades básicas de sobrevivência. Essa realidade periférica torna o ensino remoto muito limitado. Por isso, a ajuda à comunidade é muito importante”, comentou o professor, que leciona do 6º ao 9º ano.
Com 50 escolas, a rede municipal teve somente atividades remotas no ano passado e tem um planejamento para iniciar a modalidade híbrida no dia 5 de abril, segundo o secretário, caso as condições sanitárias sejam favoráveis. “Iniciaremos com turmas de 3º, 5º e 9º ano, além da Educação de Jovens e Adultos (EJA) e do Projeto Acelera (voltado para correção da distorção idade-ano), com no máximo 50% de estudantes em sala de aula. Voltaremos aos poucos, mesmo que o atual decreto permita mais estudantes em sala de aula”, sinalizou o secretário.
Rodrigo afirma que viu como positivo o diálogo da prefeitura com os professores e ressalta que a categoria não pode ser responsabilizada pela ausência das aulas presenciais. “Não podemos aceitar que passem o debate para nossa classe, como se tivéssemos o peso da culpa pelo modelo remoto. Há uma falta de planejamento nacional na questão do acesso às vacinas”, acrescentou.