Ilustração: Rafael Sica
Ilustração: Rafael Sica
O que não falta na pandemia são efeitos colaterais. Um dos mais letais é o que tornou o ego, esse insaciável, num insociável extremo. Além de exigir toda vida para si, quer a foice para os outros. É aí que a prioridade na vacinação torce o rabo.
Eles são bárbaros, os prioritários da vacina. Não os octogenários, nonagenários e centenários à beira da fatalidade, virótica ou não. Me refiro aos furadores das filas vacinadoras.
Os prioritários da ocasião pandêmica são umas belezuras de pessoas: muito mais jovens e bem mais sadios que os prioritários dos grupos de risco. Sua robustez é tanta que até sua arrogância parece que fez fisiculturismo.
Não é difícil reconhecer os prioritários sem prioridade: eles se agrupam por tipos, cada qual com sua imerecida reivindicação. São meio parecidos na motivação, pero diferentes nos seus apelos apelativos.
Prioritários predestinados – Querem ser vacinados primeiro porque se acham pródigos, os eleitos divinos, embora Deus não vote em ninguém.
Prioritários prepotentes – Esses se dividem em prepotência financeira e prepotência social. São poderosos que usam o poder monetário ou o do você-sabe-com-quem-está-falando? Em meio a tantos impotentes, o dinheiro e o carteiraço ganham no braço. No caso, vacinado.
Prioritários privilegiados – Espalhados pelas câmaras federal, estaduais e municipais, eles já têm a imunidade maior, a parlamentar. Exigem, porém, antecipar a da vacina. Nem adianta apontar nomes, são todos imunes a críticas ou denúncias.
Prioritários profissionais – Não confundir com qualquer trabalhador comum. São classes e categorias que se julgam tão ou mais importantes que qualquer outra, até do que os profissionais da saúde. E usam a força corporativa para obter a preferência das seringas salvadoras.
Prioritários praticantes – São os furadores de filas contumazes. Isto é, aqueles longamente treinados na furação de quaisquer filas, seja no banco, no supermercado, no estacionamento. Por força do mau hábito, acham que seu lugar é antes de todo mundo.
Prioritários precipitados – São aqueles que apenas acham, inocentemente, que já é a sua vez de vacinar. Se enganam de data, erram o local dos postos. Atrapalham muito as filas porque são bastante numerosos.
Etc, a lista não acaba aqui. O brasileiro, criativo e abusado, sabe como burlar prioridades. Aliás, a prioridade anda tão desmoralizada no país que não ia ser um vírus mortal que iria moralizá-la, né?