Justiça suspende leilão da CEEE Distribuidora
Foto: Igor Sperotto
Foto: Igor Sperotto
Nesta segunda-feira, 15, a 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJRS) suspendeu o leilão da Companhia Estadual de Distribuição de Energia Elétrica (CEEE-D) que estava marcado para acontecer no próximo dia 31 de março. A desembargadora Laura Louzada Jaccottet acolheu a ação movida pela União Gaúcha União Gaúcha em Defesa da Previdência Social e Pública.
A ação obteve tutela de urgência, suspendendo o leilão, “até que sejam sanadas e decididas todas as questões legais e administrativas envolvendo a privatização da CEEE-D, seja no tocante à Lei de Responsabilidade Fiscal, em virtude do preço vil ofertado como lance mínimo, bem como na expressiva quantia que será renunciado pelo Estado, relativo à dívida de ICMS”, diz a decisão.
A desembargadora embasa sua determinação, justificando que o processo de privatização da CEEE Distribuidora requer seriedade e cautela, não se tratando de um ato para simplesmente livrar-se dela, entregá-la”. Segundo ela, está se tratando da venda de empresa estatal que distribui energia elétrica para a maior parte das cidades gaúchas, setor este estratégico para amparar as atividades essenciais do Estado do Rio Grande do Sul , que não poderia dar prejuízo não fosse um histórico de má gestão”.
Ex-presidente
O ex-presidente do Grupo CEEE e assessor técnico da Frente Parlamentar da Soberania Energética Nacional, Gerson Carrion, vem alertando, desde que o Governo do Estado anunciou a privatização da estatal, no ano passado, sobre a fragilidade do argumento que embasa a venda e critica a renúncia fiscal de cerca de R$ 2,8 bilhões em ICMS, que ocorrerá caso a privatização da distribuidora se consolide. Na sua opinião, expressa em eventos sobre o tema e entrevistas, “trata-se de um golpe no património público.
Em declaração recente ao Jornal do Comércio, como a negociação seria feita por meio da CEEE-Par (holding que tem o governo do Rio Grande do Sul com 99,99% das ações), que assumiria esse passivo. “Na prática é o governo ficando com a dívida”, diz o ex-presidente da CEEE. Vale lembrar que o governo justificou o baixo valor da privatização, por conta de que o comprador assumiria bilhões em passivos.
Imbróglio
O argumento do ex-dirigente da estatal vai ao encontro do que disse a desembargadora Laura Jaccottet em sua decisão. Para ela, os elementos apresentados até agora “deixam sérias dúvidas acerca da negociação entabulada, sobretudo no que diz com o patrimônio da CEEE-Par, controladora, de molde a solver o passivo bilionário relativo a ICMS, não se aceitando o imbróglio da emissão, alocação ou dação de papeis de empresa sem patrimônio como pagamento (dação em pagamento de uma ficção). (…) Em realidade, extrai-se uma manobra contábil para abater aproximadamente R$ 2.800.000.000,00 (dois bilhões e oitocentos milhões de reais) em dívidas fiscais com escopo de facilitar o leilão, livrando-se da CEEE-D”.
E vai adiante: “neste momento processual preliminar, portanto, donde se há de sopesar preponderantemente a eleição pelo mal menor, reconhece-se o no fato de o Estado do Rio Grande do Sul aguardar mais algum tempo para proceder ao leilão; o mal maior é permitir-se a entrega de empresa estatal estratégica, que distribui energia elétrica para a maior parte das cidades gaúchas, em patamares aviltantes, como pelo menos por ora se está a concluir, envolvendo extinção nebulosa de vultoso débito fiscal”.
Privatização por R$ 50 mil
Outro ponto mencionado pela ação é o “ínfimo valor de alienação da CEEE-D”, que prevê uma oferta mínima de apenas R$ 50 mil. “Um preço vil, de um carro popular”, frisa o secretário-geral da União Gaúcha, Filipe Costa Leiria, um dos autores da Ação. O dirigente reforça que os R$ 2,8 bilhões que a CEEE-D acumulou em dívidas com ICMS e pretende repassar para a CEEE-Par com a privatização não possuem garantias, para sociedade, que serão pagos. Ele salienta que a CEEE-Par não possui patrimônio para garantir a quitação desse débito. Leiria acrescenta que os recursos desses impostos precisariam ser destinados a áreas essenciais, como a da saúde, por exemplo, e a anistia de tributos deveria passar pelo poder Legislativo.
O secretário-geral da União Gaúcha comenta que a suspensão do leilão foi determinada em caráter liminar e adianta que o governo do Estado deverá recorrer da decisão. Até o momento, o governo não se pronunciou sobre a questão. A CEEE-D está presente em 72 municípios gaúchos das regiões Metropolitana, Sul, Centro-Sul, Campanha, litorais Norte e Sul. Atualmente, conta com mais de 1,7 milhão de clientes. A sua área de concessão ocupa 26% do território e 35% da população do Rio Grande do Sul.
Histórico
O governo Eduardo Leite publicou dia 8 de dezembro, no Diário Oficial do Estado, o edital para a privatização da CEEE-D e o aviso de leilão da empresa. Assinado pelo então secretário estadual de Meio Ambiente e Infraestrutura, Artur de Lemos Júnior, o edital estabelece as regras para a alienação do controle da CEEE-D, por meio da oferta de um lote único aproximado de R$ 44.996.190, bem como de ações ordinárias e preferenciais de, no mínimo, 65,92% do capital social total da CEEE-D. O edital também estabelece que o valor econômico mínimo para as propostas será de 50 mil reais.
O que diz a ação
A ação assinada por Filipe Costa Leiria, Fabiano Marranghello Zalazar, Janete Fabíola Togni de Oliveira, Marco Aurélio Velleda e Eduardo D’Ávila Leal, considera que o processo de privatização da CEEE-D está marcado por “flagrante violação à Lei de Responsabilidade Fiscal”, seja pelo valor estabelecido para a alienação da empresa, prevendo oferta mínima de R$ 50.000,00, seja pela renúncia fiscal de ICMS. O próprio governo do Estado noticia, assinalam os autores, que perdoará cerca de R$ 2,8 bilhões de reais do referido imposto devido pela empresa, além de outros benefícios, para viabilizar a privatização. Segundo o arrazoado, a privatização traria duplo prejuízo à população “privatização da distribuição de energia elétrica no Estado e renúncia de expressiva receita de ICMS, renúncia essa que irá beneficiar única e exclusivamente a empresa privada que vier a vencer o leilão.
Governo Britto
O modelo de vender os ativos e relativizar os passivos não é novo. O desequilíbrio econômico e financeiro da CEEE começou com o processo de privatização implantado pelo governo de Antônio Britto (PMDB) em 1997: a companhia, que então tinha o monopólio da energia em todo o Rio Grande do Sul, perdeu 54% da sua receita com a criação da RGE e da AES Sul (hoje RGE Sul), mas manteve mais de 80% dos passivos – que não foram transferidos às compradoras.
Em 1998, último ano do governo de Britto, novo baque: a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) autorizou a redução de capital da CEEE no valor de R$ 415 milhões (em moeda de hoje, cerca de R$ 7 bilhões), com a restituição aos acionistas de parte proporcional do valor das suas ações.
Gerson Carrion, assessor técnico da Frente Parlamentar pela Preservação da Soberania Energética Nacional, disse ao Extra Classe em dezembro passado, que os danos dessa privatização foram de tal ordem nocivos que ainda permanecem os seus efeitos no desempenho financeiro da estatal. “O esquartejamento a que foi submetida a CEEE, com a privatização de dois terços da sua área de distribuição, caracteriza um crime que deveria ser investigado pelos órgãos de controle”, disse Carrion.
A CEEE que sobrou desse vendaval do governo Britto foi dividida em duas partes para sua venda: a CEEE-D e os braços de geração e transmissão (CEEE-GT). O leilão da distribuição estava previsto para ocorrer ainda em 2020, mas foi postergado para 2021 devido às dificuldades impostas pela pandemia. Já a parte de geração e transmissão está prevista para ir à venda em maio de 2021.
Iniciativas judiciais
Desde o anúncio de privatização, trabalhadores, movimentos sociais, sindicatos e partidos de oposição tentam reverter o processo de privatização. PDT, PT, PSOL e PCdoB ingressaram no STF com ações diretas de inconstitucionalidade (Adi) contra a derrubada do plebiscito. Também houve uma ADI 6.325, ajuizada pelo PDT, também questionou a autorização dada pela Assembleia Legislativa, através da Emenda Constitucional nº 77/2019, para a formação de monopólios privados no setor de energia elétrica do estado.