Declarações de Bolsonaro atrapalharam cronograma da vacina do Butantan, afirma Dimas Covas à CPI
Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado
“Sinto-me decepcionado”. Com essa frase, o diretor presidente do Instituto Butantan, Dimas Covas, resumiu sua resposta a uma indagação feita nesta quinta-feira, 27, pelo relator da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19, Renan Calheiros (MDB-AL). O relator queria a opinião objetiva sobre o tratamento dispensado à instituição centenária durante as tratativas para a produção de vacinas contra a pandemia.
Concretamente, durante o depoimento de Covas, os senadores foram informados que, ao contrário do que dizem as redes sociais bolsonaristas, até a compra da Coronavac, produzida pelo Butantan em parceria com o laboratório chinês Sinovac, nenhum recurso federal foi repassado ao instituto.
Segundo o executivo, dois pedidos de fomento feitos não prosperaram junto ao governo federal. Um se referia à ideia da construção de uma fábrica capaz de produzir 100 milhões de doses de vacinas por ano e o outro a estudos clínicos do fármaco que estava sendo pesquisado e que hoje é o pilar de sustentação do Plano Nacional de Imunização (PNI) do ministério da Saúde.
Campanha contrária de Bolsonaro impactou na produção
Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
Defrontado por vídeos apresentados pelo relator, Covas afirmou que a posição ideológica do governo federal influenciou e continua influenciando muito nos processos de produção da vacina do Butantan. “Impactou no cronograma”, disse.
O impacto, afirmou, ocorreu na fase inicial, nos testes, tanto quanto agora, na liberação de insumos da China, maior exportadora mundial desses componentes.
Os vídeos apresentados por Calheiros mostram o presidente Jair Bolsonaro, que questionava a qualidade da “vacina chinesa” e a afirmação do então secretário executivo do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, Élcio Franco, que disse que “não há previsão de compra de vacina chinesa e ninguém será obrigado a tomar uma vacina ou outra”.
Segundo Covas, o posicionamento de Bolsonaro e seus apoiadores chegou a impactar na fase inicial das pesquisas. Na época, registrou, “tivemos dificuldades de entrada de voluntários”.
Covas foi outro que contradisse o ex-ministro Pazuello. Ao lembrar que a vacina da Astrazeneca que está sendo produzida pela Fiocruz foi contratada em agosto de 2020, ele registrou que o acordo com o Butantan só acabou sendo firmado, nas mesmas condições, em janeiro passado, seis meses após. Até a assinatura, o Butantan fez três propostas, sendo que a primeira foi apresentada em julho do ano passado.
Até as declarações do presidente, pondera Covas, as conversas com o ministério se davam no ambiente técnico. “Depois das declarações, não houve progresso nas negociações”. Covas registrou que as tratativas ficaram paralisadas por três meses.
Brasil poderia ter sido o primeiro a vacinar
Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
Para o presidente do Butantan, se todos os agentes públicos tivessem colaborado, o Brasil poderia ter sido o primeiro país do mundo a começar a vacinação.
Para embasar essa informação, ele disse que o instituto tinha quase 10 milhões de doses prontas e que poderiam ter sido entregues até 10 de dezembro do ano passado.
Segundo ele, depois dessa data, ainda em dezembro, o Butantan poderia ter entregue 60 milhões de doses. Até maio de 2021, a estimativa era de entregar 100 milhões de doses para o governo federal, mas a demora na assinatura do contrato acabou empurrando o prazo para setembro, enumerou o diretor do Butantan. “O mundo começou a aplicar os imunizantes em oito de dezembro”, lembrou.
Contradizendo também o ex-ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, Covas revelou que participou de uma reunião com o embaixador da China no Brasil ao lado do atual chanceler, Carlos França, e o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga. O embaixador, relata, teria deixado claro que falas de autoridades brasileira, como o presidente e seus filhos, poderiam afetar a relação e a entrega de insumos.
Covas entende que a troca do chanceler possibilitou uma melhora do diálogo com o governo federal e representou uma “evolução na postura”. “Foi a primeira vez que eu, assim como a presidente da Fiocruz, fui chamados para uma reunião”, completou.