OPINIÃO

A farsa do “feminismo” negacionista

Por Moisés Mendes / Publicado em 7 de junho de 2021
"Nise Yamaguchi e a capitã foram à CPI para enrolar. Submeteram-se a um bombardeio dos senadores. Eles exageraram com as médicas negacionistas? Sim, poderiam ter sido menos machos. Mas Nise é, para médicos e cientistas brasileiros, alguém que induziu pessoas fragilizadas não só ao erro, mas também à morte"

Foto: Leopoldo Silva/Agência Senado

“Nise Yamaguchi (foto) e Mayra Pinheiro, a capitã cloroquina, foram à CPI para enrolar”

Foto: Leopoldo Silva/Agência Senado

Nunca antes o Brasil teve tantos defensores das mulheres. Homens incisivos, assertivos, quase agressivos, mas defensores das mulheres. Homens da direita que nunca defenderam as mulheres são os novos feministas brasileiros.

Mulheres da direita que não escreveram uma linha, uma só, sobre as agressões de Bolsonaro às mulheres, em especial à sua vítima preferida, a deputada Maria do Rosário, agora são feministas radicais.

Não escreveram e não falaram nada sobre as agressões do machismo que derrubou Dilma Rousseff. Nunca escreveram uma frase sobre as agressões cotidianas às mulheres.

Homens e mulheres que sempre estiveram calados diante das agressões às mulheres, a gays, trans e a todas e a todos os LGBTS+ agora são defensores intransigentes das mulheres.

Apresentam-se como advogados de mulheres da extrema direita, em especial das médicas Nise Yamaguchi e Mayra Pinheiro, a capitã cloroquina.

Alexandre Garcia defende as médicas cercadas pelos homens na CPI do Genocídio. Merval Pereira, William Waack, Miriam Leitão, Juliana Paes. Até Bolsonaro é feminista.

Todos viraram fofos que de repente erguem armas em defesa do que nunca defenderam com tanta veemência.

Nise Yamaguchi e a capitã foram à CPI para enrolar. Submeteram-se a um bombardeio dos senadores. Eles exageraram com as médicas negacionistas? Sim, poderiam ter sido menos machos.

Mas Nise é, para médicos e cientistas brasileiros, alguém que induziu pessoas fragilizadas não só ao erro, mas também à morte.

Nise e a capitã orientaram as pessoas a tomarem cloroquina preventivamente contra a covid-19, sabendo que o remédio pode matar. As duas são médicas que negam a ciência e depreciam as vacinas para vender milagres mortais.

E Bolsonaro, acreditem, acha que ela foi cercada na CPI por ser mulher. Todos da direita acham. Uma negacionista acusada de crimes é protegida por ser mulher.

Há feministas brotando de todo lado. Dias atrás, até parte das esquerdas se entusiasmou com a coragem com que a comentarista da GloboNews Natuza Nery enfrentou, ao vivo, o senador bolsonarista Marcos Rogério.

Natuza foi para a briga com o sujeito porque isso faz bem à Globo inimiga da família no poder. Procurem em algum lugar uma fala anterior de Natuza defendendo as mulheres agredidas por fascistas dos grupos de Bolsonaro.

Entrem no Google e procurem textos e falas de todos os citados sobre as mulheres que lutam com a bravura de Marielle Franco. Não procurem textinhos coloridos e genéricos sobre mulheres.

Procurem textos que assumam cumplicidade com a militância de mulheres de luta, as negras, pobres, bissexuais, lésbicas e trans. Textos contra o machismo cotidiano e miliciano.

Novos e novas feministas nunca escreveram esses textos. Podem ser encontradas composições colegiais com palavras de exaltação à primeira professora, à vó, às tias. Mas não às mulheres miseráveis, sem-terra e sem-teto. E muito menos às mulheres que lutam e correm riscos.

Ninguém encontrará uma linha sobre os ataques covardes e sistemáticos enfrentados por Manuela D’Ávila, que atingem também a filha da ex-deputada para assim agredir a militante de esquerda.

É claro que Nise Yamaguchi e Mayra Pinheiro não são defendidas por esse pessoal por serem mulheres. Essa é a desculpa.

São defendidas por seus grupos de interesse. O feminismo oportunista, inclusive do antibolsonarismo da Globo, é seletivo. Oportunistas contribuem para criar confusão e capitalizar apoios.

O contexto favorece a retórica farsante. Uma em cada quatro mulheres foi vítima de algum tipo de violência nos últimos 12 meses, segundo pesquisa do Datafolha para o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. A maioria das agredidas (35,2%) tem entre 16 e 24 anos.

A pandemia intensificou as agressões às mulheres na mesma proporção do crescimento no número de “feministas”.

A pesquisa do Fórum não é uma estatística, é uma amostragem. Mas acreditem mais na pesquisa do que no feminismo de ocasião da direita e da extrema direita.

Moisés Mendes é jornalista. Escreve quinzenalmente para o jornal Extra Classe.

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