Falta de pediatras restringe atendimento
Foto: igor Sperotto
Foto: igor Sperotto
O VII Congresso Gaúcho de Atualização em Pediatria, que reuniu cerca de 1,3 mil pediatras do Rio Grande do Sul no Centro de Eventos da PUC, de 15 a 17 de maio, ajudou a evidenciar um problema sentido por muitos pais que recorrem aos hospitais de Porto Alegre na busca de atendimento de emergência para seus filhos: a falta, e em algumas instituições a inexistência, dessa especialidade no atendimento a pacientes do SUS e dos planos de saúde.
A presidente da Sociedade de Pediatria do Rio Grande do Sul (SPRS), Patrícia Miranda, afirma que, em números específicos, não faltam pediatras em Porto Alegre. “Levando em consideração a Organização Mundial da Saúde (OMS) temos profissionais suficientes. As residências não fecharam e as vagas continuam sendo ocupadas, com a procura cada vez
maior. E o número de atendimento diminui a cada ano com a queda da taxa da natalidade”, argumenta. A explicação para o fenômeno, segundo ela, é que muitos pediatras acabam atendendo somente em clínica privada ou fazendo alguma especialidade, porque a valorização desses profissionais e o ambiente de trabalho proposto pelos gestores não é o ideal. “Para atender um adulto basta fazer uma faculdade de Medicina. No caso da criança, tem de ser um especialista. É preciso investir em muito estudo, às vezes fazer mais um ano de residência”, justifica a dirigente.
Dois concursos lançados neste ano pelo Hospital de Clínicas de Porto Alegre tiveram 50 candidatos inscritos por vaga, ressalta Patrícia, para explicar que a classe médica permanece interessada nessa especialidade. “O profissional procura locais para trabalhar onde a valorização existe”. Segundo ela, a falta desse tipo de especialistas não é um problema do Brasil, mas mundial. A diferença é que em outros países o médico de família é preparado para atender a criança. “A Sociedade Brasileira de Pediatria insiste: ser atendido por um pediatra é um direito da criança. Mas os hospitais não são obrigados por lei a ter atendimento pediátrico. É uma opção. Agora, no momento em que está escrito que eles prestam esse tipo de serviço, aí sim os pais podem exigir a presença do profissional. Independentemente de ser usuário do SUS ou da saúde privada”.
Outra característica apontada pela presidente da SPRS é a sazonalidade da demanda pelo atendimento pediátrico, com fluxo muito grande nos meses de inverno (junho e julho), diminuindo a partir de agosto, e cada vez menos frequente no verão. Na primavera e no outono não há atendimento. Os postos e consultórios estão praticamente vazios. “Por outro lado, em relação aos cuidados básicos de saúde, nós melhoramos muito. Graças às campanhas de vacinação, reduzimos os casos de pneumonia e meningite. Mas ainda temos períodos em que é preciso ter mais pediatras”, admite.
A secretária do Sindicato Médico do RS (Simers), Ana Maria Martins, utilizou no evento da PUC números para mostrar seu posicionamento sobre a falta de pediatras, tema recorrente nas argumentações do governo federal e estadual para explicar a situação do Sistema Único de Saúde (SUS). “No Brasil, temos 229 escolas médicas, com 20 mil vagas no primeiro
ano. Essas entidades de ensino colocam no mercado 1.131 médicos a cada ano. Não faltam médicos. Falta investimento na saúde”, enfatiza.
Já o presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), Eduardo da Silva Vaz, enfatiza que as dificuldades enfrentadas pela saúde pública do país não são justificadas por falta de recursos financeiros, mas sim por falta de planejamento em longo prazo, valorização do profissional e qualificação do ambiente de trabalho na saúde dos brasileiros. “Temos um sistema no qual o Brasil investe 9% de seu PIB em saúde, enquanto países desenvolvidos investem até 15% de seu Produto Interno Bruto. Sabemos que não é por falta de recursos que faltam investimentos, e sim por falta de visão. O mais grave é que dos 9% que temos, menos da metade saem do governo. O restante quem paga a conta somos nós, através da iniciativa privada”, declarou.
Negligência investigada pela polícia
O atendimento de crianças por pediatras e não por clínicos gerais ou médicos de família tem um propósito que a presidente da Sociedade de Pediatria qualifica como luta da categoria: a prevenção contra o erro médico ou de diagnóstico e a negligência. Uma batalha com amplo fundamento, considerando as consequências e a alta incidência de erros médicos – são inúmeras as reclamações às ouvidorias de hospitais, bem como processos dessa natureza tramitando no Judiciário.
Foto: Igor Sperotto
Após sofrer uma queda nas escadarias do prédio onde mora com a filha Lauane Machado Zago, de sete meses, a dona de casa Kauana Machado Zago buscou atendimento para ela e a filha no Hospital de Pronto Socorro de Porto Alegre, no dia 31 de março deste ano. O médico que as atendeu constatou fratura de costelas na mãe. A criança foi atendida por um clínico geral, que pediu apenas um raio-X do crânio. Devido ao choro constante da criança, o médico foi questionado pela família da paciente sobre a possibilidade de fraturas nos braços e nas pernas de Lauane. Do profissional, Kauana ouviu a seguinte frase: “Ossinhos como os dela são como pequenos gravetinhos, só de apalpar já dá para ver que não tem nada quebrado. Você deve ter apertado a perna dela na queda. Não deve ser nada”.
Dois dias depois, ao perceber que a filha não parava de chorar, a mãe buscou atendimento em clínica particular, onde foi constatada a fratura do fêmur na menina. Ao ser questionada sobre o erro de diagnóstico do médico, a direção do HPS informou que o caso foi registrado pela avó da criança na ouvidoria e que seria encaminhado à Delegacia da Infância e da Juventude. Na realidade, a denúncia não fora encaminhada a nenhuma instância do Departamento Estadual da Criança e do Adolescente (Deca), mas à 10ª Delegacia de Polícia, conforme apurou o próprio Deca, e está sob investigação da Polícia Civil no inquérito número 513/2014/100310.
AÇÕES JUDICIAIS – Levantamento da Corregedoria-Geral da Justiça aponta que há 7.507 processos ativos relacionados à área da saúde em tramitação nas três maiores comarcas do estado: 3.274 em Porto Alegre; 1.669 em Pelotas; e 2.564 em Santa Maria. Os dados referem-se aos processos iniciados em 2013 e até o dia 6 de maio de 2014. A estimativa da Corregedoria é de que o estoque de processos esteja na ordem de 120 mil no RS. Destes, a maioria tramita na Justiça Estadual e a menor parte na Justiça Federal. Desses, cerca de 70 mil processos são contra o Estado e o restante contra os diversos municípios, incluindo demandas que têm tanto o Estado quanto os municípios como réus. Somente por “mau atendimento médico” há 560 ações transitadas em julgado