OPINIÃO

Água privatizada: próximo capítulo do desmonte do RS?

O caso da Corsan envolve ainda um clássico da “velha política”, em relação à qual o governador gaúcho jura ser um contraponto e um exemplo de “modernidade”
Por Marco Weissheimer / Publicado em 12 de agosto de 2021

Foto: Itamar Aguiar/ Palácio Piratini

O governador Eduardo Leite (PSDB) na inauguração da Estação de Tratamento
de Efluentes da Corsan em Capão da Canoa, em novembro de 2019

Foto: Itamar Aguiar/ Palácio Piratini

Depois de privatizar a Companhia Estadual de Distribuição de Energia Elétrica (CEEE-D) e de encaminhar o leilão da empresa de transmissão de energia elétrica do Grupo CEEE, o governo Eduardo Leite (PSDB) avança a passos largos para privatizar a água no Rio Grande do Sul. Caso se confirme a privatização da Corsan, o estado terá entregue para a iniciativa privada os setores de água e energia vitais tanto para a garantia de serviços públicos essenciais à população, como para a formulação de políticas públicas de desenvolvimento. O caso da Corsan envolve ainda um clássico da “velha política”, em relação à qual o governador gaúcho jura ser um contraponto e um exemplo de “modernidade”.

No dia 8 de julho, contrariando promessa que havia feito durante a campanha eleitoral de 2018, Eduardo Leite anunciou que encaminharia à Assembleia Legislativa um projeto pedindo a autorização para privatizar a Corsan. Segundo o governador, a privatização da Corsan seria feita seguindo “um modelo transparente, como sempre fizemos”. No entanto, antes de enviar o projeto de privatização para a Assembleia, Leite trabalhou para derrubar a exigência constitucional de um plebiscito, que estava inscrita na Constituição do RS, para garantir a participação da população em caso de uma tentativa de privatização.

Na campanha eleitoral de 2018, um de seus programas eleitorais afirmou: “Quem vota Eduardo Leite está votando no Banrisul e Corsan públicos“. Pode anotar aí que eu assino embaixo. No meu governo, Corsan e Banrisul continuarão públicos, pra ajudar no desenvolvimento e na qualidade de vida do estado”, afirmou categoricamente o então candidato na época. Pois quem anotou a promessa e confiou na assinatura se deu mal.

A Corsan atende, hoje, a dois terços dos municípios do Rio Grande do Sul, totalizando 317 cidades. Desses, pouco mais de 20% geram retorno financeiro. Por meio do mecanismo do subsídio cruzado, a Corsan consegue sustentar o serviço de saneamento nestas cidades. Através desse mecanismo solidário, o lucro obtido nos maiores municípios permite a prestação de serviços nos municípios menores. Em caso de ser vendida à iniciativa privada, a nova empresa manteria esse instrumento solidário de subsídio cruzado para garantir os serviços de saneamento nas menores cidades? Uma das empresas interessadas na Corsan, aliás, é a Equatorial Energia, que comprou a CEEE-D por R$ 100 mil.

A Associação dos Engenheiros da Corsan (Aeco) divulgou uma nota, no dia 29 de julho, alertando que o Rio Grande do Sul abrirá mão de R$ 4 bilhões em investimentos diretos no saneamento com a privatização da Corsan. Além disso, acrescentou a entidade, caso a privatização seja concretizada, os pequenos municípios (que representam cerca de 80% dos municípios do estado) poderão ficar desassistidos.

Hoje, apontou a entidade, apenas 70 municípios (médios e grandes) são viáveis economicamente para uma eventual Corsan privada. Nesses municípios, há consumidores suficientes para suportar uma tarifa capaz de garantir a taxa de retorno para o investimento. E os mais de 250 municípios que não seriam rentáveis economicamente, como ficariam?

Para o diretor da Aeco, Eduardo Carvalho, caso a Corsan seja privatizada, o Rio Grande do Sul corre o risco de ser obrigado a criar outra estatal só para atender aos municípios que ficaram sem saneamento. Foi o que aconteceu em Tocantins, lembrou Carvalho, onde os 40 maiores municípios do estado ficaram com a iniciativa privada e os demais, não rentáveis economicamente para essa empresa, voltaram a exigir daquele estado o serviço de saneamento básico.

Além de extinguir o instrumento do plebiscito por meio do qual a população poderia se manifestar sobre essa proposta, o governo Eduardo Leite está pressionando prefeitos com a tese de que as mudanças de contratos envolvendo a prestação de serviços na área de saneamento não precisam passar pelo crivo das Câmaras de Vereadores. Tudo dentro de um “modelo transparente” de privatização, é claro.

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