O sentido da luta dos povos indígenas pela terra Brasil
Foto: Adi Spezia/Cimi/Divulgação
Na última semana de agosto e começo de setembro, o Brasil assistiu e ainda assiste a uma das maiores mobilizações dos povos indígenas originários de sua história. Ou seria mais preciso afirmar: alguns assistiram, pois a massiva manifestação de comunidades indígenas de diferentes regiões do país em Brasília foi tratada com uma discrição que beirou o silêncio por parte das maiores empresas de comunicação do Brasil.
A mobilização indígena e o modo como ela foi tratada representam um bom resumo do atual estado de coisas no Brasil e ilustram didaticamente a ideia de por que o governo Bolsonaro, com todas as suas atrocidades, não pode ser considerado como um ponto fora da curva, mas sim como a expressão de uma elite branca, racista e antipopular, organizada em torno do agronegócio, da grande indústria (da pouca que ainda resta no país), do sistema financeiro e de seus braços midiáticos.
O debate sobre a tese do marco temporal, que pretende limitar a 1988 o ano de possíveis pretensões de demarcação de territórios pelos povos indígenas, expôs mais uma vez essa realidade. Entidades do agronegócio vêm promovendo uma campanha publicitária milionária nestes veículos de comunicação, onde, muitas vezes, fica difícil distinguir o que é reportagem e o que é peça publicitária.
Nem a crescente devastação da Amazônia e de outros biomas brasileiros é suficiente para colocar freios às ambições do agronegócio e de seus braços na indústria e no sistema financeiro de seguir avançando com suas monoculturas de soja, pecuária extensiva e projetos de mineração em terras indígenas. Com Bolsonaro, as sutilezas foram dispensadas e a truculência impera.
A articulação nacional dos povos indígenas transformou-se não só em um espaço de resistência e defesa dos direitos dos povos originários, como também de defesa da biodiversidade e de todos os biomas ameaçados pelo desmatamento, pelo avanço do agronegócio e da mineração.
Mais de 6 mil indígenas de 176 povos de todas as regiões do país foram participar do acampamento “Luta Pela Vida”, em Brasília. Após dois dias de plantão em frente ao Supremo Tribunal Federal (STF), à espera da votação da tese do marco temporal, a decisão acabou sendo adiada para a semana seguinte. No dia 27 de agosto, eles realizaram uma marcha contra a agenda anti-indígena do Congresso Nacional e do governo Bolsonaro. (Veja galeria de imagens no final desta matéria)
Além de paralisar as demarcações de terras indígenas e esvaziar os órgãos de fiscalização, favorecendo invasores, o atual governo vem adotando uma série de medidas que atacam os direitos dos povos indígenas. Além disso, no Congresso Nacional, vários projetos buscam restringir ainda mais os direitos territoriais indígenas.
Entre eles, destaca-se o PL 490/2007, já aprovado na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, o qual flexibiliza o usufruto exclusivo das terras indígenas pelos povos originários, garantido pela Constituição, o que, na prática, inviabiliza futuras demarcações de terras indígenas. Entre as restrições às demarcações de terras indígenas que o PL 490 busca impor, está justamente a tese do marco temporal.
Essa tese ameaça, por exemplo, mais de uma centena de terras indígenas nos estados do Nordeste, em Minas Gerais e no Espírito Santo que estão com processos de demarcação em curso. As terras do povo Pataxó, na Bahia, localizadas na região onde os portugueses chegaram em 1500, até hoje não foram demarcadas. Essas terras estão situadas na maior área de Mata Atlântica preservada do nordeste brasileiro.
Marco Weissheimer é jornalista. Escreve mensalmente o Extra Classe.