Movimentos sociais organizam plebiscito
Foto: Gustavo Lima/Agência Câmara
O financiamento público exclusivo de campanhas eleitorais está no centro da proposta de reforma política pautada pelos movimentos sociais após a derrota de iniciativas de parlamentares no Congresso. Além do projeto de reforma e da proposta de plebiscito barrados na Câmara dos Deputados, há pelo menos sete propostas de emendas à Constituição e quatro projetos de lei que tratam da matéria em tramitação no Senado.
Depois das manifestações populares de junho do ano passado, a presidente Dilma Rousseff encaminhou ao Congresso proposta de realização de um plebiscito em que a população poderia votar sobre financiamento de campanha, definição do sistema eleitoral, coligações partidárias, voto secreto no Parlamento e suplência no Senado, cinco pontos considerados fundamentais para a reforma eleitoral.
Sem apoio dos parlamentares e combatida por deputados da base aliada, inclusive alguns do Partido dos Trabalhadores (PT), a ideia do plebiscito proposta pela presidente não vingou. Desde então, os movimentos sociais têm se dedicado à construção de um plebiscito popular sobre o tema. A votação será realizada na Semana da Pátria, de 1º a 7 de setembro deste ano, e submeterá ao voto popular a pergunta: “Você é a favor de uma Constituinte exclusiva e soberana sobre o sistema político?”.
No Rio Grande do Sul, a mobilização pelo plebiscito já conta com mais de 240 entidades envolvidas na organização dos comitês de votação em todo o estado: Central Única dos Trabalhadores (CUT), sindicatos, partidos políticos, pastorais, representação dos povos indígenas, movimentos negro, das mulheres e estudantil, juventude. Os comitês estão sendo organizados por estados, municípios, bairros, escolas, igrejas, sindicatos, associações de bairro, universidades, comunidades rurais, grupos culturais, entre outros – acesse a íntegra da Cartilha do Plebiscito Constituinte em www.cut.org.br e os principais pontos em debate em matéria do Extra Classe de agosto de 2013.
“O plebiscito não tem caráter oficial, mas representa um instrumento de pressão, pois acumula forças dos movimentos sociais para pressionar a favor da reforma política”, ressalta Claudir Nespolo, presidente da CUT/RS. O dirigente considera que as manifestações de junho de 2013 traziam uma pauta difusa, mas já constatavam “o fim de um ciclo no sistema político do país devido ao desgaste de parlamentares cada vez mais distanciados do povo”.
Foto: Daiane Cerezer/ CUT/RS/ Divulgação
“O plebiscito popular sobre uma Constituinte exclusiva e soberana será uma contribuição valiosa a essa pauta e um instrumento de pressão, já que a minirreforma não mexeu em aspectos fundamentais do sistema político e os parlamentares já demonstraram que a reforma não será feita pelo Congresso”, aponta Nespolo. Segundo ele, somente nas bases da CUT/RS são 500 mil trabalhadores prontos para votar a favor de uma Constituinte exclusiva. O resultado da votação será encaminhado pelo movimento ao Congresso, à presidência da República e ao Supremo Tribunal Federal.
O Sinpro/RS está na coordenação estadual, organizando comitês de votação por regionais junto às instituições de ensino para que os professores e a comunidade escolar possam participar da votação. “O Sinpro/RS é um Sindicato cidadão e não poderia se furtar de participar dessa iniciativa que tem como centro mudar substancialmente a política brasileira”, ressalta Amarildo Cenci, diretor do Sindicato. “O fim do financiamento das campanhas eleitorais por parte das empresas, o fortalecimento dos partidos e o controle social sobre os governantes são mecanismos que conferem maior legitimidade e densidade à democracia brasileira”. Para este desafio o Sinpro/RS conta com a parceria dos sindicatos de funcionários da Federação (Fetee/Sul). O ensino privado no Rio Grande conta com mais de 35 mil professores e 11 mil funcionários. “O plebiscito popular foi a resposta encontrada pelos movimentos sociais para o imobilismo do Congresso.
Quando a presidente Dilma ouviu a voz das ruas e convocou o plebiscito, o Congresso silenciou. A reforma política já é pauta bem antes das manifestações do ano passado. Creio que a sociedade quer mudanças no sistema político, venham elas por uma nova Assembleia Constituinte exclusiva ou por meio de reforma política a partir de um projeto de lei de iniciativa popular, a exemplo da Lei da Ficha Limpa. Sem uma reforma ampla do sistema político, elaborada por uma Constituinte exclusivamente eleita para essa tarefa, não haverá as demais mudanças desejadas e necessárias para o Brasil”, defende a deputada estadual Stela Farias, que preside a Frente Parlamentar em Defesa do Plebiscito Popular.
A parlamentar destaca a proibição de doações de empresas, em dinheiro ou por meio de publicidade, a candidatos e partidos políticos como o ponto mais incisivo da proposta de reforma eleitoral. “O financiamento de campanhas por empresas tem criado profundas distorções na representação parlamentar, possibilitando a eleição daqueles que têm maior acesso a doações privadas. Por isso, mais de 70% dos parlamentares são empresários ou representantes do agronegócio”, aponta.
FINANCIAMENTO – A luta pelo fim do financiamento de campanhas por empresas privadas, tema que centraliza a mobilização pela reforma eleitoral, enfrenta resistências no Congresso e também no Judiciário. A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4650, ajuizada em 2011 pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) pede que sejam declarados inconstitucionais dispositivos da legislação eleitoral – Leis 9.096/95 e 9.504/97 – que autorizam doações de empresas a candidatos e a partidos políticos. Na ação, a entidade também requer que seja estabelecido um limite para as doações feitas por pessoas físicas.
A matéria chegou a ir a plenário, obtendo seis votos favoráveis e um contrário, mas foi retirada da pauta pelo ministro Gilmar Mendes. “Foi usada uma prerrogativa regimental para retardar a decisão e assim não incidir nas eleições deste ano”, avalia Amarildo Cenci, do Sinpro/RS. “A iniciativa da OAB coloca em jogo o interesse de setores interessados em manter o atual sistema eleitoral, dentre elas grandes empresas, agronegócio e todas as instituições que praticam lobby a serviço da manutenção do status quo. Como a grande mídia nacional, que atua na desvalorização da política e, no momento em que pode contribuir para o aperfeiçoamento da democracia brasileira, acaba reforçando padrões conservadores”, acrescenta Cenci.
Os gastos totais declarados nas eleições gerais cresceram de forma exponencial: saltaram de R$ 827 milhões, em 2002, para R$ 4,09 bilhões, em 2010. Um crescimento de 591% em oito anos. “Um pouco mais de dez empresas contribuíram com quase 50% desse valor, o que deixa claro onde estão situados os interesses”, destaca o dirigente do Sinpro/RS.
NO LIMITE – Relator do projeto de reforma barrado no Congresso, o deputado federal Henrique Fontana, líder do governo na Câmara, acrescenta que a projeção de custo da campanha eleitoral deste ano é de R$ 7 bilhões. “Essa eleição infelizmente será disputada sob a égide de uma forte influência do poder econômico”, lamenta. “A política brasileira tem dois grandes problemas. O primeiro é a força que tem o poder econômico num sistema de financiamento privado e o grau de influência que tem esse poder econômico. O segundo é o personalismo, ou seja, se valoriza menos os projetos políticos, menos os partidos e mais as personalidades. A política brasileira está no limite. Ela precisa melhorar e a melhora substancial passa pelo financiamento público de campanha”, destaca Fontana, que aposta numa votação favorável da população à Constituinte.
“Com a realização do plebiscito, a sociedade poderá se expressar de maneira muito forte, pois há uma distorção entre o perfil esperado pela população e o papel desempenhado pelas figuras públicas e isso ficou claro nas manifestações. O plebiscito não tem caráter institucional, no entanto, é um instrumento de pressão popular. Tenho a convicção de que a reforma política estará no centro da pauta dessas eleições, assim como o projeto das eleições limpas, que tem uma articulação forte com o plebiscito e o apoio de 76 entidades, entre as quais a OAB, a CNBB e a CUT”.