O agro colocado em xeque
Foto: Governo do Mato Grosso/Divulgação
O Agro não é tech, o Agro não é pop e muito menos tudo, estudo apresentado ontem, 21, pela Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra) é, segundo a vice-presidente da entidade, a geografa Yamila Goldfarb, muito mais do que uma provocação. “Além dos impactos ambientais, econômicos e dos conflitos sociais, o agronegócio extensivo do ponto de vista econômico não é propriamente interessante”, afirma.
Para ela que, ao lado do também geógrafo Marco Antônio Mitidiero Júnior, assina o estudo, é justamente por isso as grandes iniciativas de marketing do setor que tem como carro chefe a campanha nacional que é veiculada na Rede Globo.
Financiado pelo escritório brasileiro da Friedrich-Ebert-Stiftung (FES), o trabalho da Abras aponta para a necessidade de se repensar o modelo de desenvolvimento que está sendo aplicado no Brasil.
Yamila registra que a pandemia acabou deixando claro a falsidade do conceito. “O discurso de que ele (o agronegócio) alimenta o Brasil é furado”, afirma.
Concretamente, o estudo vai mais longe. “O Agro não alimenta o mundo porque não alimenta nem os brasileiros, como pôde ser visto pela ótica da inflação dos preços alimentares e aumento da fome no Brasil”.
Yamila lembra os mais de 20 milhões de brasileiros que hoje passam fome e os mais de 50% da população em algum grau de situação de risco alimentar.
Drenagem de recursos
Foto: Arquivo Pessoal
Com base em dados do Produto Interno Bruto do Brasil, o trabalho sentencia que Agro não só não é e não produz a “riqueza do Brasil” como drena a maior parte de recursos públicos em créditos, incentivos, isenções tributárias, perdões de dívidas, entre outras. “O grande lucro fica com empresas de capital estrangeiro como Bunge e Cargill”, denuncia a Abra.
Além disso, o setor depende de pacotes tecnológicos importados de fora e não é um grande gerador de postos de trabalho e renda. “Quem gera empregos são os setores de serviços, indústria e, no campo da agropecuária, a agricultura familiar”, recorda Yamila.
Outro efeito nefasto é a desindustrialização do país. De acordo com a vice-presidente da Abras, de 2014 para cá, há uma média de fechamento de sete fábricas por dia no Brasil.
“A década de 2000, com o boom das commodities fez com que o projeto nacional, inclusive de outros países da América Latina, abandonasse o setor industrial”, diz Yamila. A consequência disso se vê agora. O alto nível de desemprego.
Poder político
Para Yamila, o agronegócio com seu grande poder político consegue “negociar todas as benesses que a gente cita no estudo, inclusive em detrimento, de outros setores. Como eles não pagam impostos vendendo produtos primários, sem agregar valor, sem processamento, o próprio setor industrial fica de lado”.
Outra faceta desse poder político se mostra na instrumentalização de organismos do estado.
Foto: Arquivo Pessoal
Silvio Porto, professor da Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB), recorda que na ocasião que o Ministério da Agricultura apresentou a proposta de desmobilização de armazéns da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), que tem por missão a estocagem de alimentos para a regulação do preço interno, a bancada ruralista no Congresso “não saiu em defesa da estatal e de sua função estratégica para o abastecimento alimentar do país. Agora, com a crise com a China, imediatamente recorrem ao governo para que a Conab compre os excedentes de carne, que não estão sendo exportados”.
Segundo Porto que foi diretor de Política Agrícola e Informações da Conab entre 2003 e 2013, os parlamentares ligados ao agronegócio entendem que a Conab “serve para salvaguardar seus interesses, ao invés de servir para garantir a segurança alimentar e Nutricional da população brasileira”, conclui.