Frente Nacional Contra a Fome foi lançada na ALRS
Foto: Kátia Marko/Divulgação
“Colocar a fome num museu”, expressão cunhada pelo compositor Emicida, serviu de síntese e inspiração aos movimentos sociais que criaram a Frente Nacional Contra a Fome (FNCF), e que foi lançado na manhã desta quinta-feira, 28 de abril, na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul (ALRS). A atividade faz parte do Fórum Social das Resistências.
A FNCF é definida como “espaço horizontal de articulação e convergências” e nasceu depois de um ano de modelagem para enfrentar a fome nas suas dimensões estrutural e emergencial a partir da construção de uma agenda coletiva com foco na Educação, formação, mobilização e organização popular para atuação direta e incidência política frente à insegurança alimentar e nutricional que se encontra grande parte da população.
Quem forma a Frente
Entre as organizações da Frente Nacional Contra a Fome estão a Articulação Brasileira de Francisco e Clara (ABFC), Ação da Cidadania, Agentes de Pastoral Negros do Brasil (APNs), Banquetaço, Escola de Cidadania (Camp), Campanha Gente é Pra Brilhar, Não pra Morrer de Fome, Ciranda Internacional de Comunicação Compartilhada, Colegiado de Presidentes dos Conselhos Estaduais de Segurança Alimentar e Nutricional (CPPE), Coalizão Negra por Direitos! Coletivo Paracatuzum, Conferência Popular Nacional por Democracia, Direitos, Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, Conselho Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional do RS, Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag), Instituto Hori – Educação e Cultura, Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras por Direito (MTD), Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Movimento Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Movimento Nacional Fé e Política, Observatório das Metrópoles, Observatório de Segurança Alimentar e Nutricional de Sergipe, Observatório Popular da Cultura Alimentar da População Negra e dos Povos e Comunidades Tradicionais, OXFAM Brasil, Periferia Viva, Rede de Desenvolvimento Humano (Redeh) , Ação Social Franciscana (Sefras).
Pandemia agravou quadro de descaso
Foto: Elineudo Meira/Fotos Públicas
Foto: Elineudo Meira/Fotos Públicas
Conforme a FNCF, a pandemia da covid-19 agravou a situação de insegurança alimentar e nutricional junto a todas as populações vulneráveis, do campo, da cidade, das florestas e da água.
Segundo o relator especial da Organização das Nações Unidas (ONU) para o Direito Humano à Alimentação Adequada (DHANA), Michael Fakhry, no ano passado (2021), aumentou expressivamente o número de pessoas sem acesso à alimentação adequada, de 320 milhões para 2,4 bilhões de pessoas (dados do relatório especial sobre DHANA apresentado à Assembleia Geral da ONU em agosto de 2021).
Significa que uma em cada três pessoas no mundo estava em situação de insegurança alimentar com a Pandemia do covid 19.
“A situação se potencializou com a crescente omissão do papel do Estado na promoção de políticas públicas de bem estar social, aliança entre governo e interesses corporativos em detrimento dos interesses da vida e o enfraquecimento da democracia. Isso levou organizações, movimentos e coletivos a refletirem sobre a necessidade de uma plataforma, um mecanismo que ajudasse as diversas ações de enfrentamento à fome no país a se encontrarem e convergirem contra a fome”, diz nota da Frente.
No Brasil, duas tendências opostas na evolução da fome entre os anos 2004 e 2018 se apresentaram. Durante o período de 2004 a 2013 cerca de 3,7 milhões de domicílios saíram da situação de fome no país.
Ao mesmo tempo, 3,6 milhões de domicílios foram identificados como em situação de fome.
Sergipe, Amazonas, São Paulo, Rio de Janeiro, Maranhão, Rio Grande do Sul, Mato Grosso e Acre foram os estados onde a fome aumentou. Bahia, Paraná e Ceará foram os estados onde os domicílios em situação de fome reduziram (dados do Atlas das situações Alimentares no Brasil, 2022).
No país, a situação estava grave e piorou ainda mais nos últimos dois anos. Em janeiro de 2021, 55% da população brasileira encontrava-se em insegurança alimentar, ou seja, um em cada dois brasileiros.
Além disso, cerca de 19 milhões de brasileiros encontravam-se em situação de insegurança alimentar grave. Ou seja, não estavam se alimentando regularmente nem uma vez por dia, segundo dados do Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, desenvolvido pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar – Rede Penssan.
Geografia da fome
Josué de Castro já apontava nos anos 1940, em seu livro Geografia da Fome, que o Brasil é país continental, com situações alimentares desiguais e complexa territorialização.
Ou seja, a fome não está restrita apenas à seca no Nordeste, mas por todos os lugares, nas periferias das grandes cidades, no campo, nas florestas. A fome é fenômeno com temporalidades distintas e se manifesta de maneira permanente (fome endêmica) ou transitória (fome epidêmica), destaca o Atlas das Situações Alimentares no Brasil.
“Um país riquíssimo como o nosso, com acesso ao atual nível tecnológico mundial, convivendo com a fome de milhões de pessoas é uma ofensa é uma indignação que dão sentido à criação da Frente Nacional contra a fome”, comenta Eliane Martins, da Periferia Viva.
“A Fome é um projeto político e econômico que exclui, desnutre e mata populações. Se a fome é uma forma organizada de exploração, temos que nos organizar para outro projeto de sociedade e de país. Um projeto para todos, com uma economia que tenha como centro a dignidade humana e a organização e produção popular. Eis o desafio para o surgimento da Frente Nacional Contra a Fome”, comenta Fábio Paes, da Ação Social Franciscana (Sefras) .
Para as organizações da Frente Nacional contra a Fome, a realidade que assola o Brasil é resultado do modelo econômico vigente, “que coloca o lucro acima da vida dos seres humanos e do próprio planeta”.
Modelo atual de agronegócio alimenta a fome
O coletivo destaca que a máxima “povo com fome, agronegócio com lucro”, é fato. Seus representantes comentam que hoje, “a realidade da situação de fome do povo brasileiro se contrasta com a realidade do agronegócio que a cada dia bate recordes financeiros e de produção”.
“Esse contraste tem uma dimensão conjuntural e histórica”, explicam. “O processo de formação social e econômica do Brasil consolidou, por meio da violência contra os povos, uma estrutura agrária que prioriza o monocultivo, a concentração, a desigualdade e a destruição do meio ambiente, em detrimento de um modelo de agricultura centrado na produção de alimentos, na reforma agrária e na soberania alimentar”, observam.
A Frente se apresenta orientada para o fortalecimento de uma agenda de defesa das políticas de emergências alimentares e pretende ajudar na produção de “reflexões-ações” de um novo pacto civilizatório, onde solidariedade e compromisso com a transformação social e política do Brasil são a base.
Ela estará em permanente construção, de baixo para cima, onde as pessoas que passam fome e sede são “sujeitos protagonistas das soluções de seus problemas” e não são vistas como vítimas ou beneficiárias.
“Acreditamos e apostamos em uma solidariedade ativa! Enfrentar a fome é necessário para a construção de um projeto popular para o Brasil!”, destaca Edgar Moura (Amaral), representante da Conferência Popular por Direitos, Democracia, Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (CPSSAN).
“Queremos um projeto popular para o Brasil no qual a democracia, a sustentabilidade, o desenvolvimento, a soberania, a solidariedade, o feminismo e a igualdade étnico-racial sejam pilares. Defendemos a Agroecologia, como ciência e movimento, sendo o modelo ideal para alimentar o campo e a cidade, capaz de enfrentar a fome com sistemas alimentares saudáveis e sustentáveis, pois ela tem por princípio fundamental produzir alimentos direcionados prioritariamente ao abastecimento do povo brasileiro e ainda solucionar outras importantes questões socioeconômicas e ambientais graves”, escreve a Frente Popular contra a Fome em sua justificativa de existência em seu manifesto.