OPINIÃO

As pedras no caminho da reconstrução da alma do Brasil

Marco Weissheimer / Publicado em 1 de novembro de 2022

As pedras no caminho da reconstrução da alma do Brasil

Foto: Ricardo Stuckert

Foto: Ricardo Stuckert

Reconstruir a alma do país. Luiz Inácio Lula da Silva resumiu assim aquele que considera o principal desafio de seu novo governo, que se iniciará no dia 1º de janeiro de 2023.

Em seu primeiro discurso como candidato eleito, na noite do dia 30 de outubro, Lula falou em reconstrução, em reconciliação, em reunir o que foi quebrado no país, especialmente nos últimos quatro anos.

Não tinha como ser muito diferente, entre outras razões pelo resultado da votação do segundo turno, que mostrou uma nação dividida praticamente ao meio.

Uma divisão com um forte conteúdo ideológico e profundamente contaminada pelo discurso de violência e ódio alimentado cotidianamente pelo presidente Jair Bolsonaro.

A diferença expressa no resultado final, de 50,90% dos votos para Lula e 49,10% para Bolsonaro, representou pouco mais de 2 milhões de votos. Pedras

Tudo indica que essa agenda de reconstrução terá um terreno minado pela frente.

Para o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, a vitória de Lula, embora diminua o poder da articulação de extrema-direita que governou o Brasil nos últimos quatro anos, está longe de significar o seu desaparecimento do cenário político nacional.

Neste período, assinala Boaventura, tornou-se mais claro o processo de internacionalização do ataque ao sistema democrático brasileiro por meio de organizações de extrema-direita globais, financiadas por entidades norte-americanas ligadas ao ex-presidente Donald Trump.

O Brasil, destaca o sociólogo, foi transformado em um laboratório da extrema-direita global, onde vem sendo testado um projeto neoliberal de ataque permanente à democracia.

Esse projeto sofreu um revés com a vitória de Lula, mas não deve ser desarticulado.

Pelo contrário, diz ainda Boaventura, deve sofrer uma reorientação para passar a trabalhar pela inviabilização do futuro governo Lula, de todas as maneiras possíveis.

A estratégia, prevê ele, assumirá outras formas, “ora mais subterrâneas com a utilização do crime organizado para intimidar as forças democráticas, ora mais institucionais com a mobilização desviante do poder legislativo para criar uma situação de permanente ingovernabilidade, nomeadamente com a ameaça de impeachment do governo eleito e dos quadros superiores do sistema judicial” (O golpe de Estado continuado”, jornal O Público, 31/10/2022).

Ainda na noite de 30 de outubro, grupos bolsonaristas no WhatsApp e no Telegram já pediam “intervenção militar” imediata para evitar a posse do governo do PT.

Um “desejo” que foi inviabilizado rapidamente ainda na noite do domingo, com as manifestações de lideranças mundiais, como o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, felicitando Lula pela vitória. Mas resta pouca dúvida que outras formas de “intervenção” virão.

Ainda no dia da eleição, o uso da Polícia Rodoviária Federal para tentar dificultar a movimentação de eleitores de Lula por rodovias do Nordeste mostrou mais uma vez que o bolsonarismo não respeita limites legais e constitucionais.

Na manhã do dia 31 de outubro, caminhoneiros apoiadores de Bolsonaro deram outra amostra do que deve vir aí, promovendo bloqueios de estradas no Rio de Janeiro e em outras regiões do país.

Para além da ação organizada do bolsonarismo, o futuro governo Lula enfrentará ainda o desafio de abrir um canal de diálogo com setores da sociedade que, se não integram esse movimento de forma organizada, compartilham valores conservadores, especialmente em temas religiosos e ligados à família.

O desafio é gigantesco, mas se há alguém no Brasil com a capacidade de tentar construir e reconstruir pontes, esse alguém é Lula. As suas primeiras palavras como candidato já fincaram alguns palanques para a construção dessas pontes:

“Esta não é uma vitória minha, nem do PT, nem dos partidos que me apoiaram nesta campanha. É a vitória de um imenso movimento democrático que se formou, acima dos partidos políticos, dos interesses pessoais e das ideologias, para que a democracia saísse vencedora. Neste 30 de outubro histórico, a maioria do povo brasileiro deixou bem claro que deseja mais – e não menos democracia. Deseja mais – e não menos inclusão social e oportunidades para todos. Deseja mais – e não menos respeito e entendimento entre os brasileiros. Em suma, deseja mais – e não menos liberdade, igualdade e fraternidade em nosso país.”

“Não interessa a ninguém viver numa família onde reina a discórdia. É hora de reunir de novo as famílias, refazer os laços de amizade rompidos pela propagação criminosa do ódio. A ninguém interessa viver num país dividido, em permanente estado de guerra.”

Esse é o tamanho do desafio para a reconstrução da alma do Brasil.

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