O longo alcance da telefonia móvel
Foto: Igor Sperotto
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“O projeto, assinado pelo prefeito José Fortunati, chegou ao Legislativo municipal no Natal, ou seja, período de recesso. No final de fevereiro, início de março, o vereador Reginaldo Pujol, da base do governo, pediu urgência para votação, não dando chance para discussão”, denuncia Ana Valls, farmacêutica, especialista em toxicologia e conselheira do Conselho Estadual de Saúde (CES/RS), pela Associação Gaúcha de Proteção do Ambiente Natural (Agapan). Ela relata que a única audiência pública sobre o tema, realizada em junho, só saiu por medida judicial. “Detalhe é que foi em plena Copa do Mundo, quando era quase impossível mobilizar as pessoas. Ou seja, não foi amplamente divulgada e nem os documentos foram colocados à disposição com dez dias de antecedência, como prevê a Lei Orgânica do Município”, aponta.
A Agapan, junto com outras entidades, como Fundação Gaia e Conselho Estadual de Saúde, denunciaram no Ministério Público Estadual o processo de votação – que resultou na aprovação do projeto na Câmara. “Julgamos que houve uma clara intenção, não da defesa da população de Porto Alegre, mas dos interesses das empresas internacionais de telefonia celular”. Foi anexado à denúncia um abaixo-assinado com mais de 300 assinaturas colhidas em um final de semana na Feira Ecológica que acontece no bairro Bom Fim. Porém, em 18 de agosto, o MP/RS indeferiu a solicitação por considerar que não cabe a ele fazer a investigação. Até o dia 22 de setembro, as entidades impetrantes não tinham sido informadas sobre o indeferimento e permaneciam aguardando providências.
Foto: Rodrigo Silva da Silva/ CES/ Divulgação
Omissões aumentam riscos à saúde pública
Um dos maiores especialistas em telecomunicações do país, o professor da Escola de Engenharia da Ufrgs, Álvaro Salles, considera que o projeto de lei possui inconsistências e incoerências. “Por exemplo, derruba o Princípio da Precaução quando permite a instalação de Estações de Rádio Base em distâncias menores que 50 metros de hospitais, clínicas, escolas, praças e creches”. Conforme Salles, basta que as antenas estejam colocadas em postes de até 19 metros de altura. “Isto porque as torres são redefinidas como estruturas com mais de 20 metros”. O professor alerta que a população está sujeita a uma série de efeitos danosos à saúde como insônia, alterações de humor, efeitos na pele, taquicardia e, pior, diferentes tipos de neoplasias (câncer).
O especialista relata que vários casos de adoecimento já foram comprovados em função de exposição a raios não ionizantes (como em telefonia celular). “Em países onde existiram pesquisas epidemiológicas, como Alemanha e Israel, foram constatados aumentos de neoplasias entre os que habitavam mais próximos das ERBs. Em Belo Horizonte houve resultados análogos”. Salles ressalta ser preocupante o fato de a sociedade não ter informação suficiente sobre o tema. “A população está muito mal informada sobre os riscos. Por exemplo, poucos sabem que a Organização Mundial da Saúde (OMS) classificou essas radiações como possivelmente cancerígenas e que simultaneamente recomendou a redução quanto possível de exposição. Estão aí incluídas as radiações não ionizantes, por exemplo, da telefonia celular, de sistemas Wi-Fi, WiMax, Bluetooth etc. Esta classificação e esta recomendação da OMS datam de maio de 2011. De lá para cá, pouco se fez para divulgar isto. Ao contrário, somente aumentou a exposição da população”, alerta.
Ele destaca que em outros países os problemas são semelhantes, entre outros motivos, pela ausência de sensibilidade e visão, especialmente da indústria e das operadoras de telecomunicações, mas também dos governos e até da população. “Observa-se que há um lobby da indústria e das operadoras”. E questiona: “Quanto tempo demorou para que as questões relacionadas ao cigarro (ou tabaco) fossem séria e responsavelmente consideradas pelos governos e pela população?”. Conforme o engenheiro, o mercado mundial das comunicações sem fio tem uma dimensão enorme, pois está se falando de trilhões de dólares anuais. “Isto significa muito dinheiro e muita influência e explica muitas atitudes que à primeira vista parecem inexplicáveis”.
O professor da Escola de Engenharia da Ufrgs ressalta que há muita desinformação, tanto por parte dos cidadãos como por parte dos responsáveis pela saúde pública. “Lamentavelmente, essas questões não são tratadas com a seriedade e responsabilidade que mereceriam, tendo em vista a grande penetração dessas tecnologias”. Para Álvaro Salles, é incompreensível a pressa em votar esse projeto, especialmente se tratando da abrangência destas questões e sua importância para a saúde pública.
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SOB PRESSÃO – Já o secretário municipal Edemar Tutikian, do Gabinete de Desenvolvimento e Assuntos Especiais (Gades), da Prefeitura de Porto Alegre, considera as reclamações infundadas, pois “o prefeito instituiu uma comissão, há um ano, que ouviu e debateu com toda a sociedade”. Ele argumenta que a lei, em vigor até então, está defasada. “Ela é de 2002 e, de lá para cá, houve mudanças fantásticas nas tecnologias que toda a sociedade usa”. Alega também que as regras da OMS foram seguidas e tomadas todas as precauções para que a nova lei atenda as necessidades sem causar qualquer problema.
“Há um nível de radiação permitido e isto passa a ser periodicamente avaliado pelas secretarias do Meio Ambiente e da Saúde”. Conforme o secretário, “não adianta dizer que um equipamento deve estar a 10, 20 metros de um local, sem informar qual o impacto disso. Várias antenas pequenas oferecem muito menos danos do que as antenas monstruosas que parecem prédios”, compara. E, quanto aos danos econômicos, ele afirma que “está mais do que falado e divulgado que vamos cobrar as multas, porque isto é receita e ninguém tem o poder de perdoá-las”. O secretário não soube informar o valor correto, pois os processos estão sendo analisados.
Entretanto, para Ana Valls, não há dúvida de que o Projeto de Lei do Executivo “veio para acabar com a atual Lei das Antenas, que é, sim, atual e moderna, nos mesmos moldes do que está em vigor na Suíça” . Conforme ela, outro problema é que a lei anterior era fiscalizada pelos próprios órgãos da prefeitura, como Secretaria de Obras e Viação (Smov) e Vigilância Sanitária. “Agora está prevista uma licença única”.
Atualmente, em Porto Alegre, existem mais de 900 estações de rádio base, conforme dados da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), mas Ana acredita que apenas em torno de 150 devem estar licenciadas pela prefeitura. Segundo ela, fica evidente que “estas empresas estrangeiras não se ajustaram à lei, não estão pagando as multas, que começaram a ser aplicadas a partir de 2005 e agora pressionam por uma nova legislação, que lhes possibilite anular as cobranças. Ficou clara a pressão das empresas de telefonia para mudar a lei e adequar as situações que hoje estão irregulares. E o que é pior, com a anuência do poder público municipal, porque estamos falando de um projeto de lei que veio do Executivo, assinado pelo prefeito, a quem caberia zelar pela saúde e segurança da população porto-alegrense”.