Uniformes nas escolas: exigência republicana
Houve um tempo em que crianças e adolescentes usavam uniformes nas escolas. Notadamente na rede pública, o uso de uniformes foi regra observada e incontroversa. Passaram-se os anos e os uniformes foram sendo abandonados. Recentemente, vários municípios brasileiros têm desenvolvido programas para o uso de uniformes escolares.
Cabe então perguntar: afinal, o uso obrigatório de uniformes por estudantes dos níveis fundamental e médio é algo importante? Exigir o uso do uniforme pode agregar vantagem para as escolas, os alunos ou mesmo para as comunidades?
As evidências disponíveis autorizam a concluir que sim. O primeiro ponto importante é a redução das possibilidades de que as diferenças de renda das famílias promovam signos de distinção nas escolas. Crianças e adolescentes pobres também vivem sob intensos apelos de consumo. Não possuir determinados produtos ou não ostentar certas grifes são circunstâncias associadas pela publicidade à própria infelicidade.
As oportunidades de humilhação dos mais pobres aumentam, portanto, quando os estudantes podem vestir o que desejam nas escolas. O desafio maior da educação é o de propiciar possibilidades igualitárias de acesso à cultura universal e à reflexão crítica, razão pela qual a reprodução das identidades proposta pelo mercado assinala novo e surpreendente obstáculo a uma educação republicana.
Ilustração: Pedro Alice
Com os uniformes, estimulamos uma noção de “pertencimento” dos alunos, um tipo de identidade que reforça a solidariedade entre eles e que tende a “disputar” com outras identidades adolescentes possíveis. Como sabemos, algumas das identidades juvenis alternativas agregam riscos sérios.
Ser membro de uma gangue, de uma torcida organizada violenta ou de um grupo que trafica drogas são situações comuns no Brasil, não apenas em áreas de exclusão. Muitos de nossos adolescentes são atraídos pelas possibilidades de reconhecimento e autoria que esses grupos lhes oferecem.
Também por isso, fortalecer a identidade dos adolescentes enquanto estudantes tende a agregar benefícios importantes quanto à segurança pública.
O Manual sobre Uniforme Escolar (Manual on School Uniforms) preparado pelo U.S. Department of Education e pelo U. S. Department of Justice, nos EUA, por exemplo, sintetiza os resultados de muitas pesquisas assinalando que a obrigação do uniforme auxilia a promoção da segurança nas escolas, melhora a disciplina e fortalece um ambiente de aprendizado. Os benefícios potenciais envolvem os seguintes elementos:
a) diminuição da violência e das ocorrências de furtos e roubos de estudantes visados por roupas “de marca” e tênis caros;
b) ajuda na prevenção à formação de gangues que usam roupas com cores de identificação e insígnias na escola;
c) estímulo à disciplina entre os estudantes;
d) ajuda aos pais e aos estudantes na resistência às influências negativas definidas como “pressão dos pares” (peer pressure);
e) ajuda aos estudantes para uma melhor concentração em suas atividades acadêmicas e
f) ajuda aos seguranças e policiais para o reconhecimento de intrusos nas escolas.
Tais observações têm sido compartilhadas por muitos pedagogos e pela grande maioria dos especialistas em segurança pública no mundo. No caso brasileiro, talvez tenhamos ainda mais razões. O uso de uniformes pode oferecer alguma proteção a milhares de estudantes tratados como “suspeitos” pelo simples fato de serem jovens, pobres e/ou negros.
Para um garoto que more em uma área de periferia, seu deslocamento pelas ruas pode ser algo especialmente perigoso – notadamente em circunstâncias onde a polícia surge como uma força de intervenção armada e onde há grupos de jovens atuando no tráfico.
O uso de uniforme escolar no percurso entre casa e escola reduz as chances de abordagens violentas sobre os jovens e os riscos de serem atingidos por disparos efetuados por policiais.
Outro aspecto positivo do uso de uniformes escolares é a natural restrição quanto à exposição indevida do corpo de crianças e adolescentes. Uniformes são também um modo de assegurar roupa adequada em ambiente acadêmico. Saltos altos, decotes pronunciados, minissaias ou – no caso dos meninos – camisetas cavadas ou calças que exibem propositalmente suas cuecas podem ser comuns em outros espaços, mas não deveriam ser aceitos nas escolas.
A regra do uniforme, no mais, desobriga as direções, professores e funcionários de atuarem como “polícia dos costumes” diante de abusos ao vestir.
* Marcos Rolim é Doutor em Sociologia e jornalista. Escreve mensalmente para o jornal Extra Classe