Ilustração: Claudete Sieber / D3 Comunicação
Ilustração: Claudete Sieber / D3 Comunicação
Uma parte significativa das décadas de 80 e 90 foi marcada por um intenso processo de desregulamentação na economia. Essa desregulamentação significou, entre outras coisas, a extinção ou flexibilização de leis, regras e mecanismos técnicos que procuram impor limites às movimentações no mercado financeiro e na economia mundial. Segundo os defensores desse processo, essas leis e regras significavam um entrave ao desenvolvimento da economia e um resquício de um modelo estatal intervencionista anacrônico que deveria ser colocado na lata de lixo da história. Mesmo nesse período, várias crises financeiras graves (Coreia do Sul, Indonésia, Rússia e Argentina, apenas para citar alguns exemplos) prenunciavam que havia algo de podre no reino da especulação financeira, em especial o fato de que cada nova crise era mais grave que a anterior.
E veio finalmente a grande crise de 2008, que provocou um considerável terremoto na economia mundial. Menos de um ano depois, os ideólogos da desregulamentação e do Estado mínimo voltam a falar em público, após um período de constrangido e obsequioso silêncio. E, por incrível que pareça, voltam a defender as mesmas receitas que alimentaram a crise. Há um processo de irracionalidade crescente neste discurso econômico que parece ser incapaz de qualquer tipo de autocrítica e reflexão sobre as consequências danosas de suas receitas para a vida de milhões de pessoas. Paul Krugman é um economista liberal, vencedor do Nobel de Economia e insuspeito de ser um esquerdista ou partidário da intervenção estatal na economia. Em seus últimos artigos, ele vem denunciando essa irracionalidade e advertindo o mundo para o risco de uma terceira depressão.
“A grande ameaça é a deflação”
Foto: Divulgação
Em um artigo intitulado A terceira depressão, publicado no New York Times e reproduzido por vários jornais brasileiros, Krugman alerta:
“Receio que estejamos nos primeiros estágios de uma terceira depressão. A probabilidade é que ela seja mais parecida com a Longa Depressão do que com a Grande Depressão. Mas o custo – para a economia mundial e para milhões de vidas será, ainda assim, imenso. E essa terceira depressão resultará de um fracasso das políticas econômicas. Em todo o mundo – mais recentemente na desanimadora reunião do G-20 – os governos estão obcecados com a inflação, enquanto que a grande ameaça é a deflação, recomendando cortes de gastos, ao passo que o verdadeiro problema são os gastos inadequados”.
E chama a atenção para o fato de sermos incapazes de aprender com a história. Em 2008 e 2009, observa, parecia que havíamos aprendido. O Federal Reserve (Banco Central dos EUA) e o Banco Central Europeu cortaram os juros, ampliaram o crédito e permitiram o aumento dos gastos públicos. Isso ajudou o mundo a evitar o colapso total, enfatiza Krugman. No entanto, nos últimos meses, voltou-se a “um comportamento espantosamente ortodoxo com relação a empréstimos e orçamentos equilibrados”, lamenta. Velhas receitas do Fundo Monetário Internacional (FMI), que pareciam soterradas pela história e pelo estrago que causaram em diversos países (especialmente na América Latina), voltaram a ser implementadas, desta vez na Europa. Grécia, Espanha e Portugal são alguns dos países que já começam a experimentar o gosto amargo do corte de investimentos públicos, das demissões e da redução de salários.
A cor local da ortodoxia
Esse assunto ecoa, obviamente, no Brasil e, em especial, aqui no Rio Grande do Sul, que talvez seja hoje o estado da Federação que implementa uma política mais próxima dessa receita ortodoxa que está sendo aplicada na Europa. A política de déficit zero do governo Yeda Crusius (PSDB), como se sabe, praticou logo no início um corte linear de 30% no custeio de todas as secretarias. O impacto desse corte foi mais visível em áreas como Saúde, Segurança e Educação, onde se concentram o grosso dos serviços públicos oferecidos à população. Nos últimos meses, o governo estadual desencadeou uma pesada campanha publicitária envolvendo outdoors, anúncios em jornais, rádios e televisões, defendendo o resultado dessas políticas. Mas, a julgar pelos índices de aprovação da governadora, expressos nas últimas pesquisas, a imensa maioria da população parece discordar dessa avaliação.
Esse tema também deve frequentar o debate eleitoral deste ano, especialmente no que diz respeito à eleição presidencial. Desde o início da crise, em 2008, o governo Lula optou pelo caminho inverso a este que vem sendo implementado agora na Europa, ou seja, preferiu apoiar a economia e o mercado interno com mais investimentos públicos ao invés de cortá-los. O PSDB, principal partido da oposição, critica essa via e defende a linha do déficit zero, do corte de gastos públicos e da austeridade fiscal, tudo o que vem sendo criticado por economistas como Krugman. Os próximos meses dirão quem está no caminho certo.