OPINIÃO

Analogias

Por Fraga / Publicado em 23 de março de 2023

Ilustração: Rafael Sica

Ilustração: Rafael Sica

Quando leio ou ouço a expressão “análogo ao trabalho escravo”, sinto algo análogo à impaciência, para não dizer irritação. Analogias

Como que os veículos de comunicação (análogos a jornais, rádios e tevês) têm o desplante de não falar aberta e claramente em trabalho escravo? Não existe trabalho análogo à escravidão: o que existe é tão somente escravidão.

Sempre que alguém se vale da expressão “análogo ao trabalho escravo” para denunciar ou reportar casos evidentemente escravagistas (sem os mínimos direitos trabalhistas e com os agravantes dos maus-tratos e até da tortura), esse alguém está amaciando, amenizando e amortecendo a percepção desses casos.

Porque análogo não quer dizer igual: significa, no máximo, parecido. E essa parecença subverte o entendimento, pois retira o rigor da avaliação, diminui o impacto da natureza real. E a opinião pública passa a aceitar o análogo como algo menos duro, menos cruel, que machuca menos o ser humano, logo, soa menos desumano. Que é quase o mesmo que humanizar um pouco o que é doloroso. Como, por exemplo, a escravidão.

Assim, análogo a trabalho braçal parece que nem prejudica os braços; análogo ao suor meio que refresca a pele, né? E assim por diante: análogo ao cansaço jamais deixará antever a exaustão física, como análogo ao sofrimento também pode sugerir apenas um incômodo ou certo desconforto.

E quanto mais casos de trabalho escravo aparecem no Brasil, mais vezes a expressão “análogo ao trabalho escravo” toma conta do noticiário. Sobretudo nas matérias análogas ao jornalismo. E as pessoas análogas a leitores nem notam a diferença entre os análogos a gatos e os análogos a lebres. E daí seguimos todos analogando.

São reduções da linguagem que acabam por normalizar algo anormal, que deveria berrar aos nossos ouvidos e não sussurrar. Porque nesse passo, de analogia em analogia, se chega facilmente ao análogo à fome e à miséria, que então já ecoam mais suportáveis que a própria fome e a própria miséria.

Do mesmo jeito, análogo à democracia não é equiparável à democracia, tal como análogo à ditadura não corresponde exatamente à ditadura. Uma analogia que funcionaria como um creminho para o bolsonarismo. Idem análogo à Justiça, o que é injusto com a instituição e principalmente com os injustiçados deste país.

Como dá pra perceber pela argumentação inconsistente e não fundamentada, este texto ficou análogo a uma crônica.

FRAGA é colunista mensal do Jornal Extra Classe

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