JUSTIÇA

Sobe para 82 o número de resgatados de trabalho escravo em Uruguaiana

Com 291 trabalhadores resgatados no primeiro trimestre de 2023, o ano já soma quase metade dos resgates realizados em uma década no Rio Grande do Sul
Por César Fraga / Publicado em 13 de março de 2023

Sobe para 82 o número de resgatados de trabalho escravo em Uruguaiana

Foto: Polícia Federal/Divulgação

Foto: Polícia Federal/Divulgação

De acordo com o novo informe do Ministério Público do Trabalho (MPT-RS), nesta segunda-feira, 13, sobe de 56 para 82 o número de trabalhadores resgatados de trabalho escravo na última sexta-feira, 10, em duas estâncias de arroz localizadas Uruguaiana. 11 são adolescentes com idades entre 14 e 17 anos. Os trabalhadores prestavam serviços análogos à escravidão para arrozeiros da região proprietários das fazendas Santa Adelaide e São Joaquim.

Os números foram atualizados após análise de casos e coleta de depoimentos realizada durante o final de semana.

Jovem perdeu os movimentos dos dedos em acidente

Nos depoimentos os relatos dão conta de que o grupo era contratado para fazer o corte do arroz vermelho, gramínea daninha que prolifera junto ao arroz cultivado e provoca perdas à lavoura.

As tarefas eram executadas com ferramentas inapropriadas que os próprios trabalhadores deveriam providenciar.  Muitos usavam apenas faca de cozinha. A aplicação de agrotóxico era feita sem  equipamento de proteção individual (EPI).

Pelos relatos, um dos menores sofreu um acidente com um facão e ficou sem movimentos de dois dedos do pé.

Veneno sem proteção

Também fazia parte das atribuições dos trabalhadores a aplicação de veneno pelo método de “barra química”, em que dois trabalhadores aplicam o agrotóxico usando uma barra metálica perfurada conectada a latas do produto – um tipo de atividade que exige equipamentos individuais de proteção, que não eram fornecidos.

Os trabalhadores também eram obrigados a caminhar quase uma hora em pleno sol até chegar ao local de trabalho. As vítimas relataram que recebiam cem reais por dia, mas a comida e as ferramentas de trabalho eram por conta deles próprios.

Não havia acesso a água potável nem a refrigeração, e nessas condições a comida estragava constantemente – levando muitos trabalhadores a passar o dia sem comer. Se algum deles adoecesse, teria remuneração descontada. Os depoimentos tomados no fim de semana também falam de venda de drogas durante os trabalhos.

Pagamentos

Os empregadores (os proprietários das estâncias Santa Adelaide e São Joaquim) serão notificados para assinar a carteira de trabalho dos resgatados e pagar as devidas verbas rescisórias.  O MPT vai pleitear depois disso pagamentos de indenizações por danos morais individuais e coletivos. Os trabalhadores foram encaminhados de volta a suas casas.

O MPT e a Defensoria Pública da União (DPU) negociaram o pagamento de três parcelas de seguro-desemprego, de verbas rescisórias, além do devido registro em carteira de trabalho de todos. Esses valores ainda estão sendo regularizados porque muitos, principalmente entre os adolescentes, não tinham a devida documentação (CPF e carteira de trabalho) e nem conta em banco. Houve também questões de detalhamento da identificação de resgatados com nomes muito semelhantes.

Todos eram de municípios da região, em especial Itaqui, São Borja, Alegrete e Uruguaiana, recrutados por um “gato”, um agenciador de mão de obra que atuava na fronteira oeste do Rio Grande do Sul.

Agenciador foi preso e liberado sob fiança

O “gato”, homem responsável pelo agenciamento ilícito foi preso em flagrante por redução à condição análoga a de escravo (Art. 149 do Código Penal) e conduzido à Polícia Federal, foi encaminhado ao Sistema Penitenciário e depois liberado sob fiança.

Recordes de resgates de trabalho escravo no Estado

Trata-se do segundo maior resgate de trabalhadores registrado no Estado, atrás apenas dos 207 encontrados em Bento Gonçalves em fevereiro. Em todo o Rio Grande do Sul, já são até agora 291 resgatados só em 2023, número que se aproxima do dobro dos 156 resgatados no ano passado – e que por sua vez já havia representado um recorde.

Os resgates resultaram de uma operação conjunta realizada pelo Ministério Público do Trabalho, pelo Ministério do Trabalho e Emprego e pela Polícia Federal de Uruguaiana, após uma denúncia informar a presença dos jovens na propriedade, em trabalho irregular e sem carteira assinada.

O grupo móvel de fiscalização se dirigiu ao local e encontrou não apenas os adolescentes, mas trabalhadores adultos em situação análoga à escravidão. Ao todo, foram 82 os resgatados – 54 deles encontrados na Santa Adelaide e 28 na São Joaquim.

O MPT-RS foi representado na ação pelos procuradores da unidade de Uruguaiana Franciele D’Ambros e Hermano Martins Domingues. Com os depoimentos tomados ao longo do fim de semana, emergiu um quadro mais completo da situação degradante a que os trabalhadores estavam expostos.

Todos eram de municípios da região, em especial Itaqui, São Borja, Alegrete e Uruguaiana, recrutados por um “gato”, um agenciador de mão de obra que atuava na fronteira oeste do Rio Grande do Sul. O homem foi preso em flagrante, levado a um estabelecimento prisional do Estado e liberado após pagar fiança durante o fim de semana.

Resgatados de trabalho escravo no RS de 2013 a 2023

2023 – 290
2022 – 156
2021 – 76
2020 – 5
2019 – 2
2018 – 0
2017 – 6
2016 – 17
2015 – 32
2014 – 1
2013 – 44

* Dados da Gerencia Regional do Trabalho – Ministério do Trabalho e Emprego

Denúncias

Podem ser feitas de forma remota e sigilosa no Sistema Ipê, sistema lançado em 2020 pela Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) em parceria com a Organização Internacional do Trabalho (OIT).  https://ipe.sit.trabalho.gov.br/

Em 2022 o Sistema Ipê recebeu 1.654 denúncias (um aumento de 66% em relação ao ano anterior), sendo que todas as denúncias foram analisadas pela Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo (Detrae/SIT/MTE).

Comentários