POLÍTICA

Deltan vende a imagem de justiceiro injustiçado

Não bastasse a perda do foro privilegiado, o deputado cassado terá de desistir dos planos de concorrer ao governo do Paraná, em 2026
Por Marcelo Menna Barreto / Publicado em 18 de maio de 2023

Deltan vende a imagem de justiceiro injustiçado

Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados

Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados

O deputado federal cassado Deltan Dallagnol é protagonista de uma série de polêmicas que apontam a possibilidade do caçador de outrora ser a caça hoje. Juristas acreditam que ele “não está na mira de ninguém” especificamente, mas que sofrerá o que o ex-presidente Jair Bolsonaro está passando agora. Não bastasse a perda do foro privilegiado, Deltan terá de desistir dos planos de concorrer ao governo do Paraná, em 2026.

Cassado por unanimidade pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o ex-procurador e, agora, ex-deputado federal Deltan Dallagnol (Podemos/PR) afirmou em coletiva de imprensa ser uma vítima do sistema que busca vingança por sua atuação na Lava Jato.

Acompanhado por parlamentares da extrema-direita, ele, no entanto, em nenhum momento se referiu ao fato da penalização ocorrer por votos favoráveis de todos os sete ministros da corte, que conta com três indicados pelo então presidente Jair Bolsonaro (Kassio Nunes Marques, Carlos Horbach e Sérgio Banhos).

Ao lado de parlamentares da extrema-direita, ele não se dedicou às apelações que tem direito no próprio STE e Supremo Tribunal Federal (STF). A tônica do discurso foi o de conclamação por justiça fora dos tribunais.

No meio jurídico há os que criticam a chamada “interpretação extensiva” do STE, referida por Deltan. Em especial, juristas que se alinham à lógica que apoiou a tentativa de reeleição de Bolsonaro, como o ex-ministro do STF, Marco Aurélio, e Miguel Reale Júnior.

Não é o caso do ex-juiz Márlon Reis, considerado o pai da Lei da Ficha Limpa, que atingiu Deltan e que, em 2018, foi um dos que defendeu a rejeição da candidatura de Lula (PT) à presidência da República.

Ele afirma ter analisado minunciosamente o processo. “Na minha leitura jurídica a decisão foi irretocável. Não levo em conta aspectos político-partidários”, sentenciou.

Jurisprudência consolidada

A maioria da comunidade jurídica entende que a interpretação do STE já foi utilizada em outros julgamentos e que a ideia de burlar a lei é que foi o cerne da decisão.

Deltan afirmou em sua defesa que procedimentos preliminares foram considerados Processos Administrativos Disciplinares (PADs), mas, em síntese, o que foi debatido segue a lógica do caso de um assassino que é suspeito e ainda não foi indiciado formalmente, mas foge.

Em 2019, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) decidiu aplicar punição de advertência em Deltan por críticas consideradas indevidas ao STF.

Menos de um ano depois, em 2020, o mesmo CNMP o penalizou com de censura por publicações contra o senador Renan Calheiros (MDB/AL) às vésperas das eleições para a presidência do Senado.

A professora e coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC/Rio) e fundadora da Associação de Juristas pela Democracia (ABJD) Gisele Cittadino, não acha que Deltan esteja na mira de ninguém.

“Talvez ele diga isso porque em sua vida profissional ele mirava pessoas. Se ele for processado, julgado e condenado será em função de malfeitos passados”, entende.

Ela reforça a unanimidade da decisão do STE. “Deltan tinha mais de 12 sindicâncias abertas, que não se transformaram em processos administrativos porque ele se exonerou. Caiu na lei da ficha limpa. Tudo muito simples. Decisão correta e técnica”, conclui.

Noite longa do desesperado

O criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, vê com normalidade a revolta do deputado cassado. “Está um pouco desesperado. Agora ele vai para a primeira instância e nela os processos são um pouco mais céleres”.

Kakay entende que a prepotência ajudou Deltan “chegar onde chegou”. Para o advogado, Deltan teve muito poder e usou este poder como se fosse um “semideus”.

“Vai sofrer tudo o que as pessoas que ele de certa forma perseguiu também sofreram. Nada mais natural que ele reaja. É a vida.”

Kakay prevê “uma vida muito difícil” para Deltan, porque deverá responder a muitos processos dentro de investigações que considera normais.

“Ele vai sofrer um pouco o que o Bolsonaro está sofrendo; vários inquéritos, depoimentos. Não sei se é verdade e eu jamais acusaria ninguém sem provas, mas há denúncias aí de que o grupo que ele liderava (força-tarefa da Lava Jato) recebia para proteger pessoas. É só você ver o que diz o Tacla Duran (ver abaixo) que Deltan e Moro nunca quiseram deixar falar. Qual o sentido de Deltan impedir Tacla Duran de ir falar no Congresso para prestar esclarecimentos?”, questiona.

O criminalista completa: “Tudo muito triste para o poder Judiciário e Ministério Público, mas necessário. As coisas estão começando a vir à tona. Deltan vai ter uma noite muito longa aí pela frente. Muito longa”.

O futuro ex-deputado (ainda aguarda oficialização da perda do mandato) protagonizou várias polêmicas nos últimos anos. 

PowerPoint

Em coletiva de imprensa da força-tarefa da Lava-Jato no ano de 2016, Deltan Dallagnol apresentou a jornalistas um PowerPoint que sintetizaria a primeira denúncia contra o então ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

O episódio foi questionado na Justiça pela defesa de Lula, que disse haver interesse de influenciar a opinião pública, causando danos morais.

Em 2022, por quatro votos a um, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou que Deltan pagasse R$ 75 mil como indenização.

Minha Casa, Minha Vida

No ano de 2016 veio a tona que Deltan com o salário de procurador da República e com um imóvel de classe média alta em Curitiba tinha adquirido duas unidades habitacionais em um condomínio destinado preferencialmente ao programa Minha Casa Minha Vida em Ponta Grossa.

Não havia ilegalidade, mas que compra apartamentos habilitados para o programa tira a oportunidade de quem procura conseguir um imóvel com financiamento com taxa de juros subsidiada.
Uma corretora de Ponta Grossa chegou a informar que muitos apartamentos do condomínio ficaram nas mãos de investidores.

Os vencimentos líquidos de Deltan na época foram de R$ 22.657,61. Mas, dois meses depois ele recebeu líquidos R$ 67.024,07, com “indenização” e “outras remunerações retroativas/temporárias”, acima do teto constitucional.

Fundação da Lava-Jato

Plano coordenado por Deltan na força-tarefa, um fundo bilionário com recursos da Petrobras triangulados com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos (DoJ) seria destinado para projetos de combate à corrupção e promoção da cidadania.

Uma das ideias era estabelecer uma fundação com sede em Curitiba para gerir parte dos recursos.

A Petrobras chegou a firmar acordo com o Ministério Público Federal do Paraná (MPPR), mas a própria Procuradoria-Geral da República (PGR) questionou a iniciativa no STF que suspendeu o acordo.

Caso Tacla Duran

Réu por lavagem de dinheiro para a empreiteira Odebrecht na operação Lava Jato, Rodrigo Tacla Duran tem denunciado há anos suposto esquema de extorsão que envolve um advogado que mantêm relações de amizade com o ex-juiz Sergio Moro e sua esposa, do qual chegou a ser sócio.

Em recente depoimento ao atual titular da comarca que Moro atuava, o juiz Eduardo Appio, Duran afirmou ser “perseguido na Espanha e em outros países” por Deltan.

No relato, o então deputado federal e outros procuradores “insistiam” em manter contato com ele fora do rito processual.

Devido ao foro privilegiado de Moro e Deltan, Apio encaminhou o caso para o STF.

Em abril passado, Deltan foi o parlamentar mais inflamado contra o pedido de prestação de esclarecimento de Duran na Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara dos Deputados.

Vaza Jato

Em 2019 foi revelado que procuradores da Lava-Jato e o juiz responsável pelos processos mantinham contato frequente.

Mensagens da força-tarefa no aplicativo Telegram foram coletadas por um hacker que as disseminou para o portal The Intercept.

As conversas mesmo que obtidas de forma ilegal mostraram que Sergio Moro orientava ações e cobrava novas operações do então coordenador da força-tarefa.

Deltan também chegou a pedir a Moro para decidir rapidamente sobre um pedido de prisão.

Entre uma série de conversas com sua equipe, Deltan ainda apresentou dúvidas sobre as “provas” que estariam na denúncia contra Lula no caso do triplex do Guarujá.

A Vaza Jato estarreceu todo o judiciário nacional e serviu para que ações penais contra Lula, Geraldo Alckmin (PSB), o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD) e o deputado federal Pedro Paulo (PSD-RJ) fossem trancadas.

Posteriormente, Sergio Moro foi declarado pelo STF como juiz parcial o que anulou todas as suas sentenças contra Lula.

TCU

O presidente do Tribunal de Contas da União (TCU) Bruno Dantas, disse nessa quarta-feira, 17, que em 2016 barrou tentativa que poderia favorecer empreiteiras investigadas na Lava jato na corte.

O então procurador em audiência propôs que, após acordos assinados com a força-tarefa, não houvesse mais investigações nos temas envolvidos “sob qualquer outro ângulo”.

Dantas disse que na hora interrompeu Deltan para perguntar: “o senhor está vindo aqui falar comigo como procurador ou como advogado das empreiteiras?”.

Um caso lembrado por Dantas foi o de uma empreiteira que, no acordo de leniência, deveria pagar de R$ 700 milhões ao governo. Só que, mesmo com o conhecimento da força-tarefa, apenas em uma obra, a empresa registrou um superfaturamento de US$ 2 bilhões.

Ainda no TCU, em setembro de 2022 Deltan foi condenado ao lado do também procurador João Vicente Beraldo Romão e do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot a restituir R$ 2,8 milhões aos cofres públicos.

A sentença devido a mal uso de ajudas financeiras à integrantes da força-tarefa e passagens aéreas foi derrubada por um juiz federal de primeira instância em Curitiba e deve ter agora o seu trâmite retomado em ritmo normal em instâncias superiores. Tramita agora na corte do STJ. Em março passado , o ministro Mauro Campbell Marques pediu vistas ao processo.

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